O divisor de águas da guerra ao terror
06/06/2011 15:15
Aline Melo e Claudia Bozza / Fotos: Bruno Pereti



Passada a euforia americana e o destaque massivo da mídia à execução de Osama Bin Laden,  o mundo começa a medir as consequências da morte do terrorista no cenário internacional. Líder da organização fundamentalista Al Qaeda e personagem emblemático no terrorismo internacional, Bin Laden, mesmo depois de morto, fomenta uma discussão intensa a cerca do rumo das relações político-econômicas mundiais. Para os especialistas Arthur Ituassu, professor do Departamento de Comunicação Social, e Márcio Scalércio, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, a chamada “guerra ao terror” perde o foco, dando lugar a uma alavancada americana na busca por reconstruir sua imagem junto aos países árabes.

 

Marcio Scalércio e Arthur Ituassu
discutiram com bom humor sobre a situação mundial

 

O que Osama Bin Laden representava para o cenário internacional?

Márcio Scalércio: Eu diria que o Osama tem um peso simbólico maior nos Estados Unidos do que no mundo muçulmano, por causa do 11 de setembro. No mundo muçulmano ele representa uma facção, que é minoritária, do radicalismo religioso, que, no meu modo de ver, se tornou mais minoritário ainda depois que os movimentos árabes começaram a acontecer em fevereiro deste ano. Então, eu diria que para a cultura americana o Osama é mais representativo do que para a própria cultura dos países muçulmanos. Daí a importância dessa eliminação, que, para muitos americanos, significou uma espécie de alívio, por um lado, e de vingança, por outro.

Arthur Ituassu: Eu concordo plenamente. Em termos da participação do personagem dentro do radicalismo islâmico, já é muito mais uma questão simbólica do que uma questão operacional. O Osama Bin Laden foi um personagem operacional durante muito tempo. Alguns autores até apontam que esse papel dele de ações efetivamente terroristas vai só até a reação americana, com os atentados de 2001. A partir da intervenção no Afeganistão, a Al Qaeda já não consegue ter a estrutura centralizada, hierarquizada que tinha antes. Você vê nitidamente que existem setores da sociedade civil nesses países árabes com diversas bandeiras diferentes, mas não com a bandeira da violência. É interessante mostrar que as sociedades árabes são muito mais complexas do que normalmente é retratado pós-2001. E a mídia tem um papel sério nisso.

 

Como fica a relação entre EUA e Paquistão?

Ituassu: A forma como foi feita a operação da morte do Bin Laden alimenta um anti-americanismo no Paquistão. Existem pesquisas com paquistaneses que mostram que em torno de 80% da população vê de forma bastante negativa o que foi feito. Isso deixa o mundo menos seguro. Um Paquistão instável é problemático não só para o contexto asiático ou para os EUA, mas para todos nós, porque é um país chave no islamismo e possui armamento nuclear. 

Scalércio: E o grande problema dos EUA é que é ruim com o Paquistão, mas pior sem ele.

Como era a situação no governo Obama antes e depois da morte de Osama Bin Laden?

Scalércio: A morte do Osama vai servir como um de divisor de águas para os americanos começarem a mudar a agenda deles em termos de politica externa e segurança. No topo da lista está o terrorismo, mas isso está mudando. A ideia é acabar com essa coisa da guerra ao terror. Acho que agora o terrorismo vai ser um problema circunscrito ao norte da África, Oriente Médio, China e Índia. Mas como operações pontuais, não mais algo do exército. Algo como “os nossos terroristas contra os terroristas deles”. É uma coisa parecida com o que os israelenses fazem com os palestinos. O que existe agora são os EUA tentando reconstruir a sua imagem nessas regiões do mundo.

Ituassu: Outra questão é que não existe uma oposição forte ao governo Obama nos Estados Unidos. A Sarah Palin não é viável nem qualquer outro candidato do partido republicano. Para mim é muito difícil o Obama perder as próximas eleições.

Scalércio: Eu já prefiro dizer isso quando chegar em setembro, quero ver o que os republicanos vão fazer. O governo Obama é decepcionante em alguns pontos, principalmente na parte dos ambientalistas, e isso tem um peso grande no eleitorado. O derramamento no golfo não foi culpa do governo, mas eles demoraram muito para resolver o problema. Isso não quer dizer que eles vão votar nos republicanos, claro, mas podem não ir votar.

Ituassu: A economia pelo menos está voltando, né?

Scalercio: A economia é um desastre!

Ituassu: Mas está voltando...

Scalercio: Discordo. Acredito que a grande novidade do século é o declínio dos Estados Unidos. Não sei como o mundo vai lidar com o povo americano ficando mais pobre, mas é o inicio do fim dos EUA.

Como os senhores disseram, Osama Bin Laden não tinha mais tanta influência. Com a morte dele, isso pode mudar? Pode significar o nascimento de um mártir?

Scalercio: Pode. Mas o problema é que isso acontece no crime. Você mata o chefão, aí assume o comando um cara mais novo e mais cruel que ele. A Al Qaeda e seus simpatizantes nos últimos anos foram desbaratados. Foram presos, torturados e mortos. E um monte de gente que não tinha nada a ver com isso foi junto. Foi uma violência só comparada ao que aconteceu na 2ª Guerra Mundial.

Ituassu: E o próprio governo americano assumindo, né?

Scalercio: Sim! O próprio governo assumindo a tortura. E por isso a relação custo beneficio de aderir ao sistema radical se tornou muito ruim.

 

Não seria melhor optar pelo julgamento do terrorista ao invés da morte?

Scalércio: O problema da morte do Bin Laden é um problema legal. Os americanos infringiram umas cinquenta e oito leis, provavelmente até mais que isso. Entraram no território do Paquistão, mataram o cara, e não deram a mínima satisfação para o governo paquistanês. O que eles fizeram em relação às leis internacionais é de ficar de cabelo em pé, imaginando que o mundo é constituído por estados soberanos. A soberania do Paquistão foi reduzida à décima quinta categoria. Agora, prender e levar o Bin Laden a julgamento nos EUA era uma péssima ideia. Logo um monte de organizações de direitos humanos americanas iam se mobilizar para garantir os direitos dele.

Ituassu: O negócio da morte é que: morreu? Então acabou. Vamos mudar de assunto. Imagina quanto tempo essa história ia durar e o quanto isso ia mobilizar o radicalismo.

 

Como ficou o cenário internacional com relação ao terrorismo e à relação entre os EUA e os países árabes?

Ituassu: Eu pessoalmente acho que vai haver vigilância nesse setor, tanto é que os perfis que estão assumindo os cargos da inteligência americana são voltados para a questão de operações rápidas e pontuais. Não tem mais a ideia de que, para combater o terrorismo, eu tenho que colocar 200 mil soldados no Iraque. Serão operações com custo político mais baixo, custo humano mais baixo. Acho que o terrorismo deixa de ser pauta dessa grande agenda. Passa a ser uma pauta da agenda da inteligência. Agora, o que a gente tem que ver é qual será a postura da política externa americana frente à decadência econômica que vemos nitidamente. A questão é como eles irão se comportar frente a uma diminuição relativa da influência americana na governança global.

 

 

Edição 242

 

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