Um mestre de fino estilo
21/07/2024 10:00
Editor Chefe

Arthur Dapieve fala com carinho sobre o eterno Fernando Ferreira

Artur Dapieve*

 

A morte do professor Fernando Ferreira enche-nos de tristeza, mas também reafirma uma certeza: ele cumpriu sua missão como jornalista, educador e inspiração para gerações de alunos da PUC-Rio. Fui e sou seu seguidor, aluno e discípulo.

Fernando ao lado do amigo e companheiro de trabalho, professor Miguel Pereira

Primeiro, fui seu seguidor, muito tempo antes que o termo ganhasse a moderna conotação de se acompanhar alguém nas redes sociais, até porque não as havia. Assim como os computadores ainda engatinhavam longe das nossas vistas e os celulares eram apenas adereços de filmes de ficção científica. Filmes. Adolescente e cinéfilo, eu seguia Fernando pelas críticas que ele – e o igualmente saudoso Miguel Pereira, seu grande amigo, falecido em 2019 – publicavam no jornal O Globo. Guardava-as, com as de alguns de seus colegas, em pastas. Pastas mesmo. De papel, de recortes para consultar.

Depois, quando entrei para cursar Comunicação Social na então PUC-Rio, no primeiro semestre de 1982, ainda na vigência hostil da ditadura militar, estabelecida no Brasil 18 anos antes, eu estava incerto se faria Jornalismo ou Publicidade e Propaganda, a outra habilitação disponível. Sabia, apenas, que eu queria era escrever. Nas máquinas de escrever que ficavam numa única sala do quinto andar. A sintonia que senti com colegas – inclusive Adriana, filha de Fernando – e professores de Jornalismo conduziu-me sem maiores hesitações para essa habilitação na qual ainda ganho a vida.

Fui honrado aluno de Fernando em várias disciplinas: técnica de redação, edição de jornal (sob a sua supervisão, os alunos do departamento publicavam o tabloide “Flor do Campus”) e eletivas de Cinema. Foi um incrível privilégio e um infinito deslumbramento aprender com seus conhecimentos, sua didática, seu carisma. Grandes professores são feitos desses materiais, temperados por generosidade e severidade. Quando chegou a hora de escolher um assunto e um orientador ou uma orientadora de TCC, expressão desconhecida na época, aliás, eu nem pisquei. E ele topou.

Fernando propôs o tema e orientou minha monografia sobre a relação entre os ideogramas orientais e a montagem nos filmes do soviético Serguei Eisenstein (“O encouraçado Potemkin”, entre outras obras-primas). Não só me guiou. Emprestou-me os seus exemplares, em inglês, capa dura, dos livros teóricos de Eisenstein, coisa rara e preciosa. Em tempos de comércio globalizado, livrarias virtuais e e-books é impossível transmitir o fascínio que era pôr os olhos – e as mãos! – em hardcovers como aqueles.

Formei-me na metade de 1985, fazendo cursos noturnos de verão com Miguel – em pleno Rock in Rio! – para adiantar créditos e sair mais cedo da universidade. Precisava começar a trabalhar, e rápido, nos poucos frilas disponíveis, alguns indicados por Fernando. A ironia foi que a minha primeira carteira assinada veio na própria PUC, no começo do ano seguinte. De aluno passei a professor, mas nunca me senti colega de Fernando. Ele estava em outro patamar, eu só poderia ser seu discípulo.

Porém, naquele começo de vida docente, eu estava mais para imitador mesmo. Designado para dar Técnicas de Redação no curso noturno, peguei minhas anotações e lembranças das aulas que tivera com Fernando e botei num caderninho espiral (que conservo até hoje). Repassei desavergonhadamente, a alunos que até pouco eram meus colegas de pilotis, os ensinamentos do mestre. Eles abrangiam de normas de redação – que posteriormente Fernando transformaria nas do Projeto Comunicar – a dicas de estilo. Fino estilo. Ele não era apenas crítico de cinema, mas também, e sobretudo, copidesque no jornal O Globo. Pingava seu humor cáustico em impropriedades alheias.

Se aprendi a escrever para jornais e revistas com o Fernando, e dizer que lhe sou eternamente grato seria sutil demais, parecia-me justo que eu passasse adiante a Palavra. Quer dizer, as palavras, os pontos, as vírgulas, a clareza expositiva, o autoexame implacável, bem como a capacidade de reconhecer erros, acertos e peculiaridades. Um copidesque de textos, não de pessoas. Lembro-me de Fernando repetindo o que disse a um aluno, Fausto Fawcett: “Rapaz, você escreve muito bem, mas não é jornalista!” Não era mesmo: era o cronista musical deste nosso Rio 40 graus. Fernando, rigor e candura.

 

* Arthur Dapieve é professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio.

LEIA DEPOIMENTOS DE ANTIGOS ESTAGIÁRIOS E FUNCIONÁRIOS QUE CONVIVERAM COM FERNANDO FERREIRA

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