Rituais e tradições na era do consumismo
16/12/2016 17:52
Paula Kraizer

Professores analisam práticas de troca na sociedade contemporânea durante o Fim de Ano

Papai Noel é um dos símbolos da festividade/ Foto: Gabriel Molon


Apesar de o Natal ser oficialmente no dia 25 de dezembro, no comércio e na mídia, a data chega com antecedência. Em alguns lugares, após o Dia das Crianças, em outubro, os preparativos para o Fim de Ano já começam e o espírito natalino acaba substituído pela corrida às compras.

A professora Tatiana Siciliano, do Departamento de Comunicação Social, explica que o consumo faz parte de qualquer sociedade. Atos simples como comer, se vestir, utilizar o transporte público são exemplos de práticas que envolvem o consumo. Segundo ela, toda comunidade tem atos e rituais - aniversário, páscoa, casamento, natal fundamentados por trocas. Estas poderiam ser apenas simbólicas, no entanto, a sociedade ocidental contemporânea valoriza as que têm o consumo como um dos pontos principais.

- Não existe uma sociedade sem consumo. Atualmente, essas trocas têm sido intensificadas cada vez mais de forma comercial, com uma propaganda muito forte. A felicidade parece prometida se você ganhar um presente, quer dizer, situações criadas em que produtos e serviços são promotores de uma felicidade ou integração. E acaba que certas festividades ficam esvaziadas para a emergência do consumo.

A forma pela qual a sociedade se organiza e atribui valor aos bens materiais é o que distingue o consumo do consumismo. De acordo com Tatiana, o primeiro é importante para a sobrevivência do ser humano e são adquiridos para suprir necessidades, como alimentação, lazer, abrigo, bens e serviços. Já o consumismo é um modo de vida orientado por uma constante busca destes produtos e serviços, porém visa o prazer e a sensação de pertencimento a um nicho da sociedade. Desta forma, o poder aquisitivo é um marcador que inclui ou exclui as pessoas a partir do próprio consumo.

- Quando falamos de consumismo, nos referimos a um efeito nocivo, uma patologia, em que as pessoas vivem para consumir. Além do ato de compra acentuado, o que leva a uma preocupante questão socioambiental devida alta produção e acúmulo de lixo, as pessoas esquecem o significado de festas religiosas, o Natal é um bom exemplo disso – afirma Tatiana.

Presépios relembram o nascimento de Jesus, celebrado em dezembro

O Natal é uma festa religiosa cristã, e simboliza o nascimento do menino Jesus. A preparação começa com o advento, quatro semanas antes do dia 25, que é o tempo de espera em que Ele virá uma segunda vez ao mundo, e durante este período, há a preparação para recebe-lo. Para o padre Marcos Vinicius Vieira, professor do Departamento de Teologia, a espera e a expectativa criadas gera no ser humano a solidariedade, o sentimento de partilha, culminando no espírito natalino. A descrição da sociedade atual como de indivíduos “engolidos pelo tempo” e consequentemente, da falta de sensibilidade com o próximo e consumismo desenfreado, também é citada pelo padre Marcos. Segundo ele, para haver uma mudança, é essencial resgatar o sentido do Natal.

Para o professor, o espírito natalino consiste também em uma reflexão profunda sobre nossas ações e atitudes, e esta perpassa aqueles que são excluídos na sociedade moderna, como os menos favorecidos. Por esta razão, há o aumento na participação de trabalhos voluntários nesta época.

- A partir dos testemunhos de professores envolvidos em projetos sociais voluntários, os alunos se encantam e querem se engajar. Eu particularmente tive esta experiência. Ao relatar sobre o trabalho voluntariado na paróquia São João Batista, em Rio das Pedras, alguns alunos passaram a participar também e em seguida levaram os pais para ajudarem também.

Contagiados pelo “espírito natalino”, há pessoas que aproveitam as festas de fim de ano para fazer ações de caridade, como visitar orfanatos ou asilos, doar roupas e brinquedos para crianças carentes. Uma delas é a gerente de Marketing Paula Ribeiro. Ela conta que, todo mês de dezembro, ela e uns amigos arrecadavam dinheiro e alimentos para fazer quentinhas e distribuir aos moradores de rua.

- Às vezes, na correria do dia a dia, não conseguimos ajudar quem tanto precisa ou até mesmo mobilizar muitas pessoas para a causa. Por isso, na época do Natal fica mais fácil reunir esforços em prol dos mais necessitados.

Arte de Minas Gerais para representar a sagrada Família


Uma maior frequência de visitantes nesta época do ano também é percebida pela Marilene da Conceição Neto que é missionária no Asilo Sagrados Corações de Jesus e Maria, em Vigário Geral. Ao longo do ano, idosas acolhidas pelo abrigo recebem visitas de escolas, de paróquias e de pessoas em geral que querem interagir com elas. Segundo Marilene, é o “espirito do natal que motiva as pessoas a caridade, e isso acontece de forma natural”, pois é quando Jesus está no coração do ser humano, e se manifesta ao estar com o próximo, algo muito mais importante que comprar presente.

Há alguns anos, a fotógrafa Fernanda de Oliveira participa do Natal na Cinelândia, já na 9ª edição, organizada pelos membros da Igreja Batista Betânia de Sulacap e voluntários. De acordo com ela, o grande diferencial da ação é dar, além da comida, atenção a pessoas muitas vezes invisíveis a sociedade, sentar à mesa com eles e conversar. A repercussão do encontro é grande entre os moradores de rua, pois eles de alguma forma conseguem alimento, porém serem tratados como iguais é um ponto distinto. Talvez por isso que a cada ano, o Natal na Cinelândia tem mais adeptos – tanto voluntários quanto sem teto, e inspira novos projetos realizados pela mesma igreja.

- A proposta é a gente ser da família de alguém na noite de Natal. Tudo que normalmente uma pessoa teria em casa durante a celebração desta data, nós levamos para a Cinelândia. Além de comida, nós nos apresentamos, perguntamos o nome deles, se jantou ou se quer jantar e sentamos todos à mesa. Eu, eles, meus filhos e meu marido também.

 

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