Sessenta anos sem o pai da Emília
11/09/2008 18:00
Thais Sant'Anna/ Foto: Ludmila Zorzi

Em 1948, Monteiro Lobato virou gás inteligente, modo como definia a morte. Dono de fortes ideais nacionalistas, foi crítico da ditadura de Vargas, e chegou até mesmo a ser preso. Em entrevista ao JORNAL DA PUC, o doutorando em Letras da PUC-Rio André Moura fala sobre a vida do escritor.

André Moura está escrevendo sua tese de Doutorado sobre Monteiro Lobato

Era uma vez um paulistano de Taubaté que gostava de contar histórias. José Bento Monteiro Lobato, o criador de Sítio do Pica-Pau Amarelo, se formou em Direito, mas percebeu logo cedo que gostava mesmo era de escrever. Começou trabalhando para jornais locais, e criou um de seus personagens mais conhecidos em um artigo de denúncia sobre as queimadas no Vale do Paraíba: Jeca Tatu, um interiorano preguiçoso e adepto da lei do menor esforço.

 

No Natal de 1920, lançou sua primeira história infantil, A menina do narizinho arrebitado, na qual nasceram personagens como Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Tia Nastácia e a boneca Emília. A história fez muito sucesso, e Lobato escreveu outros episódios sobre o mesmo tema, recuperando costumes da roça e lendas do folclore nacional.

 

Lobato não mediu esforços para estreitar as relações comercias entre Brasil e Estados Unidos enquanto foi adido comercial em Nova York. Escreveu relatórios que apresentavam soluções para os problemas econômicos do país, participou de campanhas e se empenhou para torná-lo mais moderno e próspero. Ele acreditava que ferro, petróleo e estradas eram o tripé do progresso.

 

Suas idéias desagradaram adversários poderosos, e, em 1941, o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) decretou sua prisão. Após três meses, uma campanha de intelectuais e amigos fez com que Getúlio Vargas mandasse soltá-lo. Mesmo assim, Lobato ainda denunciou torturas e maus-tratos praticados pelo Estado Novo. Por isso, a perseguição continuou, e o TSN chegou a pedir a apreensão e destruição do livro Peter Pan, adaptado por Lobato.

 

Há 60 anos, virou “gás inteligente”, como definia a morte, e deixou uma imensa obra para crianças, jovens e adultos. O doutorando em Letras André Moura conta, em entrevista para o JORNAL DA PUC, mais sobre a vida do escritor.

 

JORNAL DA PUC – Monteiro Lobato foi um autor ousado para seu tempo?

André Moura - Extremamente ousado. Alguns trechos de seus contos para adultos possuem passagens muito modernas. Ainda assim, ele possuía um talento especial que não permitia que seus textos se tornassem incompreensíveis.

 

JP ­– Como foi a reação dos leitores a sua obra?

André - Ele era um sucesso completo. O mais interessante é que ele interagia com os leitores, trocando cartas com as crianças que sugeriam histórias, discordavam de finais. Lobato tinha a consciência da importância do leitor tanto no processo de escrita quanto na recepção do texto.

 

JP – Ele usava seus personagens para fazer críticas à sociedade e falar o que pensava?

André - Sim, ainda que não fosse um homem de se esconder atrás de construções literárias. Ele era crítico, um pensador de seu tempo. Todas as suas atuações eram facetas de uma única preocupação com o Brasil autônomo, afirmando a identidade nacional sem "macaquear" o outro nem deixar de dialogar com o exterior. 

 

JP – O modo como mesclava realidades duras como a Segunda Guerra Mundial com fantasia foi chocante na época?

André - Inovador, eu diria. E, como toda inovação, cai como uma semente benfazeja em mentes abertas, solos férteis. E floresce. Já em solos pantanosos, de difícil penetração, não germina. A idéia era que as crianças entrassem em contato com a dura realidade por intermédio da fantasia. A fantasia como crítica da realidade.

   

JP – Lobato era engajado politicamente?

André - Sim, mas não da maneira usual. Ele nunca se filiou a nenhum partido político, ainda que tenha dado apoio a Luiz Carlos Prestes. Toda sua obra literária, toda sua vida pessoal e suas ações em diversos campos são um testemunho de seu engajamento político.

 

JP – Por que ele foi perseguido durante a ditadura de Vargas?

André – Ele era extremamente destemido, não media conseqüências quando era para defender uma idéia, um projeto de vida, ou melhor, um projeto de nação. Nunca foi covarde. Lobato bateu na tecla de que o Brasil tinha petróleo e que deveria ter independência para explorar o seu próprio recurso natural. E o fez de forma tão aguerrida que teve como resultado a prisão. Suas cartas a Getúlio Vargas eram contundentes e de maneira gradual, o autor de O Escândalo do Petróleo e de O poço do Visconde  foi se tornando uma persona non grata.   

 

JP – Qual a importância de Monteiro Lobato para a literatura nacional?

André - Monteiro Lobato é um nome de grande importância para a literatura nacional não apenas em termos de originalidade de temas, mas também por conta de seu estilo, com sua verve sagaz, que antevia questões contemporâneas. Hoje em dia, a crítica literária começa a superar a questão da querela "Lobato x modernistas", vislumbrando que ele foi, em certos casos, muito mais vanguardista que outros que brandiam furiosamente tal bandeira. Além disso, sua atuação como editor foi pioneira para uma maior disseminação da literatura nacional.

 

 

Edição 205

 

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