Analistas: destinos da França e da União Europeia dependem de alianças
19/05/2017 17:34
Fernanda Teixeira

Coordenadora de pós do Instituto de Relações Internacionais da PUC, Carolina Moulin, aponta que Macron terá de construir sólida base legislativa para governar uma França dividida e insatisfeita. Consolidação do projeto europeu exige alinhamento com alemães.

A esperada vitória de Emmanuel Macron, com 66% dos votos válidos no segundo turno das urnas francesas, dissipou temores de um governo ultranacionalista e antieuropeu, bandeiras da adversária Marine Le Pen, da Frente Nacional. Mas o triunfo do centrista de 39 anos, fundador do movimento Em Marcha e agora o mais jovem presidente da França, depende de alianças internas e externas para consumar-se em horizontes unificadores, alertam analistas.

O desafio de gerir um país dividido – como atestam a alta abstenção das eleições de domingo passado e o avanço da extrema-direita de Le Pen entre os insatisfeitos com o desemprego, o terrorismo e a globalização – impõe ao novo mandatário a costura de coalizões decisivas tanto na frente doméstica, com a indicação do primeiro-ministro e a composição dos ministérios alinhadas aos aos resultados das eleições legislativas, em junho, quanto no front internacional, com um fortalecimento da relação franco-alemã. Assim avaliam especialistas como a coordenadora de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Carolina Moulin. Ele condiciona o êxito do governo de Macron à habilidade de construir uma base de apio parlamentar:

–  Emmanuel Macron terá de costurar acordos com os insatisfeitos da esquerda e da direita, especialmente pela proximidade das eleições para a Assembleia Legislativa. O sucesso dele depende da composição do Congresso. Se o novo presidente construir uma pauta de reformas liberais, como grande parte dos conservadores deseja, é provável que consiga trazer para a sua base de apoio uma parte dos congressistas. O êxito deste movimento está condicionado à capacidade de Macron produzir um cronograma de reformas políticas que agrade ao amplo e diverso ambiente político – observa.

Ainda de acordo com a professora da PUC-Rio, Macron terá de superar a onda de desconfiança com a representação política tradicional:

–  O alto número de abstenções indica a descrença nos partidos tradicionais. Ambas as opções no segundo turno eram conservadoras, embora em diferentes medidas. As abstenções decorreram, em parte, da esquerda que se recusou a votar no En Marche e quis dar o recado de que não iria apoiar este governo. É um desafio enorme para Macron, que vendeu um programa conservador mas reformista, um liberalismo mais ortodoxo. Ele terá que, em alguma medida, conquistar o centro conservador.

Considerado, há menos de um ano, azarão na corrida presidencial, o presidente recém-eleito confronta-se com a necessidade de dar uma resposta à França cansada da política hegemônica dos tradicionais partidos de esquerda e direita. Para a ex-cônsul-geral do Brasil em Paris e ex-embaixadora na União Europeia Maria Celina Azevedo Rodrigues, “o principal problema de Macron é não ter um partido”. Também na avaliação dela, a capacidade de o novo mandatário francês governar e aprovar as propostas de campanha depende da habilidade em construir maioria parlamentar e contemplar anseios da parcela nada desprezível da população exaurida com as ordoxias político-partidárias:

– O que se viu nessas eleições foi a rejeição da política tradicional e dos partidos tradicionais. A abstenção foi grande e a não-obrigatoriedade do voto chegou a ser questionada. Macron vai ser aquilo que ele conseguir vender como ideia para as eleiçõe legislativas de junho. Um problema de Macron é não ter partido: nem esquerda, nem direita. Seu governo vai depender de um programa em que integrantes de partidos tradicionais possam apoiá-lo em votações importantes – condiciona a especialista – A escolha do seu primeiro-ministro também se mostra fundamental para isso, ao lado do gabinete e da escolha dos ministérios. A montagem do governo será decisiva.

Cerca de 40 milhões de eleitores franceses barraram, pela primeira vez, os dois partidos tradicionais do segundo turno. O desgaste com a representação política soma-se, observam as analistas, a dois recados igualmente afinados a ondas globais: impaciência com táticas econômicas e abertura à extrema direita. Apesar da vitória de Emmanuel Macron sobre a candidata da Frente Nacional, cristaliza-se a ascensão da corrente nacionalista, cujo peso parlamentar tende a crescer. A professora Carolina Moulin ressalta:

– Marine Le Pen ganhou mas não levou. Foi uma vitória para a Frente Nacional, que jamais teve tamanha importância em uma campanha como agora. Um partido de extrema-direita com tanta projeção e tanta força em uma campanha eleitoral, em um país enorme e central para o projeto europeu, é algo muito expressivo. Estamos falando de um dos fundadores da Comunidade Europeia, berço da democracia, dos direitos humanos, da laicidade do Estado e dos valores republicanos para as democracias ocidentais. Todo esse processo representa uma vitória enorme para a extrema-direita francesa. A Frente Nacional e a extrema-direita xenófoba e nacionalista, mesmo não vencendo as eleições, ascenderam como atores políticos relevantes.

