Ricardo Lísias fala sobre 'Diário da cadeia'
31/05/2017 09:35
Helena Carmona

No encontro Resenha de Bolso, o escritor fala sobre o livro que escreveu sob o pseudônimo de Eduardo Cunha e lamenta a postura do Judiciário em relação à produção artística no país.

Obra de ficção escrita em forma de diário pessoal sob o pseudônimo de Eduardo Cunha, Diário de cadeia (Record, 2017) teve a venda e distribuição temporariamente proibidas por uma liminar e um mandado de segurança obtidos na Justiça pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados. Cunha, um dos principais personagens da atual crise política brasileira, alegou que o uso do pseudônimo era “uma estratégia comercial ardil e inescrupulosa”. O argumento foi refutado pelo verdadeiro autor, o escritor Ricardo Lísias, que conseguiu na Justiça a liberação da obra dias depois. Em encontro na PUC-Rio, Lísias afirmou que sua obra foi a "primeira literatura ficcional a ser censurada no Brasil desde o fim da ditadura militar", e lamentou que Cunha tenha, mesmo que por pouco tempo, impedido a venda do livro, que ganhou a palavra "pseudônimo na capa: “Em qualquer país sério, uma liminar pedindo censura jamais seria concedida”.

— É uma produção artística, uma obra de ficção. Artistas podem ter de pagar indenizações em alguns países, como a França. Mas não é comum censurar livros. Em países com direitos individuais fortalecidos, como os Estados Unidos, a Inglaterra ou a Alemanha, o artista jamais perderia uma causa dessas.

Autor de outros livros nos quais mistura realidade e ficção, como Divórcio (Alfaguara, 2013) e A vista particular (Alfaguara, 2016), Lísias explica que Diário de cadeia começou como uma brincadeira, depois de o ex-presidente da Câmara, preso desde outubro de 2016, declarar que escreveria um livro sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo o escritor, a intenção não era de publicar a obra.

— O livro surgiu como uma brincadeira para treinar redação. Eduardo Cunha estava espalhando para Deus e o mundo que estava escrevendo um livro: Impeachment. Eu achei engraçado e fui pesquisando e escrevendo de forma descompromissada. Houve notícias de que ele tinha levado [para a prisão] muitos papéis em branco, então comecei a escrever uma espécie de diário. Conforme fui escrevendo, achei que aquilo poderia interessar a alguém e decidi publicar de maneira anônima, sobre o pseudônimo de Eduardo Cunha.

Diário de cadeia teria sido parte de uma coleção intitulada Pseudoliteratura, escrita por autores que utilizariam nomes de políticos envolvidos na crise política pela qual o país passa. Pronto, o livro estava sendo distribuído quando Cunha entrou com uma liminar exigindo não só a retirada do mercado como também quatro indenizações, todas deferidas pela juíza de primeira instância.

Foi então que o autor teve seu anonimato ameaçado. Ele tinha 15 dias para entrar com um recurso e, caso perdesse, teria que expor sua identidade. Se deixasse o prazo expirar, pagaria multa de R$ 400 mil por dia que passasse sem revelar o nome publicamente. Com receio de não vencer o embate judicial, a editora entregou um documento reservado – mas não secreto – à Justiça em que constava o nome de Ricardo. Jornalistas da Folha de S.Paulo, no entanto, monitoravam o processo (que era público) e publicaram a informação na coluna Painel das Letras.

Alguns dias depois, a editora ganhou em segunda instância, o livro foi liberado e o pseudônimo, mantido na capa do livro, embora a identidade de Ricardo já houvesse sido revelada. Cunha ainda recorreu ao STF, que decidiu em favor da editora e do autor. Lísias lamentou que a judicialização tenha atrapalhado o projeto: "Os veículos, as livrarias têm medo de falar sobre o livro, mesmo depois de ter sido liberado. Além disso, o conceito da minha coleção Pseudoliteratura foi destruído".

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