Urnas francesas impõem revisão de programas supranacionais
26/04/2017 12:19
Fernanda Teixeira

Para a coordenadora de pós do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Carolina Moulin, emerge da eleição na França a necessidade de as instâncias supranacionais reformarem projetos comuns relativos, por exemplo, a políticas econômicas e acolhidas aos refugiados. 

O sucessor de François Hollande será conhecido só no dia 7 de maio, mas já se extraem resultados eloquentes dessa histórica eleição presidencial. Ao excluírem do segundo turno o conservador François Fillon (LR) e o socialista Benoît Hamon (PS), 40 milhões de eleitores franceses barraram, pela primeira vez, os dois partidos tradicionais. O desgaste com a representação política soma-se, observam analistas, a dois recados igualmente alinhados a ondas globais: impaciência com táticas econômicas e abertura à extrema direita. Mesmo que o centrista Emmanuel Macron vença a canditada da Frente Nacional, Marine Le Pen, como indicam as pesquisas, consuma-se a ascensão da corrente nacionalista, cujo peso parlamentar tende a crescer. O cenário embaralha o horizonte da França e da União Europeia, balançada desde a saída da Inglaterra (Brexit), no ano passado. A coordenadora de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Carolina Moulin, observa:

– A Frente Nacional e a extrema direita xenófoba e nacionalista, mesmo não vencendo as eleições, ascenderam como atores políticos relevantes. Os partidos convencionais vão ter que se repensar profundamente para tentar entender e conquistar novamente essa parcela do eleitorado. É bastante provável que a Frente Nacional consiga uma boa representação na Assembleia Nacional e que expanda a participação nas eleições regionais e municipais.

Para a especialista, as urnas francesas impõem também uma revisão dos programas supranacionais. O desafio contempla as esferas política e econômica:

– Uma questão importante dessas eleições é o impacto político nas instituições europeias. As instâncias supranacionais precisam reformar o projeto comum relativo a temas fundamentais como políticas econômicas de austeridade, que têm se mostrado insuficientes para gerar emprego e renda, e políticas de controle e acolhida dos refugiados – avalia a professora. 

Os eleitores franceses refletiram, na votação de domingo passado, as duas preocupações centrais constatadas por pesquisas ao longo da campanha: a perspectiva econômica e a confiabilidade dos políticos. Carolina observa que o desencantamento com o sistema de representação política criado pela democracia liberal, particularmente no século XX, revela-se um fenômeno global:

– Temos visto uma desilusão generalizada com o modelo democrático assentado em partidos tradicionais. Na ausência de uma resposta clara de qual seria uma alternativa ao modelo partidário, há grupos que têm ascendido e aproveitado esses espaços, muitas vezes até de forma oportunista. Há não só os partidos de extrema direita, mas também candidatos que, em outra época, seriam considerados absolutamente inadequados. Eles vêm ganhando espaço dentro de partidos tradicionais. É o caso de de Donald Trump nos Estados Unidos. A sociedade não se vê mais representada por esse Estado, que perdeu a capacidade de ser um bom gestor sócio-político em aspectos globais e locais.

Ainda de acordo com Carolina Moulin, e boa parte dos analistas, a desconfiança em representantes políticos tradicionais e em partituras econômicas que aqueçam o mercado de trabalho sustenta, em parte, o avanço da extrema direita na Europa. Por outro lado, este crescimento não esboça, ao menos na França, força suficiente para apontar um caminho semelhante à saida dos ingleses da União Europeia. Caso a derrota de Marine Le Pen se confirme, o desembarque francês (Frexit) tende a se tornar remoto. A maioria dos eleitores mostra-se mais alinhada à agenda pró-Europa pregada pelo centrista Emmanuel Macron, que, aos 39 anos, torna-se o mais jovem concorrente na corrida presidencial da França da história. O candidato diz "não ser de esquerda nem de direita". Com a retórica do “liberal com novidades”, amealha um eleitorado majoritariamente jovem, de classe alta. A ascensão de Macron é um dos sintomas da decomposição do regime político tradicional aponhtada por especialistas em relações internacionais.  

