Martins Pena, há cem anos em cena
18/08/2008 14:47
Jéssica Fusco e Sarah Lemos / Foto: Felipe Correa

Palco de grandes nomes como Cecília Meireles, Olavo Bilac, Procópio Ferreira, José Wilker e Joana Fomm, a escola de teatro quase fechou em 2006 e por isso ganhou destaque na imprensa. Depois disso, vieram a mudança na direção, os investimentos, as reformas e as obras. E, no ano de seu centenário, o recebimento da Medalha Pedro Ernesto celebrou sua renovação.

Procópio Ferreira estudou na turma de 1914
Jovens berrando, fantasiados e falando sozinhos pode parecer estranho em um ambiente de ensino, mas na Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena, que fica no Centro do Rio, esta é uma cena comum. Há cem anos formando atores, a instituição, que foi palco de grandes nomes como Procópio Ferreira e Joana Fomm, nem sempre esteve em boas condições para receber os seus alunos. Em 2006, a demissão de metade do quadro de professores e a falta de recursos para manter a infra-estrutura mobilizaram os alunos e chamaram a atenção da imprensa. Com uma história marcada por altos e baixos, a escola se reergueu mais uma vez.

 

Há dois anos, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Cultura – Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), a escola, que já teve como professores os poetas Olavo Bilac e Cecília Meireles, estava praticamente abandonada. Em agosto do mesmo ano, a então presidente do Grêmio, a aluna de Ciências Sociais da PUC-Rio Aline Franca, atual estagiária do Centro de Memória Luiza Barreto Leite, da Martins Pena, se juntou a outros estudantes, e foram para a frente da Funarj pedir uma solução. “A Martins Pena estava em condições precárias, praticamente iria fechar. Sete professores foram mandados embora, não tinha nem segurança. Consegui chamar a imprensa e trazer atenção para a escola”, relembra Aline.

 

O fato ocasionou a mudança da administração para a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), que começou a tomar algumas providências. A única instituição pública de teatro de nível médio no Brasil mudou a direção, recebeu novos investimentos e garantiu a formação dos alunos. “A situação era o reflexo do não reconhecimento da importância da cultura na formação do homem e do cidadão”, acredita Marcelo Reis, diretor da Martins Pena desde a entrada da Faetec. Quando ele assumiu, as coisas começaram a melhorar. “Antigamente nós sentíamos que a escola era bem jogada, agora estamos mais estimulados, porque tem alguém prestando atenção nela”, afirma Rômulo Rodrigues, estudante da Martins Pena desde o início de 2006. Hoje, a escola passa por uma obra e recebe um anexo com novas salas, que será inaugurado ainda este mês. 

 

Com a recuperação, veio uma das melhores formas de reconhecimento. Em junho deste ano, a escola ganhou a Medalha Pedro Ernesto, entregue a figuras de destaque da sociedade brasileira.

 

- Ser reconhecido pelo centenário é o auge de todo um projeto de recuperação da memória da escola, que é importantíssima, devido às pessoas que passaram por aqui, ressalta José Antônio Sepúlveda, coordenador do Centro de Memória.

 

E foram muitas, algumas delas bem conhecidas do grande público, como a atriz Dira Paes. Mas provar que todas estudaram na escola é um grande desafio, já que os arquivos dos alunos precisam ser reorganizados, e muitos ainda não foram encontrados, principalmente os da época da ditadura militar. Para se ter uma idéia, os documentos ficavam totalmente largados no chão do banheiro. “Tem muito a ser recuperado, tarefa pára vários anos”, admite Sepúlveda.

 

A dificuldade de encontrar documentos faz com que muitas histórias se perpetuem sem realmente serem comprovadas. As mais famosas contam que o cantor Cazuza e o jornalista Carlos Lacerda estudaram na instituição. Entre as confirmadas, está a de que Procópio Ferreira, de vez em quando, apanhava de um colega de classe, que seria Nilton Sucupira, mais tarde, uma importante figura na ditadura militar. A situação chegou ao ponto de Procópio escrever uma carta para Coelho Neto, na época diretor da escola, reclamando do incidente.

 

Um palco de muitos sonhos

A fama da escola ultrapassa fronteiras. Já passaram por lá pessoas de diversos lugares do país e do mundo, como da Itália, Rússia e principalmente África. Há onze meses no Rio, Wellington Dias veio sozinho do Amapá só para estudar teatro. Atuando desde 2002, ele viu na cidade a oportunidade de aprimorar-se. Como já tinha ouvido falar da Martins Pena, decidiu fazer a prova e passou.  “A Martins tem profissionais muito talentosos. Aqui acabamos convivendo como uma família”, destaca o aluno.

 

Por ser uma instituição pública e de qualidade, a procura por uma vaga é grande.  O número de inscritos para realizar o processo seletivo gira em torno de 300 pessoas por semestre. Apesar disso, apenas 40 alunos são aprovados. “A escola dá a oportunidade de realizar um sonho de se tornar ator. Quem não tem dinheiro para pagar, vem para cá e faz um concurso superdisputado”, diz o coordenador Sepúlveda. Para entrar na escola, é necessário passar por uma banca, onde o candidato é julgado por sua interpretação e depois faz uma prova. “A Martins está provando, e sempre provou, que a educação pública pode ter qualidade e ser referência no ensino de arte dramática”, garante o diretor Marcelo Reis.

 

Muita história

Fundada por Coelho Neto, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1926, a Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena homenageia o teatrólogo Luís Carlos Martins Pena, considerado o fundador da comédia de costumes no teatro brasileiro e escritor de peças como O juiz de paz na roça, de 1842. A instituição nasceu em 1908 com o objetivo de ser revolucionária, preparando atores de uma forma diferente, mas não foi o que ocorreu na prática. A supervalorização da fala e a pouca importância dada ao corpo foram marcas registradas no início da nova escola. “Isso se observa pelos professores que, no começo, são muito ligados à escrita, como a Cecília Meirelles. Com o tempo, a idéia do corpo vai ganhando espaço”, afirma Sepúlveda.

 

Apesar de querer inovar na arte da interpretação, a Martins Pena já nasceu em crise. A primeira turma surgiu apenas em 1911. Foi difícil conseguir um lugar para a escola, que, após algum tempo, alojou-se no Teatro Municipal. “Até chegar aqui, em 1950, ela passeou por vários lugares”, conta Sepúlveda. A atual sede é a casa onde nasceu o Barão do Rio Branco. Por conta disso, circula na escola a lenda de que o espírito do Barão ronda o prédio durante a noite. 

A escola não possui nenhum livro publicado com sua história. Para deixar registrada e torná-la pública, o Centro de Memória está preparando dois livros em fase de captação de recursos, e um documentário em pré-produção.

 

Jornal 203

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