Gol de placa contra a segregação
01/07/2010 16:00
Rodrigo Cabral / Foto: Bruno Pereti



O Apartheid restará apenas na memória de um povo marcado pelas diferenças. No país de Nelson Mandela – símbolo da libertação do regime que dividia negros e brancos –, a Copa do Mundo ajudou a desmarcar uma palavra que por muito tempo andou sob forte pressão: união. É o que acontece não apenas na África do Sul, mas em todos os países que se mobilizam em torno de um grande evento esportivo. Para Régis Rösing, jornalista esportivo da TV Globo, esse é o maior legado das competições.

 

– O mundo tinha que ter um evento esportivo por dia. Seria a solução – enfatizou Reasing, no 3º Seminário Comunicação e Esporte: a Construção do Evento Esportivo, dia 1 de junho, na PUC-Rio.

 

Em um esporte que usa termos como tiro de meta, ataque e defesa, a semelhança com a guerra fica apenas entre as quatro linhas. Ou melhor, no campo teórico. Durante palestra, Rösing exemplificou. Exibiu reportagem, realizada no ano passado, retratando como a população de Ruanda, que se cicatriza de uma intensa guerra civil, mobilizou-se em torno de um sonho: ver a seleção participando da Copa de 2010. Em 1994, uma briga de etnias deixou mais de 800 mil mortos no país. Embora a seleção não tenha se classificado, o futebol fez o que, segundo Rösing, deve ser feito com o passado: “Servir de trampolim e não de sofá”.

 

No Brasil, Rösing lembrou que, durante o Pan-Americano, a violência também foi atenuada. Mas, quando o assunto é especificamente futebol, aí sim a mobilização é geral. Nas ruas, o verde e amarelo dá o tom dos enfeites espalhados por todos os cantos. Em qualquer lugar, o assunto de ordem foi o desempenho do time comandado por Dunga.

 

 É, mais uma vez, a pátria de chuteiras, como diria Nelson Rodrigues? Sim, mas, apesar de toda a balbúrdia gerada pelo evento, esta visão está declinando, afirmaram especialistas que também participaram do seminário. De acordo com Ronaldo Helal, professor do curso de Comunicação Social da Uerj, o torcedor da seleção não é o mesmo de antigamente.

 

– A derrota de 50 e a vitória de 70 transcenderam o esporte e foram sentidas como derrotas e vitórias de um projeto de nação brasileira. Não podemos comparar uma possível derrota na final desta copa com a derrota de 50 – explicou Helal, autor de A Invenção do País do Futebol e Passes e Impasses: Futebol e Cultura de Massa no Brasil.

 

De acordo com Édison Gastaldo, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, o esporte, como fato social, tem uma dimensão de êxtase, de sair do comum, de um ambiente regido pelo relógio. Segundo ele, a Copa não é somente um negócio ou uma jogatina política, mas sim um espaço privilegiado para as loucuras do cotidiano.

 

– Assistir ao jogo do Brasil na Copa é um momento ritual. É a hora de ser brasileiro. É a hora de todos ficarem juntos – disse ele, que participou do segundo dia do seminário, cujo tema foi “O papel da publicidade/marketing na construção do Evento Esportivo”.

 

Mas, pondera Gastaldo, tudo acaba ao apito do juiz:

 

– Em 1970, houve a consolidação de um regime para o qual a seleção tinha uma função. De lá para cá, houve o declínio do nacionalismo exacerbado. Hoje, isso só acontece durante os 90 minutos de jogo, pois as pessoas estão mais informadas.

 

O discurso nacionalista não empolga mais como antes. Mas o momento de paz e alegria orquestrado pela celebração do esporte é o que deve ser estendido após o término dos eventos, afirmou Régis Rösing. Com vuvuzelas em punho, essa era a esperança dos sul-africanos. Uma esperança, aliás, de todo o mundo.

 

Edição 230

Mais Recentes
Beleza a favor do ecossistema
Mercado de cosméticos veganos conquista consumidores que lutam contra a exploração animal
A voz que não pode ser calada
A liberdade de imprensa é considerada um direito social conquistado pelos profissionais da comunicação
Diplomacia na escola
Alunos da PUC participam da sexta edição MICC