Modernidade em Portugal do século XIX
25/09/2008 17:16
Mabele Bemfeito

Composto por textos escritos em diferentes momentos, o livro Tiranias da Modernidade, da professora Izabel Margato, do Departamento de Letras da PUC-Rio, analisa a experiência de Portugal diante das transformações com que a modernidade se instalou nos grandes centros europeus. Para a autora, além do sentido de renovação associado ao termo, a modernidade traz consigo uma força “desintegradora”. A obra, editada pela 7 Letras, une escritos inéditos a outros publicados anteriormente.

Izabel Margato, professora de literatura portuguesa do programa de pós-graduação em Letras da PUC-Rio, lança o livro Tiranias da Modernidade, pela Editora 7Letras. Ela é pesquisadora da cultura e literatura portuguesa contemporânea e coordena a Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses. Com doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutorado pela Universidade Nova de Lisboa e pela Universidade de Lisboa, Izabel é autora do livro As saudades de 'Menina e moça', além de ser autora de artigos sobre a obra de José Cardoso Pires, Eça de Queirós e Almada Negreiros

 

Jornal da PUC – Os ensaios do livro foram escritos especificamente para Tiranias da Modernidade, ou foram escritos ao longo da sua vida acadêmica?

Izabel Margato - Alguns deles foram escritos especialmente para o livro, outros não. Na verdade, o livro foi composto por textos escritos em diferentes momentos: alguns são inéditos; outros foram publicados em revistas que se encontram esgotadas; dois deles – os mais antigos – foram retomados e reescritos e outros acabaram de “sair do forno”, como o texto Realismo, ou a arte de criar mundos. Todos eles, no entanto, foram agrupados a partir de uma questão comum: as Tiranias da Modernidade.

 

JP -   Qual é a compreensão de modernidade que os leitores encontrarão no livro? Como se caracterizou essa modernidade portuguesa?

Izabel - Na segunda metade do século XIX, a modernidade se instala em Portugal como um lugar tenso, devido à distância que o separava dos grandes centros da Europa. Esse lugar também é tenso porque significa, simultaneamente, a consciência de se estar “dentro” e ao mesmo tempo “de fora” desse processo de transformação renovadora por que passaram as grandes metrópoles da Europa. Dito de outra forma, a Geração de 70 portuguesa, formada por uma elite intelectual promissora e recém saída da Universidade de Coimbra, ao mesmo tempo que se via integrada às idéias avançadas que dão forma à modernidade, percebia o descompasso de Portugal, a sua fragilidade, quando comparado aos grandes centros europeus, como Paris e Londres. Esse sentimento contraditório vai desencadear um amplo projeto de modernização da sociedade portuguesa, cuja ação ficou registrada em muitas das manifestações culturais da época, com merecido destaque para as obras de Eça de Queirós. É com a análise de alguns de seus romances e de algumas de suas farpas que os três primeiros artigos foram escritos. Posteriormente, a consciente reação a esse descompasso vai alargar-se, embora em diferença, nos versos de Cesário Verde, Fernando Pessoa e Almada Negreiros. São mudanças de percepção em relação ao ‘Outro’, mas são também novas configurações de um ‘Eu’ que agora caminha num sentido marcado por desdobramentos e fragmentações – mais moderno, portanto, mas ainda um lugar tenso. Os quatro últimos artigos do livro Tiranias da Modernidade analisam as novas configurações da modernidade portuguesa nas obras desses autores.

 

JP -  O que a senhora quis dizer especificamente com o título Tiranias da Modernidade?

Izabel - O título é impactante, eu sei. A capa também é. A capa foi feita por Mariana Avillez, da Editora 7 Letras, e eu acho que a Mariana captou muito bem uma certa imagem que o livro pretende passar. Trata-se da experiência difícil, vivida por alguns países, diante das transformações com que a modernidade se instalou “a todo vapor” nos grandes centros europeus. O termo “tiranias” é a contra face da experiência exaltante e promissora que constitui a modernidade. O que pensamos de imediato diante do termo “modernidade” reporta-nos para uma realidade nova, que brilha e se renova continuamente com seus  projetos e possibilidades. Entretanto, a Modernidade possui também um lado de tirania, com muitos desdobramentos e significações. Dito de outra maneira, se modernidade possui por um lado uma força contagiante e agregadora, por outro, ela é também excludente e desintegradora porque expulsa o que não estiver “dentro” ou de acordo com o seu horizonte de expectativas e transformações. O que não couber nesse horizonte, ou não se ajustar a ele, vai ser expulso como uma sobra, um resíduo que vai ficar “fora de lugar”, como estavam “sem lugar” os escombros amontoados do lado de fora do reluzente Café de que nos fala Baudelaire, no poema Os Olhos dos Pobres.

 

JP - Qual a herança que esses autores dos séculos XIX e XX nos deixaram?

Izabel - Eu diria que a melhor herança que recebemos desses autores portugueses está na grande qualidade de suas obras literárias, mas ela está também na especificidade seus projetos de modernização da sociedade portuguesas. É importante rever o posicionamento desses intelectuais, as propostas revolucionárias com que imprimiram outros ritmos e outras configurações à modernidade portuguesa.

 

 

Edição 206

 

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