Celebrar a Semana da Consciência Negra é reconhecer que aqueles que ajudaram a construir a história civilizatória do Brasil foram e continuam sendo excluídos em nossa sociedade. É triste ver as estatísticas desta exclusão, é perverso conviver com um racismo estrutural, simplesmente em razão da cor da pele, sobretudo numa sociedade que deveria se orgulhar pelo seu processo de miscigenação. A falta de humanismo, de políticas sociais mais inclusivas, e de uma visão mais sistêmica do ser humano, criado à imagem e semelhança do Criador, acaba gerando preconceitos, exclusões e racismos que desumanizam e diminuem a dignidade da pessoa humana.
Seria tão nobre não só uma atitude penitencial por milhares de nossos irmãos africanos que vieram para o nosso país e tiveram suas vidas ceifadas pela injusta escravidão, mas também pelo reconhecimento do legado cultural que a raça negra deixou na cultura nacional e no sangue que corre nas veias da maioria dos brasileiros. Uma cultura marcada pelos valores e princípios do cristianismo deveria ter um olhar sobre o ser humano mais profundo, como nos ensinou o mestre Jesus Cristo, ultrapassando os estereótipos que geram exclusões e discriminações.
Infelizmente, mesmo com algumas conquistas nos últimos tempos, temos muito a melhorar para eliminar as chagas que ferem, excluem e provocam injustiças contra a raça negra. Nosso olhar superficial sobre o ser humano, sobretudo os mais pobres e excluídos, ainda necessita de uma conversão para curar a miopia que nos impede de ver o ser humano com os olhos de Deus.
Ao comemorar mais um ano da Semana da Consciência Negra, a PUC-Rio se sente orgulhosa de testemunhar os esforços em prol da inclusão educacional, pelos seguintes motivos: por termos no passado,no nosso quadro docente, um ícone do movimento negro no Brasil, a professora doutora Lélia Gonzalez, cuja convivência no meio acadêmico deixou marcas fortes de luta inteligente em prol da cultura afrodescendente. Por ter passado pela nossa Universidade uma aluna, Marielle Franco, que marcou presença significativa na vida política, mas que, infelizmente, foi injustamente assassinada. Pelos inúmeros eventos e publicações realizadas na PUC-Rio em defesa da cultura negra, em que tivemos a honra de contar com a presença de vários ícones religiosos e políticos, entre eles Abdias do Nascimento, Ivanir dos Santos, Mãe Beata, entre outros. A criação do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA) da PUC-Rio é um testemunho concreto da importância desta temática para a sociedade local, nacional e internacional. A elaboração de uma cartilha inspiradora na formulação de políticas públicas para proteger as religiões de matrizes afrodescendentes, organizada por alguns departamentos da Universidade, foi uma iniciativa louvável que não podemos esquecer.
Finalmente, pelo pioneirismo de nossa política de inclusão, por meio de Bolsas de Filantropia, Ação Social e Prouni, em que a maioria dos beneficiados foram os de origem afrodescendentes, incluindo o nosso fundo emergencial de solidariedade (FESP), que auxilia com vales transporte e alimentação.
Ficamos gratificados pelas inúmeras mensagens de agradecimento e gratidão que a cada ano recebemos de famílias pobres beneficiadas, cujos filhos concluem o ensino superior na Universidade. Tudo isso revela o quanto a nossa Universidade está aberta para acolher e conviver com as diferenças de raças, cores e religiões. As pesquisas mostram que nos últimos 30 anosmuitos jovens foram e continuam sendo beneficiados com a nossa política de inclusão, cujosos beneficiados são, na maioria, afrodescendentes.
Padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J. – Reitor da PUC-Rio