Barroso: país precisa rever sistema eleitoral
24/03/2017 16:50
Ana Clara Silva

Em aula inaugural do curso de Direito da PUC-Rio, ministro do STF afirmou que Brasil precisa "desesperadamente" rever sistema eleitoral, e que ineficiência do Direito Penal brasileiro "construiu um país de ricos delinquentes".

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, criticou o sistema político brasileiro e abordou temas polêmicos como a descriminalização da maconha, em aula inaugural do curso de Direito da PUC-Rio, na sexta-feira 20, no auditório do RDC. Para Barroso, ex-aluno da PUC-Rio, é importante que o país não tenha mais um estado policial, mas sim um estado de justiça, vendo o foro privilegiado como empecilho para isso. A seguir, os principais assuntos da fala do ministro.

CORRUPÇÃO

"Parte da elite brasileira que acha que corrupção ruim é a dos outros, não a dos amigos"

O juiz do Supremo acredita que a corrupção se tornou a maneira natural de se fazer negócios e política no Brasil, e que a elite brasileira não ajuda a mudar essa situação ao não julgar a corrupção daqueles que estão no mesmo ambiente social: “A corrupção não é do PT, do PSDB, do PMDB; ela é ruim, má, venha de onde vier”. Também fez duras críticas ao Direito Penal brasileiro, afirmando que não consegue cumprir o único papel que verdadeiramente lhe cabe, que seria o de prevenção geral para delitos.

– Eu não acho que seja através do Direito Penal e com punições que nós vamos fazer um novo país. Porém, temos um Direito Penal absolutamente ineficiente, absolutamente incapaz de punir qualquer pessoa que receba acima de cinco salários mínimos. Fez com que nós construíssemos um país de ricos delinquentes. O Ddireito Penal não conseguiu desempenhar o único papel verdadeiramente importante que lhe cabe que é o de funcionar como prevenção geral, as pessoas não cometem delitos porque elas temem ser punidas. As pessoas tomam decisões na vida em função de interesses, benefícios e riscos. Se os benefícios forem grandes e os riscos forem muito baixos, as pessoas fazem coisas erradas. E, como ninguém é punido por coisa nenhuma, as pessoas são honestas ou não se quiserem. É preciso enfrentar um tropicalismo equívoco de parte da elite brasileira que acha que corrupção ruim é a dos outros, não a dos amigos, não a daqueles com quem tenho afinidade, aqueles que frequentam o mesmo ambiente.

O ministro em aula magna na PUC. Foto: JP Araújo

FORO PRIVILEGIADO

“O sistema é feito para não funcionar”

Barroso não concorda com o formato atual do foro privilegiado. Para o ministro, o sistema herdado do regime militar torna fácil a manipulação da jurisdição nacional, fazendo com que os processos quase nunca cheguem ao fim e ponham em jogo a credibilidade do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Mas ponderou que limitar o foro pode acarretar mais problemas para a Justiça comum, que é a dos estados, pois políticos poderiam vir a ser protegidos ou perseguidos dependendo da relação com a Justiça local. Para que isso não aconteça, Barroso sugeriu a criação de uma nova vara, que seria privativa e de primeiro grau, localizada em Brasília e dedicada a cuidar dos casos criminais e de improbidade administrativa daqueles hoje contemplados pelo foro e, caso o sistema seja mudado, passem a não ser.

– O foro privilegiado prejudica o trabalho do tribunal e ameaça comprometer o prestigio do tribunal. Existem cerca de 500 processos criminais no Supremo, entre ações penais e inquéritos, quase a totalidade deles contra parlamentares. O Supremo leva um ano e meio para receber uma denúncia, enquanto um juiz de primeiro grau leva em média 48 horas, porque o procedimento no Supremo é muito mais complexo. Portanto, o sistema é feito para não funcionar, é feito para produzir prescrições, e ele produz. Claro que pontualmente alguém é punido aqui e ali, mas, desde que o Supremo passou a julgar processos criminais, em 2001, já prescreveram mais de seis dezenas de casos, porque a manipulação da jurisdição é muito fácil.

O sujeito vira deputado e o processo sobe para o Supremo; passa a ser prefeito e desce para o Tribunal de Justiça; se desincompatibiliza para concorrer a outro cargo e passa para o primeiro grau; volta a ser deputado e o processo sobe para o Supremo. Portanto, o processo sobe e desce e você não consegue que ele tenha um fim. O ideal seria uma emenda constitucional para se reduzir drasticamente o foro privilegiado, para pouquíssimas autoridades, para os chefes de poder e, talvez, também para os ministros do Supremo, apenas para evitar a incongruência de alguém ser julgado por aqueles que a decisão revê. Isso depende do Congresso, mas há uma alternativa que eu tenho proposto: foro apenas para os casos que ocorreram no período em que foram parlamentares e que tenham a ver com o exercício do caso. Se isso acontecesse, cerca de 90% dos casos de foro privilegiado perderiam esse caráter. Basta uma interpretação que diga que o foro privilegiado seja para proteger o parlamentar dos atos que pratica nesta qualidade.

