Irlanda: solução pacífica para um conflito armado
25/06/2007 16:00
Lucas Maia e Rafaela Reihoefer

O dia 8 de maio foi histórico para o Reino Unido. Depois de mais de 30 anos de conflito, foi instituído na Irlanda do Norte um governo misto, formado por adversários históricos: protestantes e católicos.

É possível que grande parte da população brasileira não tenha se dado conta de um fato, ocorrido no último dia 8 de maio, que marcou o fim de décadas de conflitos que mataram mais de 3.500 pessoas, especialmente entre os anos 1970 e 1990, no Reino Unido. Trata-se da criação de um governo conjunto formado por protestantes e católicos na Irlanda do Norte. Na data, Ian Paisley, fundador e presidente do Partido Unionista Democrático (DUP), pastor protestante que sempre defendeu a permanência da Irlanda do Norte como parte do Reino Unido, tomou posse como ministro-chefe do governo de coalizão. O cargo de vice-ministro foi ocupado por um antigo opositor de Paisley: Martin McGuiness, ex-combatente do Exército Republicano Irlandês (IRA) e hoje um dos líderes do partido católico Sinn Fein, braço político do IRA.

A proposta de instalação de um governo compartilhado surgiu no Acordo da Sexta-Feira Santa, de 1998, que estabeleceu a paz entre os grupos rivais. Depois de anos de negociação, em setembro de 2005, o IRA "largou as armas" com a declarada destruição de todo o seu arsenal. Em março de 2007, foram realizadas as eleições – tal como previsto no acordo de 1998 – para que a população escolhesse os representantes da Assembléia da Irlanda do Norte. Os partidos com o maior número de votos foram o DUP e o Sinn Fein.

A cerimônia que iniciou as atividades do novo governo, em maio deste ano, foi realizada no Palácio de Stormont, sede da Assembléia da Irlanda do Norte, em Belfast. Na ocasião, o primeiro-ministro britânico Tony Blair – considerado um dos orquestradores da coalizão – disse que a paz na Irlanda do Norte é um exemplo a ser seguido por outras áreas em conflito no mundo. Mas como o país – que já foi palco de inúmeros atentados terroristas, promovidos tanto pelo IRA como por milícias protestantes – conseguiu alcançar a paz? Será que a solução para a questão irlandesa se tornará uma referência mundial no combate eficiente ao terrorismo?

Ivi Vasconcelos, mestranda do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, estuda o conflito na Irlanda do Norte. Segundo ela, mais importante do que rotular um determinado grupo como terrorista é compreender as causas que defende.

– Todo movimento terrorista pratica atentados como forma de propaganda de uma causa. A idéia é conquistar o apoio da população e chamar a atenção para aquela questão. Um grupo terrorista só existe enquanto houver uma audiência, uma legitimidade dada pelo povo, analisa.

O IRA realizou diversos ataques no Reino Unido, inclusive contra civis. Ao mesmo tempo, grupos paramilitares protestantes atacavam católicos. Para Ivi, o processo de paz na Irlanda do Norte só se tornou possível quando, depois de vinte anos de conflito, a população reduziu o seu apoio a grupos radicais. Percebeu-se que a via parlamentar poderia ser mais eficaz para as conquistas políticas. "A chave do problema foi a iniciativa, que partiu dos partidos moderados, de trazer para a negociação os grupos radicais", avalia a mestranda. Ela considera que a grande questão em torno dos grupos terroristas é saber o que eles querem e para quem eles falam.

– A negociação só é possível com a inclusão das minorias, as populações mais pobres e marginalizadas, cuja causa os grupos terroristas supostamente defendem. A partir do momento em que são criadas vias de inclusão, dentro do sistema internacional, para os povos excluídos, os grupos terroristas tendem a se enfraquecer, porque o apoio a eles tende a diminuir, assinala.

 

Edição 188