Sincretismo e política no país
04/10/2009 15:30
Gilberto Porcidonio

Encontro discutiu raça e religião no Brasil     

Ainda não é muito comum, na historiografia brasileira, tratar da forma como a questão racial influencia o âmbito político do país, seja no reconhecimento das religiões de matriz africana (como candomblé e umbanda) ou das lutas históricas de afirmação e reconhecimento racial. No caminho contrário, o Centro Loyola de Fé e Cultura promoveu o seminário Muitas Áfricas: Religiões e Política na formação da Nação Brasileira na Residência João XXIII em Botafogo, com a participação dos pesquisadores do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO) Jairo Santiago, que estuda religiões de matrizes africanas, e Amauri Mendes Pereira, que pesquisa relações raciais.

 

Jairo Santiago explicou aquilo que chama de Sentimento de Dupla Pertença, que é a questão da devoção tanto no catolicismo quanto no candomblé, além do sincretismo existente entre as duas religiões. O pesquisador também fez questão de explicar que o candomblé é estritamente nacional e que tem uma diferença marcante da umbanda.

 

- O candomblé não é uma religião africana, mas brasileira. Só a matriz é africana. Ela se originou quando cada escravo começou a levar o culto de seu deus local para as comunidades dos terreiros, onde todos esses cultos foram unidos em um local só. Isso permitiu que acontecesse uma troca entre todos os participantes, uma nova formação espacial. Já a umbanda é bem mais recente. É uma religião do século XX, com mais influência cristã - disse.

 

Sobre a diferença dos rituais do candomblé dos das outras religiões, Jairo disse que essa relação não está restrita ao mundo contemporâneo e capitalista, principalmente quando se trata da evocação aos antepassados.

 

- Quando a divindade dança, ela se remete ao tempo mítico. Por isso, todos os que estão vivenciando o rito não estão vivendo a estrutura do tempo ordinário (do relógio), mas a de um tempo histórico, de seus ancestrais. Sobre os bens da pessoa, o candomblé diz que cada bem pessoal é único e não pode ser reproduzido como na nossa sociedade de reproduções. Inclusive, quando uma pessoa morre, uma das maiores discussões é sobre o que se fará com aquilo que ela deixou – informou.

 

Já Amauri Pereira abordou a questão política das cotas na educação, acentuando que a questão caiu sobre a opinião pública como “um raio em céu azul” (parafraseando Karl Marx), por ser uma coisa inesperada. O professor também fez questão de desfazer algumas ideias preestabelecidas sobre questões polêmicas, como a da igualdade racial e da existência de uma passividade dos movimentos negros.

 

- Em 1929 aconteceu o 1° Congresso de Eugenia no Rio de Janeiro, para discutir o subsídio para a imigração e colonização do país por europeus. Mas o Brasil quis se tornar “branco” porque os estudiosos que pensavam a questão naqueles dias estavam baseados na crença filogenética da época, que tratava a etnia negra como inferior. Já o campo de pensamento antirracista foi se estruturando em paralelo a este, nunca houve passividade. Como exemplo, temos as posições tomadas pelo sociólogo Florestan Fernandes, dos jornalistas Jayme Aguiar e José Correia Leite e do advogado e jornalista Luiz Gama – informou.

 

Amauri também disse que umas das grandes viradas na questão racial aconteceram no governo Getúlio Vargas e, ironicamente, após o golpe de 64, que acabou favorecendo a integração do negro à sociedade de classes. Foi nesse período que a escola de samba deixou de ser marginal e se tornou um símbolo cultural nacional.

 

 

Edição 223

 

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