O grande problema é o que colocar no lugar, porque, se reduzirmos drasticamente o foro por prerrogativa de funções e a competência passar para a Justiça comum, que é a estadual, o Supremo se livra desse abacaxi, mas a sociedade vai continuar com a sensação de impunidade, porque na Justiça estadual o político local ou vai ser protegido, ou vai ser perseguido. Portanto, a ideia que eu propus é de se criar uma vara privativa de primeiro grau, em Brasília - na verdade duas: uma para cuidar de casos criminais e outra para improbidade administrativa, com um juiz indicado pelo Supremo com mandato de quatro anos, com auxiliares e sua decisão caberá recurso ao Supremo ou STJ.

REFORMA POLÍTICA

“O país precisa de uma reforma política desesperadamente, para a política restituir o espaço que lhe cabe”

O ministro vê o sistema eleitoral como principal problema do sistema político nacional. Ele acredita que o Brasil conseguiu juntar o pior dos mundos ao, na Câmara dos Deputados, por exemplo, ter um modelo de eleição proporcional, em lista aberta e com possibilidade de coligações. Segundo o magistrado, esse modelo é caríssimo e faz com que os parlamentares busquem outras fontes de financiamento e lucro, que é onde surge um dos primeiros focos de corrupção. Outro problema visto por Barroso é o sistema proporcional, que faz com que cerca de 90% dos deputados eleitos não tenham sido diretamente eleitos pela população, o que prejudica a cobrança dos eleitores e a prestação de contas.

– O sistema eleitoral é o grande problema do Brasil em termos de sistema político. O modelo de eleição para a Câmara dos Deputados é um modelo proporcional em lista aberta e com possibilidade de coligações. É a combinação do pior dos três mundos. É um modelo caríssimo: em São Paulo, por exemplo, a eleição de um deputado federal custa até R$ 10 milhões, e ele não consegue recuperar em quatro anos de mandato o que ele gastou para se eleger. Aí está o primeiro foco do problema: esse dinheiro tem que ser buscado em outro lugar, não no trabalho. Essa é a primeira fonte de corrupção eleitoral, que vem da necessidade de cobrir esse déficit. A segunda, e talvez mais grave, é que o sistema proporcional significa que o partido fará o número de deputados de acordo com o número de votos. Na prática, menos de 10% são eleitos por votação própria, o eleitor não sabe quem elegeu. O eleitor não sabe a quem cobrar, e o parlamentar não sabe a quem prestar contas, o que explica o mais absoluto descolamento entre a classe política e a classe civil no Brasil. São mundos à parte, de modo que temos que mudar o sistema eleitoral. A ideia que está na mesa é, simplificando, que cada eleitor passe a ter dois votos, e metade da Câmara passe a ser eleita pelo voto distrital e a outra metade por voto proporcional. Cada partido terá um candidato por distrito, logo, os custos seriam menores, e nos votos proporcionais haveria uma lista pré-ordenada com os candidatos. O país precisa de uma reforma política desesperadamente, para a política restituir o espaço que lhe cabe.

Descriminalização da maconha

Barroso se declarou a favor da legalização da maconha, por acreditar que legalizar a droga é a forma mais eficiente de combater o tráfico e ajudar a conscientizar melhor a população sobre os malefícios que traz para a saúde. Para fundamentar sua posição, o ministro citou como exemplo o cigarro, que após ser melhor regulamentado registrou queda significativa de consumo entre a população adulta.

– O único resultado efetivo que a criminalização das drogas produz é assegurar o monopólio dos traficantes. O sistema político brasileiro é perverso, é injusto, ele prende muito e prende mal. Os presídios estão cheios de pessoas presas, e a maior parte não é por crimes violentos ou corrupção, mas sim por tráfico, cerca de 30% da população carcerária é ligada ao tráfico de drogas. Legalizar a posse para uso pessoal e manter a criminalização é uma incongruência, portanto a regra tem que ser a legalização. O consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim, ninguém deve achar que a defesa da legalização seja um incentivo. O papel do Estado é não incentivar o consumo, e tratar os dependentes. Portanto, legalizar a maconha é para facilitar essas três coisas.

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