Combate à obesidade infantil exige também zelo ao afeto alimentar
21/09/2017 13:18
Helena Carmona e Paula Ferro Freitas

Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza, a psicóloga Joana Vilhena de Novaes alerta, em simpósio internacional na Universidade, alerta que reeducação alimentar deve resguardar elo alimento-amor nas famílias.

A obesidade infantil atinge, no Brasil, mais de 7% das crianças menores de 5 anos, estima o Ministério da Saúde – um aumento de quase 80% desde 2008. Para o ministro da Saúde, Ricardo Barros, o avanço deve-se, em parte, “ao fato de que hoje as mães não ficam em casa, e as crianças não têm oportunidade, como tinham antigamente, de acompanhar a mãe nas tarefas diárias de preparação dos alimentos”. A justificativa, feita em março, tem gerado controvérsia entre especalistas da área em saúde, como a coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza, braço do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS) da PUC-Rio, Joana Vilhena de Novaes. Ela questionou, no 1º Simpósio Internacional de Corpo, Imagem e Tecnologia, em agosto, “o quão ético é culpabilizar mães pelo problema”, uma vez que há uma forte associação alimento-amor nas famílias.

Joana Vilhena. Foto: Fernanda Maia

— Converso com essas mães [de crianças obesas], e elas relatam: “me culpam, dizem que eu sou negligente”. Apesar de caber aos cuidadores a tarefa de selecionar o que os filhos comem, temos que pensar na realidade do Brasil. Muitas mães de crianças obesas tiveram uma infância mais humilde e hoje querem dar aos filhos o que não tiveram. Para elas, negar comida configura muito mais negligência do que oferecer. A comida é um bem de valor, e existe uma associação entre alimento e afeto. Então, é necessário ter mais sensibilidade ao tratar dos motivos da obesidade infantil — sugeriu a pesquisadora, ao propor, no encontro internacional na PUC-Rio, uma reflexão profunda sobre um problema que mata cerca de 3,5 milhões por ano no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O psiquiatra e psicoterapeuta Joel Birman, igualmente partipante do seminário em que se discutiu também a relação entre a ansiedade e a depressão com vícios associados à internet, lembra que a responsabilidade pela seleção de alimento dos filhos é atribuída à figura materna remonta à Renascença:

— A ideia que existe hoje de infância é uma construção pós-renascimento. Neste período, houve uma valorização da criança e consequentemente uma reafirmação da maternidade na sociedade. Configurou-se tradicionalmente o papel do pai como provedor de alimento da família e o da mãe como reguladora.

Para os especialistas reunidos na PUC-Rio, o freio no avanço da obesidade e do sobrepeso entre as crianças exige uma série de esforços conjugados, desde políticas voltadas à reeducação alimentar até uma harminização entre crianças, famílias e educadores para que mudanças culturais promovam os desejados ganhos de nutrição e saúde sem desidratar o afeto embutido na relação alimentar. 

Em março, o Brasil se comprometeu perante à FAO a cumprir as metas estabelecidas pela ONU contra a obesidade, entre adultos e crianças. Para deter o crescimento da obesidade na população adulta até 2019, deve-se reduzir em 30% o consumo de refrigerantes e sucos artificiais e aumentar em 17,8% o consumo de frutas e hortaliças.

Outra questão não menos complexa abordada no simpósio internacional de psicologia, dedicado a debater corpo, imagem e tecnologia, refere-se à associação entre distúrbios mentais ao uso da internet. Uma relação compulsiva com a web desencadeia depressão e ansiedade ou é um sintoma desses transtornos? Na avaliador do pesquisador da universidade espanhola de Extremadura Fernando Fajardo-Bullón, há uma reciprocidade: simplificadamente, uma coisa leva à outra, e vice-versa. 

Os efeitos supostamente negativos e positivos da expoisção prolongada de crianças a smartphones, tablets e computadores conectados à internet são alvos de pesquisas recorrentes. Por exemplo, um estudo da Universidade de Londres, publicado no periódico Scientific Reports, aponta que, a cada hora de uso de celular por criança representa a perda de 15 minutos de sono por dia. Não só a quantidade, mas qualidade do uso tem reflexos nada desprezíveis na saúde. Se o mundo virtual se torna um modo de escapar da realidade, observa o especialista, o usuário pode encontrar dificuldades no convívio cotidiano.

O professor desenvolve uma pesquisa internacional que relaciona as variáveis como web, cyberbullying e vício em internet. Para ele, as situações de risco passam por um ciclo: circunstâncias sociais do usuário podem acarretar ansiedade, depressão e levar a um "uso problemático" da internet. Isso, por sua vez, tende a aguçar o problema. Gera-se um ciclo vicioso.

— O problema é bem direcional. Pessoas com ansiedade e depressão passam muito tempo na internet buscando uma vida melhor. Quando estão na internet, também têm o risco de sofrer cyberbullying. Pode ser também uma sensação contínua de insatisfação, porque essa vida virtual não contempla os desafios que enfrentamos na vida real — observa.

Daniela Romão. Foto: Fernanda Maia

Já a professora de Cotidiano Digital Daniela Romão Dias, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, alerta que a transição da era virtual indica uma série de outras ameaças, outros desafios. Ela lembra que a popularização da internet, durante os anos 1990, era marcada pelas salas de bate-papo nas quais o usuário entrava sem identificação verificada e "tinha liberdade para agir da maneira que desejasse". Nessa época, quando os reality shows ganharam força, recorda Daniela, a web surgia como um local de refúgio, “com a liberdade de fugir do padrão estético”. Hoje, os espaços virtuais nos quais o anonimato prevalece são cercados por atividades ilegais, observa a especialista. São camadas mais profundas da web, que precisam de softwares específicos para serem acessadas e abrem brechas para irregularidades como venda de armamento ilegal, propagação de pornografia infantil e sequestro de dados.

Com o avanço das tecnologias interativas na rede, vivemos, segundo Daniel, uma fase “de superexposição”, revestida de vigilância e julgamento prévio das informações. Quando uma foto viraliza entre as redes sociais, observa-se, enfatiza a especialista, "uma precipitação generalizada em formar opinião, sem informações profundas". Um exemplo recente é a foto de uma mãe que falava ao celular enquanto o filho estava deitado num lençol no chão do aeroporto. O retrato rodou internet e usuários acusaram a mulher de descaso. Dias depois, a mãe esclaraceu que havia dormido no aeroporto e estava tentando voltar para casa. Para a psicóloga, além do cuidado com a “condenação precipitada”, é preciso manter atenção reforçada às informações propagadas online:

— Trate a internet como um cartão-postal. Não necessariamente alguém está vendo, mas se quiser ver, vai conseguir — recomenda.

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