Em meio a uma sociedade de exageros relacionados ao consumo, a forma de se alimentar também pode refletir a onda de excessos. Ao mesmo tempo, existe a pressão pela construção de um corpo ideal que é reforçado pela mídia. Nesse contexto, surgem os distúrbios alimentares, como a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o transtorno da compulsão alimentar. Para entender o que acontece com as pessoas com compulsão alimentar que fazem cirurgia bariátrica, a doutora em Psicologia Clínica Monica Vianna desenvolveu a tese Compulsão e cirurgia bariátrica. Aspectos psíquicos da fome que o bisturi não alcança.
A compulsão alimentar é um transtorno psiquiátrico que é definido pela ingestão de grande quantidade de comida em um curto período de tempo, com a sensação de perda de controle. A psicóloga Mônica afirma que é importante diferenciar o transtorno da compulsão alimentar do exagero alimentar, um comportamento relativamente normal e até estimulado socialmente. Os episódios do transtorno da compulsão alimentar ultrapassam o prazer em comer e costumam ocorrer escondidos dos familiares e amigos.
– Na compulsão, você não consegue parar. A pessoa está tão envolvida no impulso de comer que não consegue controlar aquele episódio. É quase um ataque de comer, ela come tão rápido que nem mastiga os alimentos e, geralmente, só para ao passar mal. Ela não necessariamente come só o que gosta, porque não é uma relação de prazer com a comida, é algo doentio. É possível que ela comece comendo algo que goste e termine comendo até mesmo o que não gosta.
Como metodologia, Monica fez uma pesquisa qualitativa e quantitativa, por meio de um questionário direcionado a pessoas que tinham compulsão alimentar e fizeram a cirurgia bariátrica em um período entre dois e quatro anos. As questões foram elaboradas com base no Binge Eating Scale, a escala de compulsão alimentar, e buscavam identificar quadros de transtorno alimentar e de outras compulsões, como por jogo, sexo, compras e abuso de drogas e álcool. O objetivo da pesquisadora era analisar como os pacientes bariátricos se comportavam depois da cirurgia.
– Minha questão era saber se os pacientes desenvolviam outras compulsões. Percebi que o sentimento de falta de controle continuava. O que mudava era o tipo de comportamento. Eles começavam a beliscar muito a comida ou comiam diferentes tipos de alimentos. Muitos deles começavam a ter compulsões menores e depois iam aumentando, o que chamamos de compulsão subjetiva, que são compulsões com volumes menores.
A cirurgia bariátrica foi desenvolvida para tratar a obesidade e não tem a função de lidar com a compulsão alimentar. A intervenção cirúrgica não é uma operação com fins estéticos, já que ela diminui o tamanho do estômago e o objetivo não é a perda de 100% do peso. De acordo com a pesquisadora, muitos pacientes chegam à clínica com o desejo de passar pela cirurgia bariátrica com a ideia de ser uma forma mágica de perder peso. Ela ressalta que é função do médico alertar que a intervenção não é estética e que não cura a compulsão alimentar.
– O paciente precisa estar com uma obesidade grau dois ou três para fazer a cirurgia bariátrica. Ela visa a perda de peso e a melhora das comorbidades, das doenças associadas à obesidade. É muito importante explicar isso para que o paciente não fique frustrado depois da cirurgia, achando que vai emagrecer da noite para o dia. Além disso, existem pacientes que, depois da cirurgia bariátrica, procuraram ajuda porque continuam com o problema da compulsão alimentar.
Monica observa que nos transtornos alimentares, de modo geral, a faixa etária mais comum é a dos jovens e, se não for tratada, a compulsão alimentar pode acompanhar a pessoa ao longo da vida. Geralmente, aponta a psicóloga, os pacientes demoram para procurar ajuda, seja por vergonha ou por achar que têm controle sobre aquela situação. De acordo com Monica, muitos chegam ao hospital quando o quadro já está agravado. Com relação ao tratamento para a compulsão alimentar, é necessário que haja um trabalho multidisciplinar, que una áreas como a terapia e a nutrição.
– Quando o paciente está na cirurgia bariátrica, ele vai tratar a obesidade por meio dessa intervenção, e a compulsão vai ser tratada com outros profissionais. O tratamento é para que o paciente aprenda a lidar com a comida e com o próprio corpo, já que eles têm baixa autoestima e uma relação ruim com a autoimagem. Então, o tratamento é mais profundo, a compulsão é a ponta do iceberg, mas existe muita coisa por trás.
O interesse de Monica pelo assunto surgiu durante a graduação em psicologia, quando ela produziu um trabalho sobre o tema e fez estágio no setor de transtornos alimentares dentro do serviço de psiquiatria, na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Além disso, a família da pesquisadora tinha uma questão com alimentação e sobrepeso, já que dois irmãos fizeram cirurgia bariátrica. Ela também destaca a associação que as pessoas estabelecem entre a comida e os sentimentos, com o chamado comer emocional.
– Muitas pessoas falam que comeram algo que não deviam porque estavam nervosas ou ansiosas. É importante estar atento porque tanto a fome quanto o sono são duas funções orgânicas que estão muito ligadas com o nosso emocional e, hoje em dia, estão muito desequilibradas. As pessoas têm dormido e comido muito mal, o que acaba refletindo no comportamento e nas atitudes das pessoas diariamente.
Monica afirma que, hoje, somos incitados a comer e, ao mesmo tempo, existe uma pressão da sociedade em permanecer magro. Para a orientadora da tese, professora Junia de Vilhena, do Departamento de Psicologia, vivemos em um tempo no qual as pessoas pecam pelo excesso.
– Nós vivemos em uma sociedade de exagero de tudo. O consumo te leva a comprar mais, a comer mais, a fazer tudo exageradamente. Acho que há uma oferta muito grande de alimento, uma sedução muito grande dessa coisa da cozinha, principalmente da indústria alimentícia que fatura muito com junk food.
Doutora em Psicologia Clínica, Junia acredita que a supervalorização do corpo influencia no surgimento dos transtornos alimentares na medida em que se busca um ideal inalcançável, já que o biotipo desejado não é o brasileiro. Para ela, insistir nessa lógica é um custo alto, baseado no fato de que a pessoa está sempre aquém do que deveria ser.