“O que Agatha Christie e Albert Einstein têm em comum?” A pergunta que iniciou a palestra apresentada, na Cátedra UNESCO, pela professora Valéria Medeiros, despertou a curiosidade e o interesse dos presentes. A resposta, como brincou a professora, não era o fato de eles serem europeus ou estarem mortos. A chave para o mistério era relacionar a Teoria da Relatividade com o livro de Agatha Christie, O assassinato de Roger Ackroyd.
Segundo Valéria, no século XIX, o cientista buscava desvendar os enigmas do universo através da observação e do raciocínio. O narrador do romance de enigma descreve o processo científico do detetive e é o porta-voz da verdade. Com a Teoria da Relatividade a posição do observador permite várias perspectivas de realidade. Esta alteração na noção de verdade única também está presente
Agatha Christie, como observa a professora, é vista por muitos críticos literários apenas como uma escritora que quebra as regras dos romances policiais, embora seja considerada a maior do gênero. Mas, como aponta Valéria, eles não questionam as conseqüências desse rompimento com as regras do romance policial clássico.
Agatha sob outra perspectiva
A leitura do livro Em 1926 – Vivendo no Limite do Tempo, do historiador Hans Ulrich Gumbrecht possibilitou que Valéria conhecesse uma nova perspectiva sobre Agatha Christie. Para escrever o livro, Gumbrechtmergulhou em 1926 e passou a pesquisar os fatos mais importantes desse ano. Na obra, ele elege O assassinato de Roger Ackroyd como o livro que contém as questões mais relevantes daquele ano.
Gumbrecht ressalta em seu livro o fato de o assassino em O assassinato de Roger Ackroyd ser o narrador em primeira pessoa. O narrador visto pelo leitor como uma fonte de verdade absoluta, depois do livro de Agatha, não existe mais. A própria noção de verdade absoluta, como afirmou Gumbrecht, está em cheque em 1926.
A partir desse novo ângulo de leitura, Valéria ressalta que é simplista afirmar que Agatha Christie está apenas quebrando uma regra. Para a professora, ela percebe as mudanças de sua época e utiliza o assassino como uma metáfora para romper com a verdade. Essa ruptura, iniciada em 1926, seria levada ao extremo com a publicação de Cai o pano, em 1975.
Nesta obra, o detetive Hercule Poirot volta à mansão Styles, local onde tinha solucionado seu primeiro caso. Para evitar um homicídio, Poirot se torna um assassino. O detetive irrepreensível, dono da verdade, também deixa de existir. Ao confessar seu crime, Poirot afirma que, antes, ele tinha muitas certezas, mas que, naquele momento, ele não sabia de mais nada.
Agatha não seria, portanto, segundo Valéria, uma escritora que apenas quebra regras. Ela percebia as mudanças para escrever seus romances. Uma das críticas a Agatha Christie, questionada por Valéria, afirma que as pessoas, na turbulência dos acontecimentos do século XX, liam a alta literatura pela manhã, mas à noite se entregavam à tranquilidade dos romances policiais de Agatha, onde nada estava alterado. Valéria se pergunta: “Como o mundo nos romances de Agatha estava inalterado se ela já havia implodido o romance policial dentro dos limites do gênero?”.
A palestra lançava o curso Por que ler romances policiais?, que será ministrado por Valéria Medeiros até 14 de outubro, na Cátedra UNESCO. O objetivo, segundo Valéria, é, além de apresentar os pressupostos da escrita do romance policial, tentar mostrar como essa literatura é uma metáfora do conhecimento.
Edição 235