Por um mundo de pluralidade religiosa e sem intolerância
17/09/2018 08:29
Beatriz Puente e Nicole Polo

No primeiro dia de encontros da V Conferência ICLARS, pesquisadores debatem sobre intolerância religiosa e direitos humanos

O Professor Mark Hill QC, da Faculdade Cardiff, o professor Emerson Giumbelli, da UFRGS e o mediador W. Cole Durham, da Universidade Brigham Young. Foto: Thaiane Vieira

O crescimento demográfico e cultural indica que o pluralismo religioso tem crescido nos últimos anos em todo o mundo. É nesse contexto que a quinta edição da Conferência International Consortium for Law and Religious Studies (ICLARS) traz conceitos filosóficos e teológicos para discussão de novas estratégias de garantia da liberdade religiosa nas leis. Realizada no Rio de Janeiro, nos dias 12, 13 e 14 de setembro, a PUC foi o núcleo escolhido para receber estudiosos de várias partes do mundo.

Organizador do encontro no Rio, o professor de Direito Constitucional da PUC-Rio Fábio Leite relembrou que, ao ser convidado para palestrar na quarta edição, em Oxford, recebeu a proposta da presidente do ICLARS, professora Ana María Celis, de realização da próxima edição na PUC-Rio. Segundo ele, o Brasil ainda está amadurecendo as pesquisas nesse campo de estudo.

- A conferência do ICLARS é o maior evento internacional de direito e religião, não conheço um que reúna tantos especialistas nesse tema importante. Mas no Brasil, eu acho que ainda há poucos estudiosos. Tem pouco espaço para esse tema, principalmente no direito, muitas questões ficam sem resposta por não ter tanto esse tipo de pesquisa ou trabalhos de qualidade.

Ele explicou que o encontro acadêmico procura alternar os locais de realização por continente de dois em dois anos, justamente para trazer um pluralismo de ideias. Uma característica interessante do encontro, segundo Leite, são os palestrantes, que são membros do consórcio, convidados ou estudiosos selecionados em um processo. Eles também são ouvintes em outros momentos, o que possibilita uma troca efetiva entre os participantes. Segundo Fábio Leite, a edição da PUC-Rio abordou temas referentes aos desafios brasileiros de tolerância religiosa, “uma temática com a cara do Brasil”.

Maiorias e Minorias

A primeira sessão, na manhã da quinta-feira, 13, com o tema Maiorias e Minorias, teve como palestrantes o professor Mark Hill QC, da Faculdade Cardiff, e o professor Emerson Giumbelli, do Departamento de Antropologia da UFRGS. O mediador da mesa foi o professor de Direito W. Cole Durham, da Universidade Brigham Young.

O professor Mark Hill QC expôs a situação de intolerância religiosa na Inglaterra. Ele mencionou há um preconceito significativo dos membros da maioria religiosa – crentes da doutrina dominante – com os indivíduos de minoria religiosa. O pesquisador acredita que é necessário a união das Igrejas para combater a intolerância. Hill acha o termo tolerância complicado. A tolerância não geraria, na opinião dele, qualquer sentimento de igualdade religiosa entre os indivíduos.

- Você tolera uma criança barulhenta num restaurante, você aguenta isso, você não gosta, não aprova, mas está lá e você lida com isso.

Mark Hill QC explicou o poder da Igreja na Ingratera. Foto: Thaiane Vieira

 O professor Emerson Giumbelli abordou sobre as Igrejas Evangélicas no Brasil. Ele evidenciou o crescimento expressivo dos evangélicos nos últimos anos, que passaram a competir com a influência hegemônica da Igreja Católica – os evangélicos saíram de 5% para 32%, e os católicos, de 92% para 52%. O crescimento se deu também na política, na qual cada vez mais evangélicos são eleitos e a bancada evangélica, no Congresso brasileiro, aumenta sua influência.

O professor da UFRGS ilustrou um caso no qual as igrejas evangélicas opinam e tentam interferir na política. Ele relembrou que a PL122 – projeto de lei que criminaliza a homofobia – foi duramente criticada por líderes evangélicos, que, conforme o professor, achavam que a lei impediria a liberdade de expressão, e dentro da política tentaram impedir a aprovação do projeto de lei.

Uma das três sessões posteriores teve como tema Leis no Mundo e Jurisprudência de Viver Juntos, em que foi discutida a questão dos direitos humanos. A mesa era composta pelo ministro de Relações Exteriores do Qatar, Mohamed Eltayeb, pelo professor Rodrigo Alves, da UFU, pela professora Rosa Maria de Codes, da Universidade Complutense de Madrid, e pela pesquisadora Ewelina Ochab, da Universidade de Kent. O mediador da mesa foi o professor Gary Doxey, da Univerdade Brigham Young.

