Má conduta e missões sem paz
14/05/2009 14:00
Aline Veloso / Fotos cedidas pela ONU

Casos de abuso e exploração sexual (AES) cometidos por militares em missões de paz foram o tema da dissertação de Natalia Rayol, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Heróis ou Vilões? O Abuso e a Exploração Sexual por Militares em Missões de Paz da ONU apontou casos surpreendentes

 

O relatório de 2008 do Escritório de Serviços de Controle Interno da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que 73% de todas as notícias sobre má-conduta relacionadas à organização acontecem nas missões de paz. De acordo com a dissertação Heróis ou Vilões? O Abuso e a Exploração Sexual por Militares em Missões de Paz da ONU, de Natalia Rayol, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, casos de abuso e exploração sexual (AES) cometidos por militares em operações tornaram-se recorrentes ao fim da Guerra Fria. Com missões mais numerosas, consequentemente, casos de más condutas – violências contra civis, corrupção, suborno, entre outros – aumentaram.

 

Em 1989, houve apenas quinze missões de paz. No ano seguinte, o tamanho das forças militares em operações era de 13.700 homens. Até 1993, mais de 40 missões já haviam sido postas em prática. Hoje, as dezessete operações de paz atuantes envolvem cerca de 90 mil militares de 120 países. Mais de 80% dos refugiados salvos são mulheres, muitas perderam os homens da família e não possuem outras formas de subsistência.

 

Por isso, para a ONU, abuso sexual é definido, não apenas pelas relações não consentidas, mas também por utilizar-se da posição de vulnerabilidade do outro. Vítimas de AES têm de lutar contra o trauma da ação abusiva, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada sem suporte paterno. Segundo o relatório Mulheres, Guerra, Paz, de Elisabeth Rehn e Ellen Johnson Sirleaf, de 2002, entre 1990 e 1998, 6.600 crianças foram registradas como filhos de militares em ação de paz.

 

Foto de Marco Dormino, da ONU, no Haiti. Ao lado, mulher e filho recebem doação da WFP
(Programa Mundial de Comida, em inglês) em Gonaives, Haiti, após furacão Ike
Rayol atenta que as consequências negativas não são somente para as vítimas e que a preocupação não é apenas com a moral sexual dos militares. A credibilidade das missões de paz e da própria ONU é posta em discussão. Porque o objetivo da organização é promover a paz, mas o envolvimento dos militares em casos de AES e com prostitutas colabora para a marginalização das comunidades envolvidas.

 

A situação de pobreza extrema e de vulnerabilidade das mulheres e meninas não é desculpa para os casos de abuso e exploração sexual. Acabar com a pobreza não acabará com a prostituição. A exploração sexual muitas vezes também não acontece por subsistência. Muitas mulheres querem mais capital e vão atrás dos militares. Do mesmo jeito, para a ONU, o ato é um abuso e deve ser combatido.

 

O combate ao AES tem efetividade limitada. Apenas em 2003, Kofi Annan, então secretário-geral da ONU, demonstrou-se chocado com os fatos tratados na mídia e estabeleceu o conceito de AES e sua proibição. Os militares passaram a ter funções com código de conduta, horários para acordar e toque de recolher, territórios delimitados para circulação e investigadores. Essas medidas não solucionaram completamente o problema. A imunidade às leis locais e o estigma do papel de boa ação dificultam a punição adequada.

 

Acima, em reconhecimento de seus serviços,
contigente da Guatemala participa
de cerimônia de premiação. Abaixo,
contingente do Sri Lanka é homenageado
Tornou-se necessário explicar que, ainda que aceito em seu país, o abuso ou exploração sexual não é permitido nas missões. Segundo relatório da ONU, de 2005, sobre AES na Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (Monuc), crianças de até 6 anos fazem sexo com os militares em troca de comida, dinheiro, sabão e telefones celulares.

 

Contudo, não há sistematização dos casos pela ONU. Na dissertação de Natalia Rayol, a mídia foi o principal papel de análise. Das mais de cem matérias examinadas, praticamente todas constataram AES; as exceções foram missões de observação. Por acaso, essas missões contam com um número reduzido de militares, com trabalhos afastados. A Monuc (34%) e a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) (13,3%) foram as mais citadas.

 

Em seu trabalho, Rayol também analisa os treinamentos sobre AES ministrados no Exército e na Marinha do Brasil, principal país contribuinte de tropas para a Minustah. O Brasil sofreu apenas uma denúncia em cinco anos, em 2004. Natalia não constatou nenhuma nacionalidade recorrente, mas os soldados da Jordânia, Marrocos, Paquistão, Uruguai e Nepal foram os mais encontrados. Com exceção do Nepal, todos os países estão na lista das nações que mais contribuem com contingente humano.

 

Edição 215 

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