Violência nas comunidades
18/10/2018 12:46
Nicole Polo

O assassinato de jovens por policiais nas comunidades do Rio de Janeiro e a luta das mães para limpar o nome dos filhos mortos são temas do filme Auto de Resistência, debatido na Universidade

A morte de jovens causadas pela violência policial, principalmente negros, nas comunidades e periferias do Rio de Janeiro, é o tema central do filme Auto de Resistência, de Lula Carvalho e Natasha Neri. A produção traz também declarações de mães que perderam os filhos na guerra travada cotidianamente nas comunidades do Rio. No dia 10 de outubro, houve a exibição do filme na sala 102-K, seguido de debate com os diretores do documentário, com duas mães que tiveram os filhos assassinados, Fátima Silva e Maria Dalva Correa, e com Thainã de Medeiro, do coletivo Papo Reto.

Com duração de duas horas, o filme mostra diversos casos de assassinatos e o andamento dos processos. Entre os relatos, estão o de Fátima e Maria Dalva, que, após a exibição, compartilharam com a plateia histórias pessoais e dor de perder um filho de modo violento.

Fátima relembrou como ocorreu a morte do filho Hugo Leonardo, em abril de 2012, na Rocinha. Segundo ela, Hugo tinha 32 anos, estava desempregado e, por isso, ficava nas ruas e becos da comunidade, mas não tinha ligação com o tráfico. Fátima descobriu que ele era agredido diariamente pelos policias e tinha sido ameaçado de morte. Ela relatou que não houve troca de tiros, mas execução. Os policias atiraram duas vezes no filho dela, que estava de joelhos em uma das escadarias da comunidade. Conforme Fátima, a mídia não ouviu o lado dela na história e, até hoje, ela luta para limpar o nome do filho.

- O Estado não apoia a gente. Além do mais, somos taxadas como mães de traficantes. Por que nós, que somos pobres e “favelados”, somos vistos como quem não presta? A cada dia, eu vejo mais um assassinado na favela e falam que foi ou bala perdida ou troca de tiro. Depois, temos que entrar numa luta para limpar o nome desse ente querido.

Fátima Silva

Maria Dalva está na justiça há 15 anos para limpar o nome do filho Thiago. Maria Dalva contou que, em 2003, o jovem, que tinha 19 anos e trabalhava como mecânico, voltava do trabalho e tinha ido cortar o cabelo, perto de casa. Segundo ela, Thiago estavam conversando com três amigos quando começou um tiroteio e eles resolveram correr para um beco. Segundo Maria, quando entraram no beco, os jovens foram fuzilados por policias, que estavam nas janelas das casas. Inicialmente, conforme Dalva, Thiago foi atingido somente nas pernas. Mas em seguida, um policial foi até ele e atirou cinco vezes no jovem, que morreu no local. Ainda segundo Dalva, uma moradora percebeu a situação e ainda tentou impedir o crime, mas foi coagida a ir embora. Ela conta que, no dia seguinte, saiu nos jornais que ele era traficante, o que, para ela, foi como uma segunda morte do filho.

- Meu filho tinha pavor de tiro. Eu imagino ele olhando para o policial daquele tamanho com o fuzil encostado nele. Uma testemunha ouviu meu filho falando “não me mata, eu sou trabalhador”. Abriu da casa dela e falou “pelo amor de Deus, é o Thiago, não faz isso”. O policial continuou falando que ele ia morrer, porque era bandido, e empurrou ela para dentro de casa com o fuzil. Quando ela fechou a porta, mandaram ela apagar a luz e aí efetuaram os disparos. Ele só estava baleado na perna, e foi morto com mais cinco tiros. O que foi mais triste para mim foi quando eu cheguei lá para velar o meu filho. Ele tinha usado aparelho por seis anos, e estava com os dentes quebrados.

Natasha Neri estudou jornalismo na PUC-Rio e trabalhou na profissão durante algum um tempo. Ela afirmou que os jornalistas que cobrem os tiroteios e operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro não ouvem os relatos dos moradores, somente a versão policial sobre a situação. Segundo ela, é um tabu para o jornalista entrar na comunidade e coletar informações.

- Havia uma a guerra do Lulu e o Dudu na Rocinha. Eu era estagiária do Jornal do Brasil e me mandaram para lá. A primeira coisa que eu fiz foi conversar com os moradores. E todo mundo da grande mídia me falava “tá maluca? Como assim falar lá? Isso aí é foca (termo usado para novos jornalistas)”. Eu fui e não tinha a menor noção que aquilo tudo era uma construção social de um medo de entrar em uma favela.

Plateia

Thainã de Medeiro compartilhou como o coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão, atua no auxílio aos moradores das denúncias de violência e abuso de poder por parte dos policiais.

Lula Carvalho afirmou que o filme foi feito para os familiares das vítimas, principalmente as mães. Ele criticou como o Auto de Resistência é negligenciado pela mídia e pelo próprio Estado ao ser visto como um dado.

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