Ewelina Ochab discorreu sobre a questão do genocídio de minorias religiosas que ocorreu no Iraque promovido pelo Estado Islâmico. Ela evidenciou atitudes já tomadas em relação à segurança das minorias, à reconstrução de moradias e à justiça criminal. Ewelina também questionou a falta de ação do Estado na garantia de leis para essas minorias.

O ministro Mohamed Eltayeb focou nos direitos humanos e como eles se aplicam no combate a intolerância religiosa. Ele se referiu ao problema da perseguição religiosa entre os membros da mesma doutrina (intra) e entre diferentes crenças (inter). Eltayeb afirmou que a diferença entre essas perseguições está nas estratégias para se combater cada uma.

- Basicamente, perseguição intra-religiosa dificulta nossa relação com o direito de discordar dentro de uma comunidade religiosa.

Direitos Humanos foi o tema abordado pelo ministro Mohamed Eltayeb. Foto: Thaiane Vieira

O professor Rodrigo Alves falou do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Ele indicou que esse sistema não tem um conceito específico de minoria religiosa nem seus direitos, mas de minorias em geral. Já a professora Rosa Maria de Codes expôs os desafios dos Estados europeus de incluir as minorias religiosas.

 - O que os europeus devem fazer sobre as diferenças de valores sociais, culturais, étnicos e religiosos; em que extensão a sociedade europeia deve acomodar a diferença; e como deve ser feito isso.

Liberdade

Juan Navarro, Oscar Diaz, Dom Joel Portella, Enrique Perez e padre Waldecir Gonzaga participam de mesa do ICLARS. Foto: Gabriela Azevedo 

Sessões de sexta-feira Liberdade de Religião, a Lei, e Diversidade; Delineando os Contornos da Liberdade de Religião; Impactos das Mudanças Legais na Liberdade de Religião; e Leis de Liberdade Religiosa na América Latina foram os temas abordados na manhã da sexta-feira, 14, na Conferência ICLARS.

Padre Waldecir Gonzaga, do Departamento de Teologia da PUC-Rio, mediou a mesa composta pelo assessor Oscar Díaz, do Tribunal Constitucional do Peru; pelo professor Juan C. Navarro, da PUC – Argentina; pelo presidente da Associação de Miraísmo Internacional, Enrique Pérez; e pelo Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, Dom Joel Amado Portela, que também é professor do professor do Departamento de Teologia da PUC – Rio.

A preservação histórica do catolicismo no Peru, mesmo após a separação entre o Estado e a Igreja Católica, foi tratada por Díaz como algo que não é um empecilho para a expressão de outras crenças. Já o professor Juan exemplificou o artigo sétimo do projeto de lei que apresenta uma justificativa religiosa para a o aborto não ser liberado no Brasil). Pérez expôs a necessidade de ação do Estado diante de casos de intolerância religiosa.

Dom Joel afirmou que o Estado deve garantir que as crenças contribuam para o avanço da sociedade e para o combate da intolerância, e deve promover o diálogo e o respeito entre si. Ele também relacionou as manifestações religiosas com a democracia.

- Trata-se, portanto, o que eu chamo de condição de democracia. Ou se garante às religiões o direito de expressar publicamente suas crenças e apresentarem a sociedade seu modo de pensar, seu sentido ético, ou se não, lesa-se de modo violento exatamente a democracia.

Dom Joel aborda sobre liberdade de expressão e religião. Foto: Gabriela Azevedo 

Na segunda sessão do dia, o tópico apresentado pelos palestrantes foram as leis que podem ou não contribuir para a vivência em uma sociedade plural. Os oradores foram os professores Jónatas Machado, da Universidade de Coimbra, Scott Isaacson, da Brigham Young University, e a senadora Carmen Asiaín Pereira, da Universidad de Montevideo.

O professor Jónatas abordou sobre a interferência do populismo na liberdade religiosa. A senadora, portanto, dissertou sobre o Uruguai ser o único país participante do Consórcio de Liberdade de Religião e Crença Latino-americano e como é o funcionamento dessa organização. Já Isaacson apresentou o caso que ocorreu em Utah, nos Estados Unidos. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mesmo sendo contrária ao casamento de pessoas do mesmo sexo, apoiou a lei que apoia o grupo LGBT.

- É possível se comprometer mesmo quando há grupos com princípios diferentes. Se não acreditamos que é possível, não podemos nem começar uma discussão.

 

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