O relatório de 2008 do Escritório de Serviços de Controle Interno da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que 73% de todas as notícias sobre má-conduta relacionadas à organização acontecem nas missões de paz. De acordo com a dissertação Heróis ou Vilões? O Abuso e a Exploração Sexual por Militares em Missões de Paz da ONU, de Natalia Rayol, mestre
Em 1989, houve apenas quinze missões de paz. No ano seguinte, o tamanho das forças militares em operações era de 13.700 homens. Até 1993, mais de 40 missões já haviam sido postas
Por isso, para a ONU, abuso sexual é definido, não apenas pelas relações não consentidas, mas também por utilizar-se da posição de vulnerabilidade do outro. Vítimas de AES têm de lutar contra o trauma da ação abusiva, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada sem suporte paterno. Segundo o relatório Mulheres, Guerra, Paz, de Elisabeth Rehn e Ellen Johnson Sirleaf, de 2002, entre 1990 e 1998, 6.600 crianças foram registradas como filhos de militares em ação de paz.
(Programa Mundial de Comida, em inglês) em Gonaives, Haiti, após furacão Ike
A situação de pobreza extrema e de vulnerabilidade das mulheres e meninas não é desculpa para os casos de abuso e exploração sexual. Acabar com a pobreza não acabará com a prostituição. A exploração sexual muitas vezes também não acontece por subsistência. Muitas mulheres querem mais capital e vão atrás dos militares. Do mesmo jeito, para a ONU, o ato é um abuso e deve ser combatido.
O combate ao AES tem efetividade limitada. Apenas em 2003, Kofi Annan, então secretário-geral da ONU, demonstrou-se chocado com os fatos tratados na mídia e estabeleceu o conceito de AES e sua proibição. Os militares passaram a ter funções com código de conduta, horários para acordar e toque de recolher, territórios delimitados para circulação e investigadores. Essas medidas não solucionaram completamente o problema. A imunidade às leis locais e o estigma do papel de boa ação dificultam a punição adequada.
contigente da Guatemala participa
de cerimônia de premiação. Abaixo,
contingente do Sri Lanka é homenageado
Contudo, não há sistematização dos casos pela ONU. Na dissertação de Natalia Rayol, a mídia foi o principal papel de análise. Das mais de cem matérias examinadas, praticamente todas constataram AES; as exceções foram missões de observação. Por acaso, essas missões contam com um número reduzido de militares, com trabalhos afastados. A Monuc (34%) e a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) (13,3%) foram as mais citadas.
Em seu trabalho, Rayol também analisa os treinamentos sobre AES ministrados no Exército e na Marinha do Brasil, principal país contribuinte de tropas para a Minustah. O Brasil sofreu apenas uma denúncia em cinco anos, em 2004. Natalia não constatou nenhuma nacionalidade recorrente, mas os soldados da Jordânia, Marrocos, Paquistão, Uruguai e Nepal foram os mais encontrados. Com exceção do Nepal, todos os países estão na lista das nações que mais contribuem com contingente humano.
Edição 215