O futuro dos estudos brasileiros
30/07/2018 17:30
Pedro Madeira

Pesquisadoras avaliam os desafios para a academia brasileira

Plenária analisou soluções para o desinvestimento na educação brasileira. Foto: Thaiane Vieira

Compromisso com a realidade do país, conservadorismo e estado militarizado foram temas que estiveram em destaque na plenária O Futuro dos Estudos Brasileiros, realizada na quinta-feira, 26, durante o XIV Congresso da Brasa, no Ginásio da PUC-Rio. Participaram da mesa o diretor executivo da Brasa, professor James N.Green, da Brown University, a vice-presidente da associação, Gladys Mitchell-Walthour, da University of Wisconsin, a professora Marcia Lima, do Departamento de Sociologia da USP, e a doutora em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Renata Souza.

John N. Green é diretor executivo da Brasa. Foto: Thaiane Vieira

A sessão foi iniciada com agradecimentos do professor Green aos organizadores do encontro, em especial à diretora da Coordenação Central de Extensão, Angela Paiva, e ao presidente da Brasa, Bryan McCann, pela realização do XIV Congresso. O diretor executivo fez um protesto contra a morte de Marielle Franco com o grito de “Marielle, presente” e foi acompanhado pelo público. A mesa da plenária, composta por três mulheres negras, foi um arranjo feito pelo Brasa meses antes do assassinato da ex-vereadora do PSOL, o que, segundo Green, não foi uma resposta ao ocorrido com Marielle, mas um reforço à ideia de se repensar o futuro dos estudos brasileiros.

- Queria agradecer especialmente ao gerente administrativo da Iniciativa Brasil e do Brasa, Ramon Stern, que tem feito todo esforço para organizar um congresso maravilhoso. Sem Ramon as tarefas do secretariado da Brasa na Brown University seriam impossíveis. Quero realmente agradecer o seu esforço para fortalecer a organização e organizar o congresso. E antes de começar: Marielle Franco, presente.  

As apresentações começaram com a professora associada de estudos africanos da Universidade de Wisconsin-Milwaukee. Gladys, que dedicou a palestra a Marielle Franco, traçou algumas perspectivas relacionadas ao futuro dos estudos e relatou experiências pessoais. Para a professora, as tendências dos estudos brasileiros devem levar em conta três tópicos: a pesquisa como reflexo da população brasileira, mais pesquisas interdisciplinares baseadas na realidade do país.

Gladys questiona se a academia vai continuar ignorando acadêmicos negros e indígenas. Foto: Thaiane Vieira

Em 2018, Gladys publicou um estudo sobre identidade racial no Brasil, baseado em dados coletados nas cidades de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.  O estudo abordou sobre um termo cunhado pelo cientista político Michael C. Dawson, “black linked fate” (destino negro ligado). Segundo Gladys, a expressão foi usada para medir o quanto os afro-americanos se sentem ligados uns aos outros a partir da história de discriminação racial.

No Brasil, o estudo da professora, feito com a pergunta aberta “O que acontece com os negros afeta você?”, apontou que 68% dos homens e mulheres afro-brasileiros demonstram o ‘’black linked fate’’. Dessa parcela, os homens destacam questões de raça e classe social, enquanto as mulheres citaram mais os temas gênero e raça. Outro fator de destaque na leitura de Gladys foi a falta de referências bibliográficas de autores negros e indígenas.

- Essas abordagens de métodos mistos, como o qualitativo e o quantitativo, mostram a importância de métodos multidisciplinares para realizar estudos. O trabalho quantitativo pode nos informar sobre tendências gerais, e a pesquisa qualitativa nos permitem compreender melhor as dinâmicas sociais, históricas e políticas da sociedade. Agora, quero que vocês peguem o último artigo que vocês escreveram sobre o Brasil e tentem achar um acadêmico afro-brasileiro ou indígenas. A bibliografia não tem trabalhos de negros, isso em um país onde 52% são negros.

Gladys lembrou de um episódio em Salvador, quando ela estava com a filha de quatro anos. Segundo a professora, durante uma blitz, policiais revistaram os passageiros, enquanto a escolta armada apontava fuzis. Uma experiência traumática, afirmou Gladys, e que levantou questões para a filha dela.

- Minha filha perguntou: mas, mamãe, alguns dos policiais não eram da cor marrom? Sua pergunta inocente não via a complexidade da supremacia branca do Brasil. Essa experiência assustadora é uma norma do cotidiano em Salvador e em todo o Brasil.

Marcia comenta que a evasão de acadêmicos brasileiros para o exterior é sintoma da falta de investimento do Estado em pesquisa. Foto: Thaiane Vieira

Segunda a se apresentar, a professora Marcia Lima, do Departamento de Sociologia da USP, trouxe ao encontro um alerta para o crescimento do conservadorismo no Brasil, nas diversas áreas, inclusive a acadêmica. De acordo com a professora, para enfrentar essa onda conservadora, os intelectuais precisam sair da zona de conforto e divulgar as pesquisas em meios de comunicação tradicionais, como entrevistas em jornais e revistas. Ela lembrou de alguns episódios recentes, que chamou de nova agenda conservadora do Estado brasileiro. Porém, a professora acredita que a nova geração, escolarizada e humilde, está disposta a assegurar os direitos e as liberdades conquistadas.

- Eu aposto muito nessa mudança do público universitário, que enfrenta racismo dentro das universidades. Eu vejo na USP essa identidade de gênero mais assumida dentro das Universidades, dentro dos espaços. Essas pessoas não estão dispostas a abrir mão desses direitos. Eu aposto nessa juventude escolarizada que está atuando nas universidades e nos espaços de produção de conhecimento e cultura.

Renata contou que familiares e amigos de Marielle não tem opções a não ser confiar nas investigações do crime. Foto: Thaiane Vieira

Última a se apresentar na plenária, Renata Souza vê como um desafio o futuro dos estudos sobre o Brasil que, segundo ela, enfrenta a falta de investimento na área da educação e da saúde. De acordo com Renata, que é ex-chefe de gabinete da vereadora Marielle Franco, é preciso pensar na academia como produto de conhecimento que tenha ação direta na sociedade e aproximar as pesquisa da realidade da periferia. Renata lembrou de quando era estudante na Maré, onde a polícia realizava operações que varavam a madrugada e os moradores não tinham sequer protocolos de como agir em tais situações.

- Temos que pensar no Brasa como espaço para reivindicar, mas que transborde a academia, para as nossas vidas mudarem de fato, longe desse conservadorismo. Hoje nós temos no Congresso Nacional os três ‘Bs’, a bancada da Bala, do Boi e da Bíblia, todas elas para tirar direitos básicos. Estamos vivendo um ethos militarizado, uma lógica de guerra. O Estado investe na barbárie, na militarização do cotidiano. Na verdade, se investe na insegurança pública.

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