A reforma orthográphica
15/10/2007 12:25
Violeta Quental

Artigo

Brasil, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe já assinaram. Essas assinaturas bastariam para que entrasse em vigor a nova reforma ortográfica, que pretende colaborar para a compreensão mútua entre os países de língua oficial portuguesa. Os outros países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), Portugal – o mais resistente –, Angola, Guiné, Moçambique e Timor não assinaram ainda e não se sabe se serão convencidos a isso.

Os pontos interessantes sobre a relevância da unificação ortográfica são de caráter político-econômico, mas deles não falarei, porque não é minha praia. Mas me arrisco aqui a levantar algumas questões: a primeira delas diz respeito ao número de pessoas afetadas pela reforma. Em Portugal e Brasil, são 99% da população. Já em Cabo-Verde, por exemplo, a língua falada é o crioulo cabo-verdiano, mescla de português com línguas africanas. Em Moçambique, apenas 9% da população tem o português como língua materna. Em São Tomé e Príncipe, esse número já beira os 50% da população. Esses números exigem algumas respostas: qual o impacto real da pretendida reforma nos países da África e da Ásia, em termos quantitativos? Parece pouco. Por outro lado, a produção editorial não é significativa nesses países e esse impacto se daria basicamente na comunicação oficial e nas escolas. Então, quem tem interesse econômico na reforma? Ou ainda: teria a reforma algum efeito em relação a uma maior independência cultural desses países em relação a Portugal e a uma maior aproximação com o Brasil?

Daí chegamos à discussão da unificação do ponto de vista lingüístico: em que medida temos alguma dificuldade de compreender textos portugueses e vice-versa? Se dificuldades existem, certamente não estarão na ortografia. E mais: as mudanças propostas são significativas? Reincorporar o k, w e y ao alfabeto, quando conhecemos tantas Kátias e Wesleys(ok, esses são nomes próprios) e quando temos boys nos escritórios é medida de bom-senso. Os cabo-verdianos agradecerão, ao menos pelo reconhecimento do k. Nós, embora tenhamos na internet muitos karekas e karetas, continuaremos a ter dificuldade de compreender o crioulo e a kunfundi ádju ku sabóla, como lá eles dizem.

Só mais um detalhe: a ortografia não reflete a língua falada. Pouquíssimas letras têm uma relação biunívoca com os fones do português (e isso se dá em todas as línguas). O argumento usado por alguns de facilitação da escrita serve para a retirada do trema , que já caiu em desuso, para o acento diferencial, que também não tem utilidade; não serve, no entanto, para os casos de uso do hífen, que continuará um ilustre desconhecido, ou para tornar a escrita mais próxima da fala, pois teríamos antes de conseguir definir de que fala estaríamos falando.

Professora Violeta Quental
Departamento de Letras

Jornal 192