Repertório para uma coletividade
30/05/2017 16:32
Marcelo Antonio Ferreira

Estudantes exercem funções diferentes em espetáculos montados no campus. Integração do grupo no palco e nos bastidores é essencial. 

No espetáculo ‘ANÁNKÊ’ os atores se espalham por toda a área externa do Laboratório de Artes Cênicas (LAC), em colagem de diferentes autores. Foto: Alexandre Brautigam

O Curso de Artes Cênicas apresenta, entre os meses de maio e julho, o Projeto Repertório, composto por três peças teatrais que ocorrem em diferentes ambientes do campus. O projeto foi idealizado, assim como todos os espetáculos são dirigidos, pela coordenadora do curso, professora Ana Kfouri, e são remontagens de textos que ela criou com os alunos em períodos anteriores. Toda a produção é de responsabilidade dos estudantes envolvidos, que também assinam a dramaturgia.

A primeira, Obsessões, ocorre no Laboratório de Artes Cênicas (LAC) e adapta textos de Nelson Rodrigues. Já ANÁNKÊ é ambientada na área externa do LAC e traz textos de diversos autores como Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Fernanda Young. Os textos da dramaturga Hilda Hilst serviram de inspiração para a montagem de Boca de Miséria, cuja Vila dos Diretórios serve como cenário.

A criação do projeto ocorreu quando Ana percebeu que já havia trabalhos significativos desenvolvidos com os alunos nos semestres anteriores. Ela considerou que seria uma excelente oportunidade, durante a graduação, de os estudantes vivenciarem a experiência de três espetáculos em cartaz durante dois meses.

– No segundo semestre de 2015, meu primeiro semestre aqui, lecionei a disciplina atuação. Minha pesquisa é em torno da relação palavra e corpo, palavra e espaço e, principalmente, a palavra entendida como campo de forças, potência e não como mensagem. Escolhi Nelson Rodrigues, pois ele aborda muito mais o sentido trágico, o campo intensivo e não intencional, aspecto necessário para meu trabalho. E, devido a entrega deles, surgiu o Obsessões.

A presença dos alunos é integral. O projeto começa bem antes de eles entrarem em cena. Toda a iluminação, customização e burocracia relativa ao uso dos espaços são de responsabilidade dos estudantes. E, de acordo com Ana, a coletividade foi um fator imprescindível para a realização.

– Eles estão sempre envolvidos. Há alunos que têm mais aptidão para produção, iluminação, design. O projeto estimula muito um senso do coletivo. As pessoas que estão produzindo, gostam de produzir. Elas têm o prazer da realização, do fazer diário, e aprendem, desde já, a lidar com as diferenças. O fazer diário estimula a atuação deles em vários setores das artes cênicas. Todos assinam a dramaturgia. Eles leem, selecionam trechos, estudam, e, aos poucos, constroem o roteiro dramatúrgico como um todo, com a minha supervisão, mas isto é um avanço muito grande.

As escolhas de como cada um viria a se envolver veio de maneira gradativa. Os grupos não se limitam a só uma peça, mas se envolvem com o projeto inteiro. Abílio Sanz é aluno do 6º período do curso e ator em Obsessões e Boca de Miséria. Ele conta que todos criaram uma relação profissional com a proposta.

– O Repertório está trazendo para a gente uma construção de teatro mesmo. Como grupo, construímos e caminhamos juntos, como um coletivo, o que influencia no resultado final. Mostra para gente o quanto isso está em falta lá fora, do teatro como coletivo. Todos estão completamente inteirados no processo. Seja na atuação, na iluminação ou na ambientação.

Em ‘Boca de Miséria’, alunos ocupam várias partes da Vila dos Diretórios. Foto: Alexandre Brautigam

Jean Alves Albuquerque e Ana Paula Rolón são alunos do 3º e 5º período, respectivamente, e atuam, não só no palco, mas também nos bastidores. Além de atores, ambos são assistentes de iluminação e de produção. Ana Paula observa que conhecer um pouco de cada processo é enriquecedor para o ator, pois, ao entrar em cena, ele tem mais noção do que deve fazer no palco. Albuquerque conta que, atrás das cortinas, eles desenvolvem diferentes aptidões.

– É muito importante participar não só da cena. A gente aprende a produzir e a se produzir. Foi bem espontâneo. Com o projeto, a gente ganha não só como atores, mas como pessoas e artistas. E os atores também participam da iluminação, pois nem todas as luzes estão conectadas à mesa de luz. É um trabalho totalmente coletivo, um depende do outro.

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