PET-JUR organiza conversa sobre a ditadura militar
20/09/2024 10:06
Gabriela Oliveira

Professores de Direito relatam suas experiências durante o período ditatorial

Ciclo de Conversas do PET. (Foto: Matheus Santos)

A professora do Departamento de Direito Regina Coeli Lisbôa Soares afirmou que o pior momento que viveu em sua vida como estudante foi na madrugada de 23 de setembro de 1966, quando cerca de 600 alunos ficaram encurralados pela Polícia Militar na Faculdade de Medicina da UFRJ, na Praia Vermelha. O relato ocorreu durante o primeiro dia do Ciclo de Conversas sobre a “História Brasileira do Golpe de 1964 à Constituinte de 1988” organizado pelo Programa de Educação Tutorial do Departamento de Direito da PUC-Rio (PET-JUR PUC-Rio). Quando já estavam dentro do edifício, receberam a notícia que estavam cercados por militares e que não conseguiriam sair: 

– Nós ficamos presos na faculdade o dia inteiro e só à noite os militares invadiram, quebrando vidros e arrombando portas. Nós subimos até o último andar e lá cantamos o Hino Nacional dez vezes, pois diziam que quando se cantava o hino, às vezes os militares não faziam nada, mas eles não pararam dessa vez e baixaram os cassetetes. Eles nos colocaram em corredor polonês e bateram em todo mundo. Foi realmente um evento traumático. - contou Regina

Regina frequentou a Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ)  de 1964 a 1968 e estava na faculdade no dia do golpe. A professora disse que a mudança no tratamento dos alunos e as regras da instituição mudaram imediatamente, com policiais cercando a faculdade e a liberdade de expressão gradualmente diminuindo. Durante o período ditatorial, Regina e os alunos procuravam refúgio no bar vizinho da universidade, que apelidaram de “Bar República do Uruguai”. Lá os alunos podiam conversar livremente, diferentemente da faculdade, onde eram proibidos de ter conversas entre mais de duas pessoas. 

Além do bar, Regina mencionou a PUC-Rio como uma casa para muitos estudantes. Isto porque os reitores da época lutavam pelos seus alunos perseguidos e isso trazia um sentimento de conforto e segurança para os que frequentavam a universidade.

Professora do Departamento de Direito PUC-Rio Regina Soares. (Foto: Matheus Santos)

Apesar das memórias fortes, a professora reiterou a importância de relembrá-las, pois é uma forma de evitar que o passado se repita.

No segundo dia de encontro, o convidado foi o professor do Departamento de Direito da PUC-Rio José Maria Gómez. O argentino chegou ao Brasil em 27 de dezembro de 1979 e sua experiência é um pouco distinta da relatada por Regina Soares. José Maria estudava na Bélgica e não podia retornar ao seu país de origem devido à ditadura e à violência brutal que acontecia contra civis. Diante desse cenário, ele decidiu vir ao Brasil após receber uma proposta de trabalho em Santa Catarina. 

– [Cheguei] quatro meses após a anistia, que era um dispositivo jurídico, político e ideológico, parte da estratégia da ditadura para conduzir uma transição lenta e gradual, com características oficialmente definidas, mas que, na prática, resultava em uma abertura incerta para algo que se chamava democracia. - declarou José Maria

O professor reiterou que a anistia não contribuiu para a reparação das vítimas e que até hoje não se sabe exatamente o número de civis torturados, assassinados e desaparecidos no regime militar brasileiro, reforçando a importância de sempre relembrar as vítimas e não deixar que sejam esquecidas. Na Argentina, por exemplo, existe o movimento das Mães da Praça de Maio, que mesmo passados mais de 40 anos do fim do regime ainda reivindicam o paradeiro e os restos mortais de seus familiares. Dois filmes argentinos tratam especificamente do tema: A História Oficial (1985) e Argentina, 1985 (2022).

Além de sua experiência no Brasil, Gomez também discutiu a brutalidade do regime militar argentino, mencionando o desaparecimento de pessoas e o uso de tortura. Ele explicou que a repressão era muito mais intensa em termos de desaparecimentos e assassinatos em comparação com o Brasil. Ele referiu-se ao número simbólico de 30 mil desaparecidos.​ O professor observou que a ditadura brasileira também foi marcada pela violência e repressão, com uma rede eficaz de inteligência. No entanto, afirmou que, no momento de sua chegada, já havia um processo democrático "de baixo para cima", com o fortalecimento de movimentos sociais e associações civis.

Essas experiências, segundo ele, moldaram sua compreensão de regimes autoritários e das transições políticas que, embora formalmente democráticas, não livraram a sociedade das heranças violentas deixadas pela ditadura.

– Essa memória social, junto com as lutas, busca sensibilizar uma sociedade que muitas vezes foi capturada pelos consensos promovidos pela ditadura, permanece indiferente, ou apenas deseja entender o que está acontecendo, enquanto, em outros casos, é simplesmente cúmplice.

No terceiro e último dia de encontro, a convidada foi a pesquisadora da Casa Rui Barbosa e da Universidade Nova Lisboa, Isabel Lustosa. Ela é cearense e cresceu em Fortaleza, mas foi em 1978 que se mudou para o Rio de Janeiro.

– Meu namorado era músico, meus amigos eram músicos, então a vida que eu tive lá [no Ceará] foi muito mais boêmia do que militante. Quando cheguei no Rio, era muito diferente.

Bolsista Maria Alice Franco, Pesquisadora Isabel Lustosa, Tutor do Pet Maurício Rocha. (Foto: Matheus Santos)

No Rio, Isabel ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Ela reforçou seu desconhecimento político em oposição à presença de diversos grupos na época como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e o Movimento de Emancipação Proletariado (MEP). Com o tempo, Isabel começou a se envolver em ambientes políticos e ajudou na formação de uma célula do movimento negro do IFCS junto com colegas, organizando campanhas e debates. Isabel afirma que o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) foi um marco importante: 

– Agora, o grande acontecimento dessa fase da minha vida foi a criação do PT. Eu estava na universidade ainda, criou-se um núcleo de cultura do PT na antiga Casa dos Estudantes, que agora está sendo explorada para os fóruns da universidade. E lá criaram-se realmente as contradições do momento.

Lustosa também abordou a influência cultural americana no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. A historiadora discutiu como o Brasil foi invadido por produtos e ideias dos Estados Unidos, e como isso afetou a juventude de sua época. A cultura do consumo, promovida pelos americanos, mudou profundamente a dinâmica social e econômica do Brasil, segundo Lustosa, afastando o país de um projeto de desenvolvimento nacionalista. A escritora refletiu também sobre as frustrações pós-ditadura, com o governo de José Sarney, particularmente caótico em termos econômicos. A inflação e a falta de soluções políticas públicas aumentaram o descontentamento popular.

Isabel mostrou sua preocupação com o futuro ao ver movimentos de extrema direita em ascensão, que buscam controlar não só a política, mas também os costumes e a liberdade individual. Esse conservadorismo moderno a preocupa, pois vê um eco de autoritarismo no cenário político global.

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