Para Maria Celina, os resultados expressivos de Le Pen podem influenciar as eleições legislativas e o futuro do novo presidente:

– O futuro de Macron não depende apenas das escolhas dele, mas do resultado das eleições legislativas – reitera –Marine Le Pen vai procurar eleger o máximo de deputados. Ela ganhou muita força nessas eleições. Quase 35% do eleitorado é um resultado nada desprezível, pelo contrário. A Frente Nacional de Marine Le Pen aparece como elemento novo na oposição.

O cenário embaralha o horizonte da França e da União Europeia, balançada desde a saída da Inglaterra (Brexit), no ano passado. Para a professora da PUC-Rio, as urnas francesas impõem também uma revisão dos programas supranacionais. O desafio contempla as esferas política e econômica:

– Uma questão importante dessas eleições é o impacto político nas instituições europeias. As instâncias supranacionais precisam reformar o projeto comum relativo a temas fundamentais como políticas econômicas de austeridade, que têm se mostrado insuficientes para gerar emprego e renda, e políticas de controle e acolhida dos refugiados – avalia.

Os eleitores franceses refletiram, nas urnas, as duas preocupações centrais constatadas por pesquisas ao longo da campanha: a perspectiva econômica e a confiabilidade dos políticos. Carolina Moulin pondera que o desencantamento com o sistema de representação política criado pela democracia liberal, particularmente no século XX, revela-se um fenômeno global:

– Temos visto uma desilusão generalizada com o modelo democrático assentado em partidos tradicionais. Na ausência de uma resposta clara de qual seria uma alternativa ao modelo partidário, há grupos que têm ascendido e aproveitado esses espaços, muitas vezes até de forma oportunista. Há não só os partidos de extrema direita, mas também candidatos que, em outra época, seriam considerados absolutamente inadequados. Eles vêm ganhando espaço dentro de partidos tradicionais. É o caso de de Donald Trump nos Estados Unidos. A sociedade não se vê mais representada por esse Estado, que perdeu a capacidade de ser um bom gestor sócio-político em aspectos globais e locais.

Ainda de acordo com a coordenadora de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, e boa parte dos analistas, a desconfiança em representantes políticos tradicionais e em partituras econômicas que aqueçam o mercado de trabalho sustenta, em parte, o avanço da extrema direita na Europa. Por outro lado, este crescimento não esboça, ao menos na França, força suficiente para apontar um caminho semelhante à saída dos ingleses da União Europeia. A ascensão de Macron é um dos sintomas da decomposição do regime político tradicional apontada por especialistas em relações internacionais.

Caso construa uma sólida base parlamentar e encaminhe uma delicada unidade nacional, Emmanuel Macron pode pavimentar o fortalecimento da União Europeia e uma maior autonomia da França na reorganização de acordos econômicos e políticos no bloco, diante da saída do Reino Unido. Para isso, acreditam os analistas, revela-se ainda mais estratégica a relação França-Alemanha, alicerces na gênese da União Europeia em 1999. "Acordos sólidos e políticas alinhadas" serão essenciais ao seguimento ao projeto Europeu, reforça Carolina. Noutras palavras, Macron enfrenta a dura missão de conciliar as agendas doméstica e regional:

– A relação França-Alemanha não é apenas algo protocolar. É estratégico que França e Alemanha estejam alinhadas. Não é uma relação simples, a Alemanha tem pontos de vista muito diferentes da França, inclusive quanto às questões trabalhistas e previdenciárias. No atual contexto, com a negociação da saída do Reino Unido da União Europeia, com movimentos anti-Europa em alguns países, França e Alemanha terão de articular um acordo bem sólido e um programa comum minimamente harmônico para tentarem dar conta desses desafios. Do contrário, tornam-se grandes as chances de Macron começar a ter logo no início do mandato índices de desaprovação – avalia a professora da PUC-Rio – Já vimos o desgaste do Partido Socialista com [o presidente francês, François] Hollande. O desgaste do presidente afeta a própria posição do país nas políticas regionais. É preciso que Macron consiga aliar a agenda doméstica com a agenda regional. Para isso, ele precisa andar de mãos dadas com a Alemanha. [A chanceler alemã] Angela Merkel também tem suas próprias dificuldades internas: uma parte significativa da população alemã não aprova o programa de abertura aos refugiados. O cenário político alemão é complexo, embora não tenha chegado ao extremo da França, talvez pela memória ainda muito forte do nazismo. Há hoje na Alemanha bolsões fortemente marcados pelo extremismo. O jogo de cintura que estes dois líderes (Macron e Merkel) devem ter a partir de agora não é algo simples, mas é fundamental.

Maria Celina acrescenta:

– França e Alemanha são as bases da União Europeia e, de certo modo, têm uma história em comum. A afinidade franco-alemã pode se dar em maior ou menor grau de acordo com as relações pessoais. Macron e Merkel devem se entender bem, até porque Merkel precisa do apoio de Macron para as próximas eleições na Alemanha, em setembro.

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