Quero ser forte: o vício de malhar demais
25/09/2008 14:00
Thais Sant'Anna/ Foto: Ludmila Zorzi

Os jovens estão perdendo a noção de até que ponto devem se exercitar. A vontade de se tornar mais forte virou uma doença que afeta cada vez mais gente.

Danilo acorda mais cedo, deixa de estudar e não viaja, tudo para malhar

 

Preocupado em não perder massa muscular, um alemão de 21 anos nem pensou em parar de tomar anabolizantes quando começou a ter problemas de acne. Até que, um dia, a pele de seu peitoral e de suas costas explodiu. Querendo ficar cada vez mais forte, o jovem tomava 250 mg de enantato de testosterona e 30 mg de metandienona, duas vezes por semana, e só interrompeu o uso dos esteróides quando sintomas mais graves apareceram: febre, encolhimento dos testículos e redução na concentração de espermatozóides. Ele não percebeu que sofria de um grave transtorno dismórfico corporal, a vigorexia.

 

- A prática de atividade física começa a se tornar prejudicial quando o
tempo gasto com os exercícios interfere na vida social, profissional e
familiar, levando a pessoa a  desmarcar qualquer atividade para poder
se exercitar por mais tempo. Podemos citar também as lesões que aparecem
com maior freqüência, e este fato não a impede de malhar, levando algumas vezes ao "overtraining", que é a designação para excesso de treinamento, explica Renato Callado, diretor do Departamento de Educação Física.

 

A síndrome de “malhar demais” também é chamada de vigorexia, um distúrbio de imagem onde a pessoa se enxerga magra e fraca, e deseja se exercitar para ficar mais forte, mesmo quando já está extremamente musculosa, e não mede conseqüências para isso. “A vigorexia é uma nova roupagem para um distúrbio conhecido, o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Você pode entendê-la pela via da compulsão, porque o vigoréxico tem uma série de rituais”, afirma a psicóloga Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC. Entre as manias estão se olhar constantemente no espelho, se pesar várias vezes ao dia e se comparar com companheiros de academia.

 

Para acelerar seu crescimento muscular, os vigoréxicos costumam tomar anabolizantes, que causam sérios danos à saúde. Doenças cutâneas como as do alemão são comuns, pois as drogas aumentam a oleosidade da pele, facilitando a entrada de bactérias. Os problemas dele diminuíram com anti-sépticos e antibióticos, mas as cicatrizes causadas pelas pústulas ficarão para sempre, e podem até dificultar a prática de exercícios. O caso teve muita repercussão na comunidade médica européia e foi divulgado na revista científica inglesa The Lancet.

 

Além dos problemas de pele, esteróides provocam alterações hormonais, agressividade e problemas no fígado e na tireóide. Mas, atualmente, em busca de um corpo perfeito, as pessoas os utilizam sem nenhum critério e passam cada vez mais tempo na academia, prejudicando sua vida privada.

 

Preocupados em se encaixar no padrão de uma sociedade que exige pessoas cada vez mais bonitas, os vigoréxicos se dedicam ao exercício de maneira fanática, abdicando de outros programas e sem se importar com as contra-indicações. E como os doentes não percebem seu corpo verdadeiro, se tornam inseguros, introvertidos e tímidos, e chegam até mesmo a colocar mais roupas para parecer mais fortes.

 

A doença atinge, principalmente, homens entre 15 e 25 anos, pois nessa idade se está mais suscetível ao que é passado como padrão de bem sucedido pela mídia e pelo grupo. Mas a cobrança da sociedade por um corpo perfeito tem levado também as mulheres ao exagero.

 

- Os vigoréxicos, geralmente, são pessoas que sofreram algum tipo de trauma por serem gordinhos ou magros demais, e querem ter a performance muito boa, querem se sentir aceitos. Uma pessoa assim é mais vulnerável. E pode também haver um componente genético ou familiar que favorece, acentua Joana.

 

Em que ponto a prática de atividade física passa a ser considerada uma doença? A Organização Mundial de Saúde recomenda a realização de exercícios aeróbicos moderados cinco vezes por semana, por pelo menos meia hora, e como complemento, mínimo de duas vezes na semana de atividade de força (musculação). “Mas não existe um limite máximo para a prática, até mesmo porque isso depende do nível de condicionamento físico de cada indivíduo”, explica Callado.

           

 

Mania de malhar

 

Danilo Soares, aluno do 6º período de Comunicação Social, faz musculação seis vezes por semana. Ele diz que já acordou mais cedo e deixou de estudar para malhar, tomou suplementos alimentares e só viaja se o hotel tiver academia.  A paixão é tanta que ele já se matriculou em uma perto da faculdade na Espanha onde irá fazer intercâmbio. Danilo não se incomoda com as reclamações de familiares e amigos sobre o tempo que gasta se exercitando. “Eu me sinto melhor depois de malhar, e quando não posso, sinto muita falta”, conta.

 

Na cultura de culto ao corpo é normal malhar muito, então está cada vez mais difícil diagnosticar a vigorexia. Além disso, para ser considerada doença, é necessário que a rotina de malhar comprometa demais a vida social e afetiva. Quando o paciente chega ao consultório a doença já está avançada, porque não foi percebida antes. “Os padrões hoje em dia estão muito altos, é difícil diagnosticar se alguém é vigoréxico só porque passa muito tempo na academia. É preciso sutileza, tem que estar muito atento”, afirma Joana.

 

Exercícios físicos são sempre bem-vindos, contanto que não comprometam a rotina nem sejam exagerados. “Como educador, tento mostrar aos alunos que um dia de exercício não fará falta”, garante Callado.

 

Jornal 206

 

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