Os 30 anos do voto democrático
03/10/2018 16:32
Lucas França

Constituição de 1988 completa 30 anos e marca a abertura do voto facultativo para jovens de 16 e 17 anos, idosos acima dos 70 e analfabetos 

Diarista aposentada de 54 anos, Severina Frederico da Silva acredita que assinar a lista dos que não querem votar é um erro. Para ela, o brasileiro precisa ir e praticar o direito. Ela é um dos 6.574.188 casos de eleitores analfabetos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições de 2018. Essa camada da população, os idosos acima de 70 anos e os jovens de 16 e 17 anos, correspondem aos que estão na situação de voto facultativo. O acesso a este direito passou a existir na Constituição de 1988, que no dia 5 de outubro completará 30 anos de promulgação. Na atual eleição, 17,9 milhões de indivíduos se enquadram no voto facultativo.

Severina saiu da Paraíba aos 18 anos com destino ao Rio de Janeiro e 15 dias depois que chegou à cidade já estava empregada em uma casa na Rua Rainha Guilhermina, onde trabalhou de 1981 até 2007. A diarista conta que tirou o título de eleitor no processo de abertura de voto aos analfabetos e, desde então, nunca faltou às eleições. Ela é aluna do curso de alfabetização para adultos, oferecido pela Paróquia Santa Mônica, no Leblon, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro.

 

Severina Frederico, 54 anos, afirma que nunca deixou de votar. (Foto: Amanda Dutra)

Ela explica que no curso as turmas são divididas por letras e níveis, com a A voltada aos iniciantes, B para alfabetizados intermediários e C o estágio final das aulas, quando os integrantes já devem saber ler e escrever minimante. De acordo com a aposentada, que está na turma B, os cerca de 15 professores preparam aulas especiais sobre as eleições e, deste modo, ajudam no desenvolvimento crítico dos alunos.

— As aulas são importantes porque a eleição é um momento sério do país, ainda que não tenhamos muita ideia do que fazer. Pensando assim, o voto do analfabeto precisa ser valorizado, nós estamos aqui para aprender com todo mundo, até nas eleições

A história do voto no Brasil 

A legislação de 1988 vigora até hoje e é considerada um marco no processo de redemocratização do país, já que foi instaurada após os 21 anos de ditatura militar. Conhecida como Constituição Cidadã, ela foi idealizada por uma Assembleia Constituinte, composta por 559 deputados e senadores, e presidida por Ulysses Guimarães, do PMDB. De acordo com a professora Alessandra Maia, do Departamento de Ciências Sociais, a importância da Constituição de 1988 está, além de outros pontos, na ampliação do voto, mesmo que facultativo.

Para ela, camadas da sociedade antes não incluídas ganharam reconhecimento depois que passaram a participar do processo de eleição. A professora afirma que, a partir do momento em que o voto foi concedido para todos, e as eleições de 1989 ocorreram, a democracia passou a ser exercida de fato no Brasil. Apesar do olhar positivo, ela propõe cuidado ao analisar a história da República no Brasil.

 

A professora Alessandra Maia, do Departamento de Ciências Sociais, traça um panorama histórico do voto no Brasil. (Foto: Amanda Dutra)

— São 30 anos de voto, e olha o quanto isso modificou o país. É ampliação na educação, mais pessoas nas Universidades. Ao mesmo tempo, isso serve como um alerta muito grande, porque a nossa história de República não foi democrática.

Alessandra explica que a proibição ao voto para certas classes no Brasil é um déficit histórico que precisa ser encarado, e destaca alguns casos. O primeiro é a Lei Saraiva, redigida em 1881 pelo deputado Rui Barbosa e que impedia os analfabetos, mais de 75% da população, a votarem. Outra situação foi o governo de Getúlio Vargas, que ao mesmo tempo que concedeu às mulheres o direito ao voto em 1932, instaurou o Estado Novo em 1937, regime que suspendeu as eleições. E, mais recentemente, lembra Alessandra, a ditadura militar, instaurada na década 1960, suprimiu o direito ao voto. Este panorama, como defende a professora, revela a desigualdade no Brasil.

— Quem votou no Brasil, então? Um grupo muito pequeno que, obviamente, consolidou privilégios grandes e extensos que, ainda com dificuldade, nós enfrentamos. Esses privilégios estão muito consolidados. É preciso mexer com eles, mas é difícil.

Outros eleitores facultativos

O estudante Thiago Taubman, de 17 anos, votará pela primeira vez no dia 7 de outubro deste ano. Ele e outros 1.400.616 eleitores jovens de 16 e 17 anos vão às urnas - número que apresenta uma queda de 238.134 votantes em relação à eleição presidencial de 2014. Estes adolescentes representam cerca de 1% do eleitorado, que soma 147.306.275 cidadãos, segundo dados do TSE.

Taubman morava em Teresópolis quando, em 2016, se mudou para o Rio de Janeiro para cursar o Ensino Médio no Colégio Estadual José Leite Lopes/ Nave. Ele conta que não tem um motivo maior para ir votar, apenas quis agilizar o processo com o TSE, mas que o contato com os professores e os amigos o ajudou a sair de uma “bolha”. Para o estudante, uma juventude engajada em políticas não necessariamente partidárias é um sinal de progresso para o país.

— Hoje nós não votamos de forma gratificante, empolgados. Acho que podemos trazer progresso ao país com os jovens cada vez mais politizados, e realmente politizados, não seguindo partidos cegamente. É preciso analisar a política brasileira e tudo que há nela de forma crítica.

 

Thiago Taubman, 17 anos, acredita que a juventude politizada pode ajudar o país. (Foto: Amanda Dutra)

Esta empolgação que hoje falta em Thiago não faltou à juventude de Marinalva Maria Cerqueira, aposentada de 81 anos, conhecida como Dona Marú no bairro onde mora, Encantando, Zona Norte. O número de idosos acima de 70 anos aptos para votar é de 10.867.784 nesta eleição, cerca de 7,5% do eleitorado total.

A idosa relembra que ia votar com os amigos, todos agitados com as movimentações políticas do país e animados com a possibilidade de participar das eleições. Apesar da desconfiança com os políticos atuais, Marinalva ainda vai às urnas porque gosta de ver os candidatos na corrida eleitoral, se acha uma cidadã brasileira completa quando vota e, por fim, acha graça na reação dos mesários quando a veem na sala

 

Marinalva Maria, 81 anos, relata que recebe olhares, por conta de sua idade, quando vai votar. (Foto: Lucas França)

— Gosto de torcer por eles e, primeiro de tudo, sou uma cidadã brasileira. Eu gosto de ir porque estou fazendo algo para contribuir e ver se melhora a nossa situação aqui no Brasil. Além disso, quando eu entro na sala e os mesários ficam me olhando, devem se perguntar quem é essa velhinha de bengala e cabelo branco e o que ela está fazendo aqui se não precisa. É engraçado de perceber.

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