A figura de Luiz Gonzaga foi inspiração para a dissertação Vida de Viajante: Uma análise da obra musical do compositor e intérprete Luiz Gonzaga na cidade do Rio de Janeiro (1940-1970) do historiador Ruberval José da Silva. Mestre em História pela PUC-Rio, ele retrata a trajetória do Rei do Baião e como a música interferiu na formação da identidade do artista e de migrantes nordestinos no Rio de Janeiro.
A dissertação de Ruberval apresenta o período em que o compositor esteve no Rio de Janeiro. Luiz “Lua” Gonzaga gravou 200 discos e vendeu mais de 30 milhões de cópias. O pesquisador narra a trajetória do Rei do Baião até chegar à capital, como um personagem na história da migração interna. Segundo Ruberval, o recorte temporal, de 1940 a 1970, retrata a permanência do músico na cidade e a criação, produção e divulgação do gênero baião.
– As referências do baião que Gonzaga apresentou no Rio vieram das musicalidades do Nordeste. Mas foi aqui, a partir da percepção dos diferentes gêneros que tinham na cidade do Rio de Janeiro, como o samba e o bolero, que Gonzaga foi influenciado nesse inventar do baião. O próprio Luiz foi construindo sua identidade nessas viagens.
Luiz Gonzaga é uma figura presente no imaginário de muitos nordestinos. A vida de migrante do músico traduz a trajetória de muitas pessoas que saem do Nordeste em busca de melhores condições de vida. Para Ruberval, Gonzaga é o personagem que melhor representa o tema exposto no trabalho.
– Eu optei pelo Luiz Gonzaga mais por uma questão de afinidade e de prática de pesquisa. Ele diz mais da relação que tenho com a migração. Tentei conciliar isso analisando o Luiz, a trajetória dele e a criação e circulação do Baião na cidade do Rio de Janeiro.
O historiador também explora um pouco dos anos 1980 ao analisar canções emblemáticas para pensar o Nordeste, como A Vida do Viajante. Com o objetivo de trabalhar o conceito de sertão e migrante na obra de Gonzaga, Ruberval estuda como a vida e a música do compositor também contribuíram no processo de construção da ideia de Nordeste.
No primeiro momento da pesquisa, ele analisa a trajetória do músico, a criação e a recepção do baião na imprensa do Rio, e destaca alguns aspectos do ponto de vista da identidade e da memória. Já na segunda parte, Ruberval mostra como Gonzaga se auto representa nas obras e se concentra na questão do migrante e do sertão.
– Não tinha como desvencilhar a obra do autor ou do seu público, então optei por dividir a dissertação. Eu sustento a ideia de que o Luiz Gonzaga foi um dos “inventores” de uma imagem do Nordeste associada ao sertão, mas que ele demonstra que também existe uma diversidade ali. Ele fala dos sertões enquanto lugares íntimos a cada um, com particularidades para cada nordestino.
Na pesquisa, Ruberval teve que transitar em áreas como a Antropologia, Linguística e História da Música. Para o pesquisador, o caso de Luiz Gonzaga não é uma narrativa clássica, em que o migrante vai para os grandes centros, mas sempre quer voltar. O historiador quis demonstrar como a trajetória de um viajante, seja ele artista ou não, pode influenciar na construção de uma identidade.
Ruberval veio da Paraíba para o Rio de Janeiro aos 18 anos para trabalhar, como a maioria dos migrantes do Nordeste, mas com o objetivo de conciliar com os estudos. Para a orientadora da dissertação, professora Juçara da Silva Barbosa de Mello, do Departamento de História, o fato de o orientando ter vivido a experiência da migração foi o grande diferencial desse trabalho.
– Como migrante, o Ruberval trouxe questões da vida dele para pesquisar aqui na academia. É um pesquisador que viveu aquela experiência e agora se distancia do objeto para fazer a reflexão acadêmica a respeito desse assunto.
Para Juçara, é importante reconhecer a atuação da comunidade nordestina nas relações sociais no Rio de Janeiro. Nesse sentido, a pesquisa contribuiu para romper com as hierarquias regionais no país.
– Todos os cantos do Brasil são igualmente importantes. É necessário ultrapassar a barreira do estereótipo para conhecer o valor de cada lugar. Nós precisamos acabar com essa ideia de centralidade e marginalidade.