O conceito de amefricanidade, da intelectual e ex-docente da PUC-Rio Lélia González define que o convívio entre a população africana e os indígenas durante a formação da América do Sul resultou em uma cultura de resistência única. Esse é o tema central do “V Seminário de Artes Cênicas da PUC-Rio: Artes da Cena na Améfrica Ladina”. Artistas, acadêmicos e especialistas vão debater a diversidade da arte nos dias 2 a 4 de outubro, das 13h às 19h.
A programação foi dividida em três eixos. O “Diálogos Amefricanos” criará espaços de conversa com profissionais dos Estudos de Cena sobre suas experiências e possíveis ligações com amefricanidade. As mesas de debate do eixo “Encruzilhadas” irão abordar as potencialidades cênicas do corpo, da palavra, da territorialidade e das poéticas, e discutir as políticas do Sul Global nas Artes Cênicas. E a cada dia, o eixo “Confluências em Cena” fechará a agenda com três produções artísticas.
As professoras organizadoras Aza Njeri, do Departamento de Letras e Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre o Continente Africano e as Afro-diásporas (LEPECAD), e Fernanda Bond, Coordenadora da graduação em Artes Cênicas, esclareceram os objetivos e a importância do Seminário. Mais informações no Instagram: @lepecad_
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Como surgiu a ideia do Seminário e a divisão dos eixos?
Fernanda Bond: Veio de um desejo da gente manter a continuidade da pesquisa acadêmica no Curso de Artes Cênicas e confluir as produções que acontecem tanto dentro, quanto fora do curso. Uma maneira de propiciar o intercâmbio entre universidades, pesquisadores, artistas profissionais e acadêmicos. Nesta edição, surgiu a ideia de convidar a professora Aza, uma grande parceira do Departamento de Letras, por meio do LEPECAD. O recorte temático “Artes da Cena na Améfrica Ladina” surge dessa união e da importância das pessoas terem essa referência. Quando faço uma pesquisa no Google, por exemplo, sempre me corrijo. Não estamos falando apenas da América Latina, mas também da Améfrica Ladina. O Seminário lança luz e dá visibilidade a essa maneira alternativa de entender o nosso continente e as artes que saem daqui.
Poderiam explicar o conceito de amefricanidade e comentar a centralidade na programação?
Aza Njeri: Usar amefricanidade e Améfrica Ladina, como o Sul do nosso seminário - porque aqui a gente não norteia nada, só “sulea” - foi uma grande homenagem a ela. Além de trazer à discussão um conceito que reivindica a arte preta, indígena e não hegemônica, algo extremamente produtivo e frutífero no campo da cena. A amefricanidade da Lélia define que os cruzamentos civilizatórios na formação da América, entre os africanos que vieram sequestrados e os indígenas que estavam aqui sob uma égide colonial portuguesa ou europeia, deram um match, como eu digo em sala. Eles se identificaram e confluíram, criando tramas de resistência própria a partir da visão de mundo próxima causada pelo opressor comum. É um pouco disso que tentaremos mostrar nos três dias. “Diálogos amefricanos” pensa como o conceito de amefricanidade se expressa nas artes da cena. “Encruzilhadas” traz artistas, sempre com um pé na pesquisa, para focar no desenvolvimento da cena e do pensamento artístico. No último eixo, “Confluências em Cena”, teremos a oportunidade de ver uma arte amefricana ao vivo.
Fernanda Bond: Até para não nos limitarmos. Temos o costume de associar a arte, cultura e cena ao viés mais prático e segregar o pensar do fazer artístico. Também faz parte do Seminário unir o pensamento teórico-prático, trazer essas performances e comentá-las. A confluência que aconteceu no continente é pouco falada quando se trata de arte e cultura. Os estudos da cena são, na sua grande maioria, eurocêntricos e hegemônicos. Não é uma coisa do passado pensar acidentalmente, está no presente. Aqui no Brasil a gente pensa a arte sempre a partir desse ponto de vista, então tem a ver com a gente mudar de ângulo.
Qual a importância de trazer para o ambiente universitário questões da políticas do Sul Global na Artes Cênicas e como elas dialogam com outras áreas de estudo?
Aza Njeri: Primeiro é preciso entender que os nossos voos vêm do Sul. Chegou a hora de deixar de nortear as coisas porque não tem dado certo, principalmente no campo da estética da arte de forma mais pluriversal. Quanto mais a gente norteia, mais vamos para a hegemonia. A ideia é ir no contra-fluxo e, em termos globais, se adequar ao discurso contemporâneo Sul-Sul, que está muito em voga nas relações internacionais e vê o Sul como a grande potência do futuro. As relações estão sendo estabelecidas entre Brasil, África, América Latina, Ásia e Oceania e deixando um pouco de lado os Estados Unidos e a Europa do protagonismo. Isso se adequa aos estudos principalmente das cadeiras de Relações Internacionais, então é uma interdisciplinaridade mesmo. Quem sabe um dia a gente traz pessoas desses outros países para se unir à discussão.
Como foram escolhidos os convidados?
Aza Njeri: Além de mim e Fernanda, há outros professores como colaboradores: Carla Siqueira e Elaine Vidal, de Comunicação, Alexandre dos Santos, de Relações Internacionais, Daniel Castanheira e Sara Fagundes, de Artes Cênicas, e Ana Kfouri, de Letras. Juntos, a partir do entendimento do eixo “suleador” de cada dia, mapeamos pessoas que tinham algo interessante em termos de Améfrica Ladina para agregar ao debate e que também tivessem pesquisa no currículo. Era pouco um ator para falar da experiência de ator, queríamos um ator que também tivesse trabalho de pesquisador. Fomos olhando esses perfis e encaixando no mosaico dividido, basicamente, em teatro, performances em geral e audiovisual. As três grandes chaves presentes nas mesas.
Fernanda Bond: Escolhemos uma temática mais voltada a novas dramaturgias ou dramaturgias não hegemônicas do teatro. Não é apenas o texto, é também as escritas da cena nas suas mais variadas facetas. E temos o dia dedicado ao audiovisual, porque entendemos como a cena pode ser entendida por uma perspectiva expandida. Nesse caso, ela acolhe não só o teatro, o que primeiro vem à mente, mas também a dança, a performance, os rituais e o cinema. Independente do cinema ser uma arte mediada e do presente, é uma arte que visa a construção de cenas.
Como foram escolhidas as performances e os curtas que serão exibidos?
Aza Njeri: Os artistas são variados, mas privilegiamos a performance de alunos e ex-alunos de Artes Cênicas porque o Seminário também tem o papel de valorizar as produções da própria casa. Por exemplo, Luciana Bezerra, graduada em Letras pela PUC-Rio, que é cineasta premiada. Também Thiago Catarino que foi aluno de Artes Cênicas e fez mestrado na Universidade, tem uma performance que a gente já conhece. Fizemos uma certa curadoria, mas demos liberdade para os artistas. Separamos coisas muito legais e pluriversais, teremos um cenário artístico interessante e panorâmico.