A manifestação contra os cortes de verbas anunciados pelo Ministério da Educação (MEC) reuniu vozes diversas, do professor ao advogado, de estudantes a aposentados, na Candelária, no dia 15. Os organizadores do movimento declararam que mais de 100 mil pessoas caminharam, de forma pacífica, pelas ruas do Centro do Rio para reivindicar por melhorias na educação e prioridade no investimento no ensino público. Durante toda a tarde, era possível ouvir palavras de ordem, algumas que definiam o desejo de todos como: “A nossa luta unificou, é estudante junto do trabalhador”.
O foco do protesto foi a educação, mas também ocorreram discussões sobre a Reforma da Previdência, movimento negro, LGBTQIA+, e pautas relacionadas ao governo estadual, como o projeto de lei que visa acabar com as cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Um casal de idosos acompanhou a manifestação de mãos dadas, e eles se definiram como “veteranos de 68”. O grupo Tricolores de Esquerda participou da passeata para apoiar o movimento dos estudantes pois, para os integrantes do coletivo, uma economia forte de um país só vai para frente com a educação.
Ao longo do dia, foi possível observar a presença de várias famílias, como foi o caso de Rozeli Cordeiro, de 50 anos, e a filha Manoela Cordeiro, de 10 anos. A mãe contou que foi para a manifestação a pedido da filha, estudante do Colégio Pedro II, unidade São Cristóvão. Elas protestavam contra o corte de verbas na educação, e Rozeli afirmou que tinha esperança na educação, mas se decepcionou com os acontecimentos recentes.
- Ela (se referindo à filha) quis fazer o cartaz, e disse ‘mãe, se você não for lá lutar, no meio do semestre não vai ter dinheiro para luz, água e segurança no colégio. Com isso, o professor vai parar de dar aula e vai entrar em greve por meses. Vim aqui para lutar pelo futuro da minha filha.
O protesto também reuniu pessoas de outras profissões não relacionadas diretamente à área da educação. Uma delas foi o advogado aposentado André Acher, que afirmou não ver saída para a crise que não envolva o investimento na cultura. Na opinião dele, o currículo escolar abrange uma variedade muito extensa de conteúdos, que não são explicados de forma aprofundada. A consequência disso, explicou, é que muitos alunos se formam sem terem realmente fixado o conteúdo. Ele comparou os cortes determinados pelo governo a um assassinato e criticou a meritocracia.
- Eu sempre estudei em escolas públicas, e acho um absurdo que as pessoas não têm acesso garantido à educação. E depois se fala em meritocracia, quando, na verdade, meia dúzia tem dinheiro para frequentar a escola. Por isso, é necessário que se discuta o tipo de educação que queremos oferecer no Brasil, um país onde o nível de cultura ainda é, infelizmente, muito baixo.
A criminalização do professor foi o que motivou Janaína Neri Viana, professora de português e literatura da rede pública, a comparecer ao protesto. Para ela, governo e população ainda não reconhecem a importância da profissão. Janaína acredita que os baixos salários são um reflexo desta realidade, e ressaltou que é preciso muito esforço para ocupar a posição de educador.
- No nosso exercício de aprimorar o senso crítico e estimular o pensamento, que é o nosso trabalho, estamos sendo chamados de doutrinadores. É um desconhecimento completo do que é o papel do educador. Estamos ali fazendo trabalho de formiguinha, transformando vidas, e é nisso que tem que se pensar.
Servidora da rede municipal de Niterói há 15 anos, Oraide Soares, de 55 anos, é merendeira e lembrou que a educação de base vem sendo sucateada há algum tempo. Ela relatou que não só a educação pública como todos serviços públicos deveriam ser referência para serviços privados. A merendeira criticou o fato de a sociedade brasileira não reivindicar os seus direitos.
- Nós, cidadãos, queremos que nossos recursos sejam bem administrados, mas precisamos participar e cobrar dos políticos, se não participamos de uma manifestação dessas, permitimos que eles continuem destruindo a educação pública.
Ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, Chico Alencar discutiu e votou o orçamento para o ano de 2019. Ele afirmou que já era um número limitado para pagar juros e serviços da dívida e considera que este contingenciamento é uma “involução” do governo. Alencar lembrou que não foi dada uma razão técnica para os cortes e que estes prejudicarão não só o funcionamento das universidades e institutos federais, como a imagem do país no exterior.
- É uma política indiscriminada que cortou 30% do setor da educação e 95% do orçamento do meio ambiente. A educação é central, sem ela, nenhum país se desenvolve. Com certeza, vai acabar prejudicando mais ainda a imagem do país no exterior. Mas o Brasil é maior que isso tudo, os idiotas estão no poder, os que são úteis para o país estão nas ruas.
A Pró-reitora de Extensão da UFRJ, Maria Mello, comentou sobre a importância das universidades públicas para realizar ensino, pesquisa e extensão que emancipem e desenvolvam a sociedade brasileira. Segundo ela, os cortes vão comprometer a autonomia de pensamento, produção científica, artística e social para a construção de um país cada vez mais desenvolvido e voltado para os interesses do povo. Maria também enfatizou que as melhorias na educação vão além de investimentos financeiros e que a ampla participação popular é importante.
- Nossa experiência de construção democrática dos planos nacionais de educação é muito recente e muitíssimo importante de ser preservada. A participação da sociedade civil organizada, com os conselhos municipais, estaduais e nacional de educação, é um instrumento fundamental neste processo. Os docentes, estudantes e técnicos envolvidos na complexa atividade de educar têm que ser mais ouvidos no âmbito das formulações dos planos e das ações de educação, especialmente no cotidiano dos locais de trabalho. Os governos têm que ouvir mais os trabalhadores para avançar.