Relógios que acertam os ponteiros da produção sustentável
06/04/2017 15:33
Marcelo Antonio Ferreira e Thaís Silveira

Iniciativas como os "relógios conscientes", produzidos pela Maré, empresa fundada por João Victor Azevedo, designer e professor da PUC-Rio, visam minimizar impactos no meio ambiente.

Na encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco ressalta que uma verdadeira abordagem ecológica é sempre uma abordagem social. O pontífice chama a atenção no documento para a importância de trilhar um caminho de desenvolvimento alternativo, que respeite os limites ambientais: a produção sustentável. Porém, o desafio para empreendedores ainda é grande, pois falta conscientização sobre a importância de estabelecer procedimentos.

A concepção do processo produtivo de um material é apontada como um dos caminhos para um desenvolvimento sustentável. Algumas iniciativas estão na vanguarda desse movimento. A Maré, empresa fundada por João Victor Azevedo, designer e professor da PUC-Rio, produz “relógios conscientes”. O corpo deles é todo de madeira reutilizada. Além disso, o dial (parte interna do relógio) é de papel reciclado impresso em tinta orgânica. As duas peças do produto são completamente biodegradáveis, enquanto as pulseiras podem ser de couro reutilizado, câmara de pneu de caminhão, lona ou cortiça portuguesa.

Relógios são produzidos com madeira reutilizada e papel reciclado. Foto: Fernanda P. Szuster 

A produção do empreendimento está entre o artesanal e o mecânico. A idealização é computadorizada, para dar precisão aos relógios, mas o acabamento é feito à mão, o que gera a “alma” do objeto. A operação é flexível e por demanda – o negócio ocupa apenas uma sala do Instituto Gênesis, na PUC-Rio, onde está incubado. Um dos desafios, segundo Azevedo, é arcar com uma fabricação muito cara, já que o trabalho é manual e de pouco volume.

– É um dilema desse tipo de organização (entre fabril e artesanal). Não conseguimos ter um preço que seja tão competitivo. Mas, por outro lado, as pessoas começam a entender que esse preço tem uma razão de ser.

A iniciativa surgiu do descontentamento do designer com o desperdício de madeira. Antes de fundar a Maré, Azevedo trabalhou em uma empresa de móveis e viu que as sobras, ainda utilizáveis, eram descartadas. Este novo investimento causa o menor impacto ambiental possível, por meio de um protótipo de madeira de reuso. E, graças ao alto nível de descarte do material, a oferta de matéria-prima é extensa. Atualmente, o professor e um estagiário cuidam da criação emontagem dos relógios.

Mesmo que de maneira lenta, a produção têxtil tambémse adapta a uma nova forma de fabricar os seus produtos. A professora Tatiana Messer-Rybalowski, do Departamento de Artes & Design, estuda a relação entre moda e equilíbrio ambiental e ressalta a necessidade do bom senso na hora de consumir.

– Quando se fala de sustentabilidade, há o movimento de maior reaproveito e a utilização de matérias-primas não agressivas ao ambiente. Tudo na criação tem limite. Trabalhamos com matéria-prima. Poliéster e poliamida são frutos do petróleo. O algodão só é produzido em escalas tão largas por causa do uso de agrotóxicos. Na Inglaterra, os aterros sanitários não têm mais capacidade de armazenar roupas.

Segundo Tatiana, os problemas causados pelo consumismo atingem ainda o social. E, como consequência, há exploração de mão de obra barata.

– Hoje, produzir roupa na China encareceu. A produção foi para Bangladesh. E, quando ficar caro, será procurado outro polo de pobreza. Falta a consciência de pensar. Consumo, moda e sustentabilidade. A raiz de tudo é a ética.

Atualmente, em contrapartida ao consumismo exagerado, novas marcas tentam se destacar. É o exemplo da MIG Jeans, que utiliza apenas resíduos de jeans em desuso para produção de peças originais. A MIG foi criada pelas amigas Isa Maria Rodrigues, Mayra Sallie e Luana Depp, que se conheceram durante um curso de produção de moda. Isa explica que, inicialmente, o projeto era para ser apenas um brechó de customização idealizado para uma matéria de empreendedorismo de um curso técnico. Mas, devido à afinidade entre as jovens e ao bom resultado da parceria, as três decidiram investir.

– Trabalhamos de forma circular, em que não só vendemos as peças exclusivas das coleções, mas também oferecemos serviços. Transformamos os produtos que as pessoas trazem de casa e que seriam descartáveis, como algumas com manchas. Elas também têm a opção de doar e trocar por desconto em outras peças. Esse sistema gera uma experiência sustentável para a conscientização.

As três sócias da MIG Jeans utilizam apenas resíduos de tecido em desuso para criar peças novas. Fotos de divulgação 

Outra iniciativa inovadora é a Bambutec, uma empresa de arquitetura que busca utilizar o design como ferramenta de transformação social. Os fundadores do empreendimento são os designers e ex-alunos da PUC Mario Seixas, professor do Departamento de Artes & Design, e João Bina.

Eles usam o bambu como base para os projetos, e o grande diferencial, comparado à arquitetura clássica, é a leveza das construções. Segundo Seixas, as estruturas são triangulares e retráteis, o que faz com que sejam eficientes e flexíveis.

Os dois sócios montam estandes, tendas, coberturas e galpões. Eles também oferecem o know-how para o setor de cenografia. O anfiteatro Junito Brandão, no campus da PUC, é um dos exemplos de trabalhos assinados pela Bambutec.

Seixas mostras as estruturas de bambu com formas triangulares. Foto: Fernanda P. Szuster 

A empresa surgiu de pesquisas realizadas com materiais naturais pelo Grupo de Materiais e Tecnologias Não Convencionais (GMTENC), do Departamento de Engenharia Civil, e do Laboratório de Investigação em Livre Desenho (LILD), do Departamento de Artes & Design. De acordo com Seixas, eles são, em primeiro lugar, pesquisadores em busca de novas soluções.

– A pesquisa está no nosso DNA, por isso temos esse vínculo com a PUC. Mas é preciso ganhar expressão no mercado para trazermos resultados concretos de aplicação social. O reconhecimento das pessoas retroalimenta a pesquisa. No começo dos anos 2000, um quinto da população mundial morava em casas de bambu. Ou seja, ele não é, por si só, uma novidade. Porém, ele está sendo redescoberto pela engenharia e pela arquitetura.

O trabalho é feito com bambu plantado pela própria empresa. Os diretores afirmam que o comportamento do material no ambiente é, muitas vezes, imprevisível. Por isso, o ideal é compreender todo o processo de desenvolvimento desse tipo de planta. O bambu é defumado ainda no sítio onde é colhido. Depois, recebe uma manta de algodão e uma pintura de terra crua com cola branca. Por cima disso, é aplicada resina de mamona. Essa cobertura, por sua vez, protege a planta das intempéries e, ao mesmo tempo, permite que ela respire.

Um dos grandes desafios no trabalho, segundo os diretores da empresa, é a conscientização. Para eles, o modelo de desenvolvimento de negócios hoje é predatório, de superexploração. E, observam, ainda há muito desconhecimento com relação ao bambu.

– As pessoas acham que bambu é antigo, de contexto rural. O primeiro desafio é trazer a ideia de que o ele é um material nobre e precisa ser cuidado – finaliza Bina.

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