Sem cura, mas com esperança
25/09/2008 15:00
Carol Jardim e Carlos Heitor Monteiro / Ilustração: Diogo Maduell

O alcoolismo é uma doença mais comum e destrutiva do que se pode imaginar. Ele pode atingir qualquer pessoa, independentemente de classe social, religião ou raça, além de afetar também os familiares dos alcoólicos. Embora o álcool seja capaz de provocar uma dependência química e psicológica muito forte, há esperança para quem quer se livrar do alcoolismo. O Alcoólicos Anônimos, por exemplo, atua no Brasil há 61 anos e oferece um programa de combate ao vício e de valorização do indivíduo.

 

Numa sala pequena, no coração do Largo do Machado, doze pessoas se reuniram em uma quarta-feira à tarde. Após as explicações iniciais, cada uma se levantou e se sentou à frente do grupo para contar um pouco de sua vida durante dez minutos. Ao final da reunião, todos repetiram a Oração da Serenidade: “Deus, concedei-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso, e sabedoria para perceber a diferença”.

 

Era mais um encontro dos Alcoólicos Anônimos (AA), organização internacional sem fins lucrativos que oferece apoio a qualquer pessoa que deseje parar de beber. Para o AA, o alcoolismo é uma doença que envolve os aspectos físico, mental e espiritual. “Nós bebemos para preencher um vazio existencial, que pode ser ocupado por valores espirituais”, afirma C., integrante do AA desde 2005. Entre as 40 cadeiras, havia homens e mulheres, de jovens a idosos, com as mais diversas experiências. Alguns participam diariamente das reuniões há mais de vinte anos; outros, como P., lutam para completar o segundo mês de abstinência. “Já perdi a conta de quantas vezes eu tentei parar, mas dessa vez é pra valer”, disse.

 

O Grupo Condor, sediado no Largo do Machado, é um dos cerca de 250 núcleos de AA no município do Rio de Janeiro. Em funcionamento há 28 anos, o Condor promove encontros diários, alguns para troca de experiências, outros temáticos, para estudo da literatura do AA. O grupo se sustenta por meio de contribuições anônimas e não há nenhum tipo de taxa fixa para os membros.

 

Quem coordena as sessões decide a ordem dos depoimentos, dando prioridade aos membros mais novos e intercalando histórias difíceis com os testemunhos de superação dos mais experientes. F., coordenador do encontro daquela tarde, freqüenta as reuniões diariamente há 26 anos. Seu envolvimento com o álcool vem desde cedo: começou a beber aos 7, aos 12 acompanhava os tios ao bar e, aos 15, já roubava. Com 17 anos, assaltou um posto de gasolina à mão armada junto com amigos do Morro da Providência. Para ele, o primeiro passo do alcoólico é aceitar que não tem resistência à bebida. “Tenho muita inveja da minha mulher, que pode beber duas cervejas, dormir e não incomodar ninguém. Todas as vezes que eu bebi, fiquei bêbado”, contou F.

 

Aos 50 anos, P. fez uma lista com os custos e os benefícios de largar a bebida e decidiu dar mais uma chance a si próprio. Depois de passar sete anos na cadeia, um ano e meio no manicômio, contrair hepatite três vezes e tentar o suicídio pulando do sexto andar de um edifício, ele resolveu largar a bebida por causa da família. Sua esposa, que o acompanhou por toda a vida, agora faz parte do AL-Anon, grupo de apoio aos parentes de alcoólicos.

 

Vidas afetadas pelo álcool

 

A doença do familiar é de fundo emocional – ele tenta controlar o alcoólatra e impor seus próprios limites, invariavelmente sem sucesso. J., aluna de graduação da PUC-Rio, conhece bem esse drama. Ela sofreu com a doença do pai durante três anos. “Quando bebia, ele ficava agressivo, inconveniente e falava coisas para magoar a gente. Sempre havia brigas e a violência verbal era muito grande”, conta.

 

J. se lembra de que odiava o alcoolismo do pai, mas nunca a pessoa em si. Ela e a mãe descobriram a doença dele em 2002, mas o tratamento só começou dois anos depois. Segundo os ensinamentos do AA, um dos primeiros passos para a recuperação é o doente admitir ser impotente perante o álcool e buscar ajuda por vontade própria. “Até 2004, eu e minha mãe enxergávamos a doença e queríamos a cura dele, mas a melhora só veio quando ele resolveu se tratar”, diz.

 

Após um ano de tratamento no AA, o pai de J. já tinha mudado radicalmente seu estilo de vida. Hoje, ele continua freqüentando as reuniões, pelo menos uma vez por semana. “Eu fiquei tão orgulhosa quando ele parou de beber que acabei esquecendo muitas das coisas ruins que aconteceram”, afirma. Para ela, o AA trouxe vida espiritual para sua família e revelou uma maneira de viver melhor. “Além de se livrar do alcoolismo, meu pai melhorou em muito a forma de agir e de se relacionar com as outras pessoas”.

 

Evitando a primeira discussão

 

Na mesma tarde da reunião do AA, no Largo do Machado, realizou-se uma reunião do AL-Anon. Uma placa com o lema “Evite a primeira discussão” se destacava no ambiente de silêncio e respeito, onde só havia mulheres. Todas liam um trecho de um livro do AL-Anon e faziam um comentário ao final. Para E., freqüentadora do grupo há 22 anos, o raciocínio do familiar deve ser: “Eu não causei a doença do alcoolismo, não posso controlar e não vou curar.”

 

A troca de experiências entre pessoas que vivem situações parecidas é positiva e saudável. Por isso, há quem continue a freqüentar os encontros mesmo após a morte do parente alcoólatra. Para outros, o grupo também serve como uma espécie de terapia. “A gente vem aqui entender a doença do alcoólatra e acaba encontrando nossas próprias doenças. Os familiares têm que despir a máscara da ociosidade e da tristeza. Cuidar muito do outro é fugir dos nossos problemas”, explicou L.

 

Nas reuniões do AL-Anon, há uma predominância quase absoluta de mulheres. Para H., uma das integrantes mais antigas, isso se deve ao fato de que o preconceito contra a mulher alcoólatra é muito maior. Além disso, quando elas decidem parar, muitas vezes já perderam quase tudo, incluindo o convívio com a família. “Temos alguns pais e filhos de alcoólatras que freqüentam aqui, mas esposo eu nunca vi”, disse.

 

O serviço de informação do AL-Anon do Rio de Janeiro funciona pelo telefone 2220-5065, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h30m. A linha de ajuda do AA atende no número 2253-9283, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. Na internet, os endereços são www.aa.org.br e www.al-anon.org.br.

 

 

Edição 206

           

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