Nação verde-amarela
06/09/2023 18:08
Carolina Bottino

Professor de História analisa os diferentes significados do 7 de setembro

Foto: Rafaela Biazi/Unsplash

Há 201 anos, Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil à Corte Portuguesa sob as margens do rio Ipiranga, em São Paulo. Uma data polêmica, celebrada por muitos como símbolo do patriotismo brasileiro, e por outros como maneira de questionar os rumos socioeconômicos do país.

O Brasil era chamado de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, antes da Proclamação da Independência. Com relação próxima, a colônia já exercia papéis importantes na economia e política do país europeu. Após a volta de Dom João VI para as terras lusitanas, no entanto,  uma série de fatos impulsionaram a Proclamação da Independência do Brasil. Assim, ao longo de dois séculos, o governo brasileiro estabeleceu a tradição de celebrar a data como símbolo da unidade nacional.

Durante as comemorações seguintes, foi montada a Exposição Comemorativa do Centenário da Independência, em 1922, enquanto que nos 150 anos da data, parte da ossada de Dom Pedro I foi trazida de Portugal para percorrer o Brasil nos desfiles que relembravam o episódio. Para o bicentenário, o coração do Imperador foi exibido durante quatro dias no Palácio do Itamaraty, em Brasília. O significado de trazer os restos mortais do monarca divide opiniões, mas acredita-se que a homenagem representa a lembrança de quem trouxe liberdade econômica e política para o país.

Em 1995, surgiu o Grito dos Excluídos e Excluídas, série de manifestações que, desde então, ocorre anualmente durante a semana do dia da Independência do Brasil. O objetivo dos protestos é dar visibilidade e discutir um tema presente na sociedade. Este ano, o grupo vai debater a questão “Você tem fome e sede de quê?”. Para entender melhor o contexto das comemorações, o professor Felipe Azevedo, do Departamento de História, explica o simbolismo da data.

Professor Felipe Azevedo, do Departamento de História. Foto: Reprodução TV PUC

Historicamente, é tradição a realização dos desfiles de 7 de setembro Após o último governo, a visão dos brasileiros sobre essa tradição foi alterada? E a noção de patriotismo?

Acredito que existe uma espécie de ressaca devido a certos acontecimentos, e talvez por isso a tradição dos desfiles cívicos esteja um tanto quanto manchada. A partir do momento em que determinado grupo político utiliza do patriotismo durante a celebração da Independência para um ato de campanha, e algum tempo depois, se vê envolvido em escândalos de corrupção, para o povo brasileiro, não tem como não relacionar esses símbolos nacionais - as cores da bandeira e o hino - às pessoas que os utilizaram e consequentemente, seus escândalos políticos.

Qual o impacto que o grito dos excluídos possui atualmente, 28 anos após a primeira manifestação? 

O grito dos excluídos deste ano vai debater o acesso à alimentação e à água, tema fundamental em um momento em que existe uma virada na balança do poder em que  busca-se contemplar uma maior distribuição das riquezas, com uma forte agenda ambiental. As manifestações ecoam uma demanda social muito grande, mas seu impacto é pequeno diante da importância do debate que ele faz, tentando mostrar as necessidades de uma sociedade diversa e plural, que muitas vezes é sufocada por essa ideia de um estado unificado, como se todos os brasileiros tivessem o mesmo projeto de vida e nação. É importante falar o quanto o processo de união nacional também é excludente, pois além de brasileiros, existe a parcela mais pobre da sociedade, os descendentes de escravizados e aqueles que possuem as terras cobiçadas pelo agronegócio.

Como o 7 de setembro contribui para a formação de uma identidade brasileira? 

O dia da Independência sempre foi associado a símbolos cívicos, o verde e amarelo da bandeira, o hino nacional, e os desfiles foram tradicionalmente protagonizados pelas instituições que estavam no poder. É necessário refletir, em relação à identidade nacional, de que maneira a data contempla os desafios e projetos políticos de determinados grupos.

Ao longo dos anos, quais foram as principais mudanças na celebração da Independência? 

Em 1922, no centenário, houve uma grande festa no Rio de Janeiro, que buscava mostrar a urbanização do país, com festas, pavilhões, espetáculos de luzes, tecnologia, mas às custas do povo pobre que morava na capital, após a demolição do Morro do Castelo. Hoje,  existe um debate maior sobre o que é necessário ser repensado em termos de mudanças e políticas públicas. Nos 150 anos, em 1972, na ditadura, mais uma vez tivemos festas que evidenciaram a importância de uma unidade política de país, um discurso cívico que se relaciona a quem está no poder. Nesse caso, a ditadura busca integrar um desenho militarizado em que as Forças Armadas representam uma nação unitária, e que os brasileiros deveriam se unir em torno de um ideal patriótico unificado. Tanto em 1922 quanto 1972 buscou-se pensar nos fatos históricos, elementos importantes para construir uma memória coletiva de criação desse imaginário nacional. Esse imaginário dos anos 1970 voltou à tona ano passado, mas com uma linguagem mais direta, como forma de campanha política.

Como o dia da Independência poderia ser celebrado este ano?

O que deveria ser comemorado é a questão da diversidade, presente nos atos dos movimentos sociais que fazem parte do Grito dos Excluídos. Hoje, temos uma agenda política mais progressista, inclusiva e diversa. Pensar em Independência é justamente repensar nessa cultura histórica, e na memória pública e coletiva. Deixar de entender o Brasil em torno de uma história linear e única, e pensar nos diferentes conflitos que essa Independência acarretou e como podemos reconstruir essas narrativas para tentar dar conta dos problemas sociais que temos hoje. Assim, conseguimos dar mais complexidade a uma festividade como essa para além de apenas contemplar um pavilhão verde-amarelo, sem um pensamento crítico sobre como é a nação que queremos. Refletir sobre projetos de nação mais diversos e inclusivos deveria ser o tema das próximas celebrações da Independência.

Mais Recentes
Os vários papéis da polícia no Mundo Atlântico
Encontros da História da PUC-Rio reuniram palestrantes da Itália, México e Brasil
O 'Solidarismo' e os tempos atuais
Obra de Pe. Ávila é relançada em seminário na PUC-Rio
Alunos terão desconto em moradia universitária
PUC-Rio fechou parceria com Uliving, maior rede deste tipo de serviço no país