Já Marine Le Pen defende a saída da União Europeia e a volta do franco francês. Filha de Jean-Marie Le Pen, um dos fundadores do Partido de extrema direita Frente Nacional, ela responsabiliza a Europa pelos problemas econômicos da França, especialmente o desemprego. Reúne um eleitorado constituído, em boa parte, por operários desiludidos com o comunismo. Desde que sucedeu o pai na presidência da FN, em 2011, tenta dissociar a imagem do partido do antissemitismo e do fascismo, no entanto, ainda mantém forte identificação com o nacionalismo e a xenofobia.

Se por um lado Marine Le Pen construiu uma base de apoiadores nada desprezível, por outro, ela convive com uma resistência não menos expressiva entre os franceses. Ex-cônsul-geral do Brasil em Paris e ex-embaixadora na União Europeia, a diplomata aposentada Maria Celina Azevedo Rodrigues considera a rejeição a Le Pen "ainda muito forte na França". O medo de que a canditada da extrema direita chegue ao Palácio do Eliseu "fará com que muitos franceses saiam de casa para votar contra a representante da FN" no próximo dia 7, acredita a especialista:

– Grande parte dos franceses receia que Marine Le Pen seja eleita, porque ela tem a proposta de voltar a um modelo totalmente fechado para a Europa. A Frente Nacional faz um discurso fundado no medo. A motivação de muitos franceses no momento é barrar a Marine Le Pen.  O histórico da família Le Pen e do partido é preocupante. Jean-Marie Le Pen, o pai dela, disse que o Holocausto foi um mero "detalhe na história". Marine tenta dar uma nova cara à Frente Nacional, mas essa imagem não é muito convincente. Os princípios de isolacionismo e de radicalização continuam.

O isolacionismo encontra barreira também em peculiaridades culturais, sociais e históricas da França, ponderam as analistas. Maria Celina ressalta que o fortalecimento do discurso anti-Europa na França guarda diferenças com o processo observado no Reino Unido, que culminou no Brexit:

– A situação é diferente da observada no Reino Unido. Os ingleses demoraram para entrar na União Europeia, a entrada do Reino Unido foi tumultuada e adiada. Já a França é uma das fundadoras da Comunidade Europeia, viveu a guerra de perto, dentro de seu território, enquanto os ingleses viveram a guerra por meio de bombardeios em Londres, mas não foram fisicamente ocupados pelo inimigo, como a França. Há uma diferença real, um trauma que não se recupera facilmente na França. Os franceses já viram isso no século passado e têm muito medo da Marine Le Pen. Além disso a força da França fora da Europa é pequena. A França isolada não tem um peso tão grande na geopolítica e na economia mundial.

A professora Carolina Moulin, da PUC-Rio, acrescenta:

– Os franceses ainda não estão preparados para uma virada como foi feito no Reino Unido. Essa agenda anti-União Europeia é mais difícil de ser sustentada na França do que no Reino Unido. É impossível a França não ser Europa. Há uma questão histórica ligada à Segunda Guerra, diferente da história britânica. Houve uma refundação da nação francesa no pós-Guerra, de retomada dos valores, acompanhada de um movimento de descolonização. A descolonização que marcou a França na segunda metade do século XX também é um ponto de tensão com a extrema direita.

Embora as pesquisas projetem vantagem relativamente folgada de Macron, uma eventual vitória da Frente Nacional não pode ser descartada. A esquerda radical, que votou em Jean-Luc Mélenchon, simpatiza com o discurso anti-Europa e de objeção aos banqueiros de Marine Le Pen. Já a direita conservadora, que votou em François Fillon, se identifica com os “valores tradicionais” defendidos pela candidata.

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