Sandro Vox, um fotojornalista em constante reinvenção profissional
23/06/2017 16:28
Paula Ferro Freitas

Colaborador do jornal O Dia e formado no curso Cinema, Criação e Pensamento da PUC-Rio, Sandro Vox fala do documentário que está prestes a lançar e de ensaio fotográfico sobre lazer em favelas, realidade que conhece por experiência própria.

Fotógrafo Sandro Vox Foto: Matheus Aguiar

Quando um fato importante acontece, hoje o primeiro movimento das pessoas é puxar o celular para registrar. O repórter fotográfico Sandro Vox enxerga nesse ato o principal desafio para os profissionais do fotojornalismo, que, além da adrenalina, da correria, da apreensão e dos riscos próprios da carreira, hoje enfrentam a rapidez de divulgação das imagens amadoras produzidas com smartphones. Para Sandro Vox, embora o futuro da área ainda seja incerto, é preciso que o profissional esteja em constante processo de reinvenção. Ele dividiu as experiências de carreira em encontro organizado pelo professor de Fotojornalismo Weiler Filho.

– Estamos nos reinventando na fotografia, pois o mercado de trabalho está muito ruim, principalmente com esse grande vilão que é o celular. Todo mundo hoje tem Whatsapp, então os acontecimentos correm muito rápido. Até o fotógrafo que tem equipamento pesado, caríssimo, fotografar, botar no computador e fazer a legenda, já virou notícia há muito tempo.

O caminho que Sandro encontrou para a reinvenção foi o intercâmbio com a área documental. Já com dois trabalhos em produção, Chão de barro e Um passinho para três destinos, ele utiliza o olhar de repórter para produzir fotografias que se destaquem.

– Como as oportunidades estão complicadas, preciso pensar o diferente. Não adianta fazer mais do mesmo. Precisamos ser o melhor de nós mesmos. Até em situações agitadas, como protestos, é preciso respirar em meio ao caos para conseguir captar o melhor ângulo.

Chão de barro é um ensaio sobre o lazer em comunidades carentes. Ao registrar crianças praticando brincadeiras simples, como bola de gude, Sandro critica a falta de estrutura e de acesso à cultura.

– Por que aquelas crianças precisam brincar numa vala? Por que elas não têm um campinho ou uma área adequada? — indaga.

O documentário Um passinho para três destinos, ainda no processo de edição, é a sua estreia no cinema documental. O filme retrata a vida de três jovens de Vila Valqueire, na Zona Oeste do Rio, que sonham com o reconhecimento por meio da dança do passinho.

Nascido no bairro de Acari, Zona Norte do Rio, Sandro desde cedo tinha vontade de registrar o que acontecia na comunidade, mas temia, por ser morador, ser considerado um delator, um “X9”. Seu início na fotografia aconteceu através de eventos como casamentos e festas de 15 anos. A vontade de retratar o cotidiano sempre esteve presente e por isso ele começou a correr atrás das cenas. A grande oportunidade veio durante o incêndio em um casarão na Avenida Passos, no Centro, com o qual deparou por acaso, capturando tudo desde o início. Foi sua estreia na primeira página do jornal O Dia. A partir desse dia Sandro Vox se tornou colaborador da Agência/Jornal O Dia, publicação que sempre idolatrou.

A profissão, por mostrar a realidade dura do cotidiano, gera incômodos em muita gente. “Já fui chamado de inimigo do povo. Na verdade, estou ali só para registrar”, justificou. Além disso, a cobertura de fatos conturbados pode pôr em risco a integridade do profissional. Lembrando o caso do jornalista Tim Lopes, morto por traficantes durante uma reportagem investigativa, Sandro afirmou que, embora as empresas tenham reforçado as precauções, o profissional sempre está vulnerável. Esse perigo é ilustrado pela posição do Brasil no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2016, feito pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O país dividiu o quarto lugar em assassinatos de jornalistas com o Iraque, com quatro casos. 

Sandro Vox, colaborador do jornal O Dia, respondeu algumas questões do Jornal da PUC

Jornal da PUC: Como fica a relação entre os lados profissional e emocional no momento de fotografar? Em situações críticas, como enchentes, há o momento de parar e ajudar?

Sandro Vox: Como morador de uma região que era castigada por enchentes, passei muitos momentos da minha vida embaixo d’água. Quando o Rio Acari tramsbordava, a água chegava na nossa cintura e a gente ficava dentro de casa segurando as coisas. Tenho o fotojornalismo como algo além de profissional, humanitário. Sempre pensei que fotografar um problema da minha região seria uma forma de denunciar, reclamar ou reivindicar alguma situação que não está sendo resolvida. Essa ajuda eu já faço há muito tempo. Nós éramos muito solidários, principalmente na questão das chuvas de verão, porque inundavam nosso bairro. Tenho esse projeto Chão de barro, uma forma de mostrar que é tão simples se divertir hoje em dia com brinquedos que custam um real. Por trás desse meu trabalho, há a vontade de fazer uma denúncia. Por que em certas regiões a criança que está jogando bola não tem uma pracinha para brincar? São coisas simples, fáceis para os nossos governantes. Parte do meu trabalho não é só mostrar a beleza do menino soltando pipa, mas reclamar, fazer um apelo. Existem formas mais simples de se divertir do que tecnologias avançadas, caríssimas.

Jornal da PUC: A que você atribui o sucesso das suas fotos?

Sandro Vox: Eu atribuo isso à minha humildade. Faço um trabalho de formiguinha. Comecei a fazer fotojornalismo em 2008, já se vão quase 10 anos. Então, de lá para cá, fiz sempre o meu trabalho e tentei ser melhor que eu mesmo. Enquanto isso, ia me espelhando nos grandes fotojornalistas. Tenho como ídolo o Severino Silva, que tem as melhores fotografias de conflito urbano. Ele tem um trabalho documental muito importante, reconhecido no Brasil inteiro. Então, sempre busquei melhorar, com humildade e respeitando, porque também sou um humano, um pobre. Eu vim de uma classe muito baixa, então sei entrar numa favela e fotografar, sei como fazer um velório, porque tenho respeito ao que está acontecendo. Atribuo isso à minha humildade e ao respeito ao próximo.

Jornal da PUC: Qual o caminho você enxerga para o futuro do fotojornalismo?

Sandro Vox: Não sei ao certo, mas já estou me reinventando. Tanto eu como Carlos Junior. Somos amigos há muito tempo e pintou essa ideia dele de fazer um documental. Nós estamos fazendo documentários fotográficos e audiovisuais também. No ano retrasado ganhei um curso de Cinema Documental aqui na PUC [Cinema Criação e Pensamento, oferecido pelo Núcleo de Comunicação Comunitária]. Nesse curso eu tive coragem para fazer o filme Um passinho para três destinos, e agora estamos fazendo outro, que conta a história do jongo e de quilombolas em Arrozal, no Piraí. Não sei ao certo o destino, mas já estou buscando me reinventar e mudar essa forma de trabalho, porque o fotojornalismo está perdendo espaço numa velocidade muito grande. Em jornais estão acontecendo muitas demissões em massa, no país e no mundo.

Jornal da PUC: Onde o documentário Chão de barro pode ser encontrado?

Sandro Vox: Tenho uma página no Facebook chamada Chão de barro e ele também está no meu site. É um trabalho que ainda estou elaborando porque fotografei muitos meninos, então quero fazer mais fotos de meninas. Tem muita brincadeira de menina que não consegui fotografar. É muito difícil chegar com a câmera num determinado local, agachar e fazer a foto de uma criança. Aí o pai vê, pode gerar um problema. Por isso, muitas das minhas fotos são no pôr do sol, para mostrar a beleza daquele acontecimento.

Jornal da PUC: E Um passinho para três destinos, quando deve ser lançado?

Sandro Vox: Pode ser lançado para o fim do ano, porque já está na metade da edição. Ele conta a história de três jovens dançarinos do Morro do Coqueiro, em Vila Valqueire. Foi filmado em várias favelas diferentes, onde eles praticam o passinho. Também tem cenas de uma batalha (do passinho) que eles participaram na favela do Fumacê. O sonho dos meninos é o reconhecimento pela dança e poder influenciar outros jovens e crianças, para afastá-los do mal que às vezes é posto em áreas carentes.

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