Especialistas e bispos debatem ética socioambiental no Rio
27/07/2017 15:11
Natália Oliveira

No II Congresso Internacional Laudato Si & Grandes Cidades, Reitor defende o direito à água. Diretora da OMS sugere investimentos em energia limpa. 

O crescimento das grandes cidades em número e em tamanho — só no Brasil, 80% da população vivem em zonas urbanas — impõe discussões profundas sobre os impactos na água, no ar, nos resíduos. A estes esforços se integraram os especialistas da área socioambiental e os bispos reunidos, semana passada, no II Congresso Internacional de Ecologia e Grandes Cidades. Um dos pontos centrais da série de debates refere-se à necessidade de aprofundar as reflexões éticas sobre a natureza, apresentadas na encíclica do Papa Francisco. O alerta foi feito pelo Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J.. Ele reforçou, no encontro organizado pela Fundação Antonio Gaudi com o apoio da Arquidiocese do Rio, a importância de preservação dos "pilares da vida humana". 

Padre Josafá, autor de livros como A flora do campus da PUC-Rio e Ética socioambiental, reafirmou o papel da encíclica do Papa Francisco Louvado sejas (Laudato si', em latim), apresentada em maio de 2015, para aproximar a fé cristã dos "cuidados com a casa comum". O reitor aponta quatro reflexões éticas acerca das "riquezas hídricas" para serem discutidas em sociedade. O primeiro ponto remete ao aumento do nível de consumo da água. Segundo o relatório Global Environmental Outlook (Perspectiva Ambiental Global), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o crescimento populacional associado à rápida urbanização, os altos índices de consumo e a desertificação de várias regiões representam uma ameaça à disponibilidade de água.

(Leia também: Padre Josafá: “Precisamos ver a espiritualidade nos biomas”)

Padre Josafá discute a questão da ética sobre a água. Foto: Lucas Simões

De acordo com estudo da ONU, o crescimento desordenado das grandes cidades compromete os recursos hídricos e, consequentemente, a agricultura. Um terreno fértil à fome, entre outros desdobramentos drásticos. Fora impactos socioeconômicos, a dificuldade de acesso à água pode gerar conflitos mundiais, argumenta padre Josafá:

— Uma das questões relevantes é a disponibilidade da água na sociedade. Há populações que ainda não possuem acesso à água potável, sendo uma um bem universal. Outra questão é o consumo hídrico excessivo pela agricultura, pela indústria e pela população. O papa Francisco está certíssimo quando chamou essa questão de "conflito mundial", porque, se não houver medidas mitigadoras, haverá escassez de água e originará uma luta por ela.

Outra questão igualmente nevrálgica, acrescenta o autor de mais de 50 artigos científicos e de 13 livros sobre o meio ambiente, está associada à privatização da água. Segundo a doutrina católica, a água é um bem de direito universal e, assim, não deve ser comercializada em largas proporções, como se observa no varejo. Para padre Josafá, esses excessos indicam a falta de uma visão ética acerca da exploração comercial e do uso indevido das águas emergenciais.

(Leia também: Dom Orani: 'Ambição supera a preocupação com o clima')

Padre Josafá reflete sobre a encíclica do Papa Francisco. Foto: Lucas Simões

— A questão é: podemos privatizar um bem comum? Levantamos aí uma questão ética. É importante discuti-la, porque o controle da água está em poucas mãos, tornando-se um desafio para todos nós.

Padre Josafá ressalta, também, a necessidade de dirimir "uma visão economicista" da água:

— Ver a água só com o cifrão não é o caminho. O Papa aborda essa questão na encíclica, e está na lei que a água é um bem de caráter universal. Isso também não é uma questão só do Brasil. Tem proporções mundiais.

A diretora da OMS, Maria Neiva, alerta sobre as malezas do ar poluído na saúde. Foto: Lucas Simões

Diretora da OMS compara ar poluído a assassino invisível

Os caminhos para melhorar a qualidade do ar também foram debatidos no congresso. Segundo estudo recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 3,8 milhões de pessoas morrem anualmente por doenças originadas pela poluição do ar. A diretora da OMS Maria Neira, integrante da Real da Academia de Medicina Astúrias, compara o ar poluído a um “assassino invisível”:

— Ele atua da pior maneira. Tem causado um aumento nas doenças respiratórias, neurológicas e cardiovasculares. Segundo os estudos da OMS, houve um crescimento de 36% em câncer no pulmão, 34% em AVC (derrame cerebral) e 27% em infartos. Não ver a poluição como um problema grave é negligenciar essa questão que afeta a saúde de todos — alerta.

Ainda de acordo com a especialista, crianças revelam-se as principais vítimas do ar poluído. Tendem a herdar um mundo com poluição do ar excessiva e com falta de recursos hídricos limpos. "O problema global exige uma solução global", diz Neira. Ela propõe investimentos prioritários em energia limpa, transporte público, gestão de resíduo e planejamento urbano. No entanto, "antes é preciso querer mudar", ressalva:

— Não basta conhecer o problema e perceber a necessidade de mudar, se os comportamentos continuarem os mesmos. Não são necessárias grandes ações. Evitar o uso de combustível fóssil e incentivar o plantio de árvores são gestos simples, por exemplo, mas já com grande impacto para as gerações futuras.

Pedro Oyola aposta no uso mais incisivo das tecnologias para medir o ar poluído. Foto: Lucas Simões

Já o ambientalista Pedro Oyola, diretor do Centro Mario Molina, especializado em soluções para melhorar o bem-estar social, os esforços ambientais têm de ser mais amplos. Não devem, segundo ele, ficar restritos ao aquecimento global:

— Usamos aparelhos como geladeira e ar-condicionado, que ainda emitem [gás] CFC. Fazemos isso para nos refrescarmos e, ao mesmo tempo, estamos aquecendo cada vez mais o planeta. Então, acho que fica mais claro pensar em esfriamento global, porque é o que nós colocamos em prática.

Oyola incentiva o uso de recursos para medir a qualidade do ar, como os Harvard Impactors, tecnologia desenvolvida pela universidade americana de Harvard para analisar as quantidades de amostras de poluição para estudos toxicológicos e químicos. Ele recomenda análises menos abrangentes e mais específicas:

— Medir o ar de uma cidade inteira, como Santiago, e não de cada bairro, pode gerar resultados imprecisos. A leitura do ar deve ser feita de forma cirúrgica.

(Leia também: Inter-religiosidade constrói pontes para agenda socioambiental)

Para encerar o segundo dia da II Conferência Internacional “Laudato Si’ e Grandes Cidades”, padre Josafá realizou uma visita guiada ao Jardim Botânico com alguns dos participantes. O Cardeal Sistach, Dom Marcelo Sorondo, Dom Joel, Pe. Roberto Baró, Cônego Manuel Manangão, Pe. Thiago Humelino e Cardeal Odilo Scherer puderam conhecer detalhadamente o Jardim, que funciona como um significativo instituto de pesquisa, e é considerado patrimônio nacional e reserva da biosfera da Mata Atlântica pela Unesco. 

 

Foto: Matheus Aguiar

Padre Josafá, que também é biólogo, iniciou o passeio contando a história do local, que tem mais de 200 anos, e é o Jardim Botânico mais antigo do Brasil. Ele contou que Dom João VI, na época ainda príncipe regente, fez de lá um local para tentar adaptar sementes de outros lugares do mundo ao nosso clima tropical. São 540 mil m² de área cultivada por mais de 3.400 espécies diferentes de plantas vindas do mundo todo.

 

Foto: Matheus Aguiar

Depois da introdução histórica, seguiram para o Jardim Sensorial, um espaço que oferece um conjunto de plantas com diversas texturas e aromas, posicionadas ali para aguçarem os sentidos, principalmente o tato e o olfato. “É educação ambiental através dos sentidos. Quem não pode enxergar pode tocar, cheirar e sentir. São cinco sentidos e múltiplas sensações”, afirmou Pe. Josafá.

 

Foto: Matheus Aguiar

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