A fazenda Triqueda foi incluída na lista dos 28 projetos mais inovadores de pecuária do mundo, divulgada pela organização internacional sem fins lucrativos Food Tank - Think for Food. A propriedade é administrada pelo ex-aluno da PUC-Rio Leonardo Resende, que defendeu a tese de doutorado Pecuária Sustentável nos Mares de Morros, estudo na Bacia Hidrográfica do Rio Paraibuna em dezembro de 2019. Resende é co-fundador do Projeto Pecuária Neutra e Regenerativa (PPN&R), iniciativa cujo foco é desenvolver uma pecuária tropical com alta resiliência climática, que compense as emissões de gases efeito estufa e preserve o solo e a água da região.
O fazendeiro chegou a atuar em uma empresa multinacional no Rio de Janeiro no início da carreira e conta que a decisão de assumir a terra que era gerenciada pela mãe veio da insatisfação de trabalhar para gerar apenas mais lucros. Foi então que ele voltou para Minas Gerais para de investir em uma pecuária com mais técnica e maior retorno financeiro, com a intenção de compensar as emissões de gases estufa e melhorar a qualidade do solo.
- Decidi voltar para a fazenda da minha mãe e começar a investir em uma pecuária com o intuito de ter mais lucro. Foi aí que colocamos as árvores na área dos animais. Conseguimos aumentar a receita e descobrimos vários benefícios ambientais envolvidos na mudança da monocultura para a mais simples produção integrada, que é composta por pasto e árvores, no nosso caso braquiária (um tipo de capim) e eucalipto.
O produtor aponta que toda grande floresta que tem a presença da pecuária recebe o nome de silvipastoril e que, na Triqueda, as árvores são plantadas em fileiras intercaladas com corredores de 15 a 20 metros de largura, onde o gado Brangus é distribuído. Essas galerias têm um tamanho suficiente para que a luz do sol alcance tanto as árvores quanto as pastagens, o que permite conciliar o benefício econômico e ambiental.
A startup ambiental Projeto Pecuária Neutra e Regenerativa surgiu da pesquisa de mestrado que Resende defendeu na Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, em São Paulo. O estudo aborda formas de neutralizar os gases de efeito estufa da pecuária e resultou nesse protocolo que é capaz de proporcionar benefícios ambientais como uma maior produtividade, um melhor ciclo da água, do carbono e dos nutrientes, uma maior biodiversidade e um maior bem estar para o animal.
Os benefícios desse sistema de produção integrada podem ser confirmados por meio dos números. Uma das melhorias para o gado é um maior conforto térmico, ou seja, a energia que o animal exposto ao sol gastava antes, porque sentia calor, agora pode ser empregada na produção de leite e carne. Em ambientes de temperatura controlada, a vaca produz 30% a mais de leite, e o gado de corte produz 15% a mais de carne. As transferências de embrião também têm uma taxa de 40% a mais de sucesso.
- Quando você vê, em um dia de calor, o cachorro deitado com a língua para fora, babando, ele está tentando equilibrar a temperatura interna dele e gastando uma energia que não precisava. O mesmo ocorre com o boi, e isso se chama energia de mantença. Os resultados no conforto térmico são tão significativos porque a condição que a gente sempre praticou é muito hostil, e ninguém nunca se tocou disso.
Resende ainda aponta outros ganhos consideráveis. A venda das árvores utilizadas no sistema da agrofloresta tem o potencial de dobrar ou até triplicar os lucros se comparada à prática da pecuária isolada. Ao mesmo tempo, o fazendeiro também lembra que a mais simples produção múltipla é mais complexa de se gerenciar do que qualquer monocultura de ponta.
- A pecuária regenerativa parte da premissa de você não ser um extrator do recurso natural, mas sim conseguir ler o ambiente como um todo. Muito pecuarista sabe ler o boi, mas não sabe falar do pasto, não é um agricultor, não sabe olhar o solo e a conexão dele com a chuva, com a erosão, com todos esses fatores. E o sistema de produção múltipla não é simples, ele é como um painel em que você tem que ler as luzes e interagir com elas. A gente quer levar o pecuarista para dentro do pasto.
O pesquisador explica que a pecuária regenerativa e a pecuária neutra são complementares. Segundo ele, na pecuária tradicional se faz um uso extrativo da matéria orgânica residual do desmatamento e, por isso, a produtividade decai em poucas décadas, situação comum, por exemplo, na Região Sudeste do país. Na regenerativa, o boi é utilizado como um manejo que revitaliza a área e traz diversos benefícios ambientais. A pecuária neutra é alcançada quando a taxa do carbono se iguala à emissão de gás de efeito estufa. Isto ocorre com a curva de crescimento do carbono, advinda do aumento da matéria orgânica na região.
- O gado é praticamente o segundo maior emissor de carbono no mundo, perde só para o desmatamento. Se você faz bem a pecuária regenerativa, você vai aumentando a matéria orgânica, aumentando a vida. Se o gado não come o capim até o final, ele vai virar matéria orgânica, a raiz vai estar mais forte e haverá mais carbono estocado. Se, um dia, este carbono adicionado for igual à emissão de gás de efeito estufa, aí sim se alcança a pecuária neutra. É possível ter uma só ou as duas conciliadas.
As técnicas que Resende aplica na Fazenda Triqueda não são novas. Na verdade, elas são um compilado de conhecimentos difundidos e estudados pela Embrapa e por outros centros de pesquisa, como as universidades de Viçosa e de Lavras, ressalta o pesquisador. E ele se aprofundou no tema com a tese de doutorado Pecuária Sustentável nos Mares de Morros, estudo na Bacia Hidrográfica do Rio Paraibuna foi apresentada para o Programa de Pós-Graduação em Geografia com orientação do professor Luiz Felipe Guanaes Rego.
- O doutorado foi uma contribuição, para colocar um tijolinho no que poderia vir ser melhor na paisagem da região. A intenção é mostrar que dá para fazer diferente, que não é caro, é uma técnica produtiva, rentável, que revigora o meio ambiente e traz uma melhora para os funcionários da fazenda e para o entorno.
Resende conta que ver o projeto realizado na fazenda ser reconhecido internacionalmente é muito gratificante e destaca o trabalho de quatro pesquisadores que também aparecem na lista da Food Tank: Gabe Brown (Brown’s Ranch, Estados Unidos), Joel Salatin (Polyface Farm, Estados Unidos), Will Harris (White Oak Pastures, Estados Unidos) e Allan Savory (Savory Institute, