Revezamento da tocha aquece olimpíada do marketing
04/08/2016 11:35
Juliana Reigosa

Contrastes, camarotes improvisados, produção cinematográfica: bastidores da maratona da chama olímpica país afora

Há pelo menos seis anos, grifes globais anteciparam a abertura dos Jogos Olímpicos. Já era Rio 2016 para os patrocinadores, cujas partituras de marketing, orquestradas desde 2010, desembocam agora na primavera de ativações em agosto. Da reta final do revezamento da tocha às badalações espalhadas pela capital fluminense – no Porto Maravilha, em Copa, no MAM, no Cristo –, ganha corpo uma olimpíada à parte. Corresponde à extensa agenda de atividades dedicadas a converter os Jogos do Rio em uma plataforma de negócios compatível com os números que os cercam, como os cinco bilhões de espectadores mundo afora e a receita de R$ 5,6 bilhões estimada pelo Comitê Olímpico Internacional entre 2013 e o fim de 2016. Quando a pira for acesa no Maracanã, sob a noite carioca da próxima sexta (5), e assim oficializar o início da maior festa esportiva do planeta, a Rio 2016 terá consumido já uma parcela nada desprezível dos R$ 75 bilhões em torno dos quais orbitam gastos, investimentos e receitas (diretos e indiretos).

Multinacionais como Coca-Cola, Nissan, McDonald’s e Samsung, integrantes do time de 17 patrocinadores (mundiais e locais) e apoiadores, aceleram as investidas de publicidade e marketing com as quais buscam catalisar a visibilidade e os valores olímpicos em pódios comerciais. Embora os caminhos sejam distintos, as ambições convergem para ganhos de reputação e de mercado. Todas também usam a Rio 2016 como um show-room para materializar atributos e princípios específicos, por meio, em boa parte dos casos, de iniciativas associadas a experiências singulares, lúdicas, históricas. A Claro, por exemplo, investe na associação, reiterada em peças publicitárias, com um ambicionado “recorde de conectividade” dos primeiros Jogos Olímpicos e Paralímpicos na América Latina.

“Esperamos, só na cerimônia de abertura da Rio 2016, o dobro do tráfego simultâneo de dados registrado no Super Bowl 50, a grande final do futebol americano, disputada em fevereiro”, prevê o diretor de Marketing da América Móvil (grupo formado por Net, Claro e Embratel), Rodrigo Vidigal.

Já a Samsung, parceira dos Jogos Olímpicos desde 1998, concentra os esforços no espaço interativo instalado no Parque Olímpico, onde foi lançado, nesta terça-feira (2), o Note 7, novo camisa 10 da marca coreana entre os smartphones. Em que pese a aura com a qual os executivos da multinacional revestem a novidade de acento tecnológico, o totem de marketing da marca sul-coreana na Rio 2016 é o tal espaço. Misto de museu interativo e praça de diversões, o lugar materializa a aposta na realidade virtual e no matrimônio entre tecnologia e corridas de rua, um dos segmentos que mais crescem no mercado esportivo. Com fones auriculares dotados de GPS e armazenador de música (iconX), os visitantes simulam uma corrida de obstáculos e outras atividades físicas. Com máscaras para realidade virtual, nas quais se acoplam celulares, simulam descidas em corredeiras e montanha-russa. “Eles experimentam como a tecnologia deve ser sinônimo de divertimento e conveniência no dia a dia. Assim também nos aproximamos do consumidor, em meio a um evento já cercado de valores como superação e ousadia, com os quais nos identificamos”, justifica o gerente de dispositivos móveis da empresa no Brasil, Renato Citrini.

Tocha em Angra dos Reis. Foto: Thayana Pelluso

Destilados na maratona de ativações de marketing concentrada ao longo da Rio 2016, os valores positivos associados aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos devem pavimentar, pragmaticamente, pretensões comerciais douradas. A Nissan, outra parceira do COI, confia que o casamento com a Olimpíada verde-amarela embale a arrancada até a participação de 5% no mercado automotivo brasileiro. Para impulsionar este salto, a montadora recorre a três combustíveis em especial: as ações embutidas no patrocínio à Olimpíada e à Paralimpíada, desde a escalação da marca para a frota olímpica até o bungee jump montado no Parque Olímpico; o Time Brasil, naipe de atletas e ex-atletas apoiados pela empresa, do qual fazem parte, por exemplo, Hortência e Usain Bolt; e o revezamento da tocha, uma investida à parte, talvez a mais estratégica ao propósito de estreitar o relacionamento com o consumidor brasileiro. Estima-se que Nissan, Coca-Cola e Bradesco tenham desembolsado cerca de US$ 125 milhões para embarcar na emblemática condução da tocha pelo país-sede dos Jogos. “Mostra que estamos estreitando nossa conexão com o Brasil, onde vamos crescer”, destaca a executiva de marketing da Nissan do Brasil, Eva Ng Kon Tia.

Desde 2011, Eva comanda centenas de profissionais envolvidos no extenso repertório voltado a converter a Rio 2016 em uma turbinada plataforma de relacionamento e de negócios. Repertório no qual o revezamento da tocha ocupa lugar de destaque, por comandar os esforços da multinacional japonesa em aumentar a capilaridade e o reconhecimento da marca no país. Depois de três meses e quase 20 mil quilômetros de estradas percorridas por 12 mil condutores em 329 cidades, percebe-se nos gestores e nas equipes de apoio uma dupla sensação: de certo alívio, pela complexa maratona estar próxima do fim, e de gratificação, por ter amealhado – a despeito de alguns protestos, sobretudo em Angra (RJ), há uma semana – uma olimpíada de sorrisos e boas histórias, decorrentes de um apoio popular comparável à antiga chegada do circo ao interior. “É revigorante ver os moradores receberem a tocha com tanta alegria. Acordamos às cinco, seis da manhã e não raramente dormimos depois de meia-noite. Mas o carinho e a festa que as pessoas fazem espantam o cansaço”, destaca a jornalista Amanda Mello, integrante da equipe de suporte aos condutores da Nissan.

Amanda e milhares de profissionais de diversas áreas, desde motoristas e brigadistas, até artistas e esportistas, dão régua e compasso ao revezamento da tocha desde o dia 3 de maio. Embora essenciais à operação, cuja liturgia e pontualidade seguem rigorosa cartilha do COI, eles formam uma caravana periférica, quase invisível, aos holofotes midiáticos, centrados na chama e nas estrelas e nos personagens anônimos que a conduzem. Só a Coca-Cola reúne cerca de 300 profissionais nesta caravana Brasil afora. Oitenta e nove deles estão entre os 400 envolvidos com a logística nas estradas. Ao longo de 90 dias, colecionam não só engrenagens preciosas à olímpica jogada de marketing, mas contrastes e causos constitutivos da alma brasileira.

Tocha em Resende. Foto: Thayana Pelluso

Reportagem do Comunicar acompanhou, na quinta-feira passada, dois trechos desta corrida por escaninhos nacionais: em Rio Claro e Resende, municípios do sul-fluminense. O primeiro reproduziu uma síntese dos traços que aproximam o revezamento da tocha da festejada chegada do circo à cidade interiorana. O segundo, apesar da festa comum, revestiu-se de doses generosas de marketing: a chama olímpica ganhava, pela primeira vez, uma fábrica de automóveis. A estratégica passagem pela montadora em Resende, onde foi conduzida por funcionários, casava também com o lançamento do Kicks, com o qual a Nissan pretende chegar ao pódio do ascendente segmento nacional de SUVs, liderado por Honda HRV e Jeep Renegade. O novo modelo, literalmente o carro-chefe do comboio da tocha, começará a ser vendido nesta sexta (5), não por acaso o dia de abertura dos Jogos Olímpicos. “Ao trazer a tocha para o berço do Kicks, estamos reforçando os laços com o consumidor brasileiro”, ressalta o presidente da Nissan do Brasil, François Dossa.

Enquanto os colegas levavam a tocha escoltados por peças de carroceria, motor, suspensão, centenas de operários, alguns acompanhados de familiares, os saudavam com palmas amplificadas por bastões infláveis. Aqui e ali, permitiam-se aproveitar a farra para entoar coros de arquibancada. A tocha seguiria para a cidade vizinha de Barra Mansa, mas o carnaval na fábrica se estenderia no show de Nando Reis. “Coração acelerado, dor no estômago, muita emoção. Ainda mais por estar nessa fábrica que eu ajudei a montar”, comovia-se a analista de compras Patrícia Távora.

Apesar da inédita farra em meio à linha de montagem, veio das ruas de Rio Claro, a cidade anterior, a aquarela completa que compõe o revezamento – da chegada do comboio formado, entre outros veículos, por caminhões movidos a shows, aos camarotes improvisados nas sacadas das casas para ver a chama passar. Sob olhares curiosos, orgulhosos, ansiosos, o circo olímpico instalava-se em torno da pracinha, próximo à linha do trem. Perto dali, os moradores selecionados para conduzir a tocha concentravam-se na preleção feita por especialista do Comitê Organizador. No percurso de 200 metros pelo qual empunhariam a chama histórica, deveriam, por exemplo, manter o celular desligado e evitar afobações. Também não poderiam jamais soltar a tocha. Quase a recomendação derrapa na inocência prosaica de uma senhorinha que, segundos antes de a chama começar o trajeto por Rio Claro, ensaiou pegar o bastão “por um instantinho” para fazer uma selfie ao lado dos parentes.

Tocha em Rio Claro. Foto: Thayana Pelluso

Passado o susto, logo transformado em parte do folclore acumulado nos 95 dias de revezamento, o primeiro condutor, Charlson Serique partiu para consumar seus 15 minutos de fama. “A emoção é muito grande, independente do momento político do país. Isso é uma confraternização. Vai dar tudo certo”, projetava o contador, escaldado pelos protestos na noite anterior, quando a tocha passou por Angra.

O batuque animado do grupo Patubatê, que se apresentava em um dos caminhões com instrumentos feitos de peças automotivas, injetava ainda mais confiança em um ansioso Charlson. Logo depois ele cumpriria com tranquilidade o papel de abrir o revezamento em Rio Claro. Era acompanhado por uma procissão de vizinhos, garotos, fotógrafos, cinegrafistas. A farra atípica na rotina da pequena cidade de contorno rural era enfeitada por brindes distribuídos pelos patrocinadores: infláveis em formato de tocha, viseiras, camisetas. O figurino do marketing.

Assim estavam vestidos os familiares que acompanhavam, orgulhosos, o corredor Jesuel Ferreira de Sá, escalado para fechar a incursão da tocha por Rio Claro. Conhecido como Passarinho, ele é o mais experiente atleta do sul fluminense ainda em atividade. O trabalho voluntário, ao lado da mulher, Maria de Fátima, em comunidades carentes da região o credenciaram a conduzir a chama olímpica. “É um momento simbólico, conduzir a chama que representa a união dos povos. A família toda está aqui. Espero que essa chama acenda o amor de todos pelo esporte e pela vida”, frisa Passarinho.

Mais Recentes
Cidade das Crianças celebra dia Nacional do Atleta Paralímpico
Encontro reúne crianças com paralisia cerebral e Síndrome de Down
O gol das mulheres
Inspirações, esforços e a figura da mulher no futebol são temas que surgem com a realização da Copa do Mundo Feminina 2019
O quadribol da vida real
Diretamente de Hogwarts, o esporte já tem times no Brasil e no mundo