Na era do pós-verdade, profissionais da área publicitária apontam novos rumos
22/02/2018 16:29
Natália Oliveira

A partir da facilidade em produzir conteúdos falsos, profissionais avaliam novas estratégias publicitárias

Arte: Beatriz Meireles

Com a popularização das redes sociais, as notícias falsas ganham mais espaço e notoriedade, a ponto de batizar uma era: pós-verdade. Enquanto empresas de produção jornalística e até plataformas de outra natureza, como Google e Facebook, investem em serviços de checagem de fatos, o meio publicitário intensifica os cuidados para desvincular as marcas representadas de informações erradas. Essas notícias, sobretudo nas mídias sociais, algumas vezes vêm revestidas de recursos que lhe conferem uma aparência crível ou que favorecem uma percepção às vezes distorcida de verdade.

Os influenciadores digitais e os "conteúdos premium", como dizem os publicitários, são algumas das saídas contra a pós-verdade. Ainda assim, profissionais e pesquisadores da área reconhecem que, com a força das informações falsas nas mídias sociais, compartilhadas como verdade, as táticas nem sempre se mostram suficientes para proteger até marcas renomadas de notícias falsas. A esses novos esforços publicitários, a coordenadora do curso de Publicidade do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Tatiana Siciliano, relaciona os caminhos ainda um tanto difusos para construir uma reputação positiva da marca na internet. Para a professora, algumas soluções envolvem os influenciadores digitais.

– Várias marcas estão saindo dos meios tradicionais de divulgação para a internet, por causa da popularidade. Mas ainda não se sabe muito bem como criar marca na internet.  Um dos caminhos para construir a comunicação desejada são os novos garotos-propaganda da internet, os chamados influenciadores digitais. Mas só isso não constrói marca porque não há, ainda, como pensar na construção de uma marca sem o apoio de uma mídia tradicional. É algo que está mudando, e estamos no olho da mudança, mas não conseguimos prever os rumos disso – ressalta.

Professora Tatiana Siciliano. Foto: Pedro Myguel Vieira

Outro caminho para construir ou resguardar a reputação de uma marca, acrescenta Tatiana, é investir em plataformas reconhecidas pelo conteúdo qualificado – premium, em inglês e pela credibilidade das informações veiculadas, menos vulneráveis às notícias falsas – fake news. Já outras plataformas de mídia revelam-se abertas a informações enganosas, desde que impulsionem mais acessos, mais cliques, e consequentemente atraiam mais anunciantes.

O nível de acessos, atualmente recurso obrigatório das agências publicitárias para avaliar as vitrines de mídias convenientes à exposição de marca, é dimensionado por algumas ferramentas. Tatiana ressalta que este parâmetro, embora relevante aos planos de mídia desenvolvido pelas agências, precisa vir acompanhado da verificação sobre o risco de a audiência alta estar atrelada a informações falsas.

– Antigamente era no ‘boca a boca’, agora plataformas como o WhatsApp viralizam rapidamente as informações, e parte delas sem fundamento. Consegue-se facilmente propagar fake news. Existem até sites que produzem conteúdos falsos para aumentar a audiência e, assim, fazer com que os anúncios sejam mais bem pagos, porque o Google e o Facebook renumeram de acordo com o número de cliques e compartilhamentos.

O diretor de Criação da agência 11:21, Gustavo Bastos, lembra que uma forma da marca evitar os efeitos do pós-verdade é cercá-la de transparência e compromisso com a verdade.

– O que se chama hoje, charmosamente, de pós-verdade é a mentira. Lógico que o consumidor respeita mais a marca quando ela diz a verdade. Se, por exemplo, a marca é mais cara do que a concorrente, não adianta dizer que é mais barata. Isso só deixa o consumidor mais irritado. Melhor fazer uma campanha explicando que a marca é mais cara porque tem mais qualidade ­– observa.

Uma pesquisa da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, constatou que mais de 80% dos jovens não sabem julgar a credibilidade de uma notícia. E, de acordo com um levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil. Dessa forma, boa parte das fake news concentra-se em áreas como política, principalmente durante campanhas eleitorais, e economia. A posse do presidente americano, Donald Trump, por exemplo, provocou uma procura de agências de checagem de fatos, até porque Trump iniciou, na avaliação de analistas, uma política de contestação dos principais veículos de comunicação.

A fundadora e diretora da agência Lupa, Cristina Tardáguila, conta que o empreendimento, pioneiro no país, nasceu do avanço das demandas por verificação de fatos. Percepção amadurecida desde que a jornalista coordenava o blog Preto no Branco, criado anos antes no jornal O Globo para checar os discursos de políticos em campanha.

Segundo Cristina, a euforia política, geralmente acompanhada de controvérsias, costuma aumentar a consulta a veículos capazes de produzir esclarecimentos em meio à profusão de discursos eleitorais e de mensagens compartilhadas nas mídias sociais. Ela lembra que os discursos polêmicos de Trump, por exemplo, incrementaram o volume de acessos à página da agência. A especialista afirma que, nesta corrida por nitidez, é necessário verificar a fonte do suposto esclarecimento.

– É preciso ficar atento, por exemplo, quando há dados estatísticos sem os valores absolutos. Também deve-se valorizar a fonte da informação: um dado sem fonte é um dado sem informação. “A causa de” também é uma das expressões duvidosas, porque sempre há mais de um fator constitutivo de um fato - afirma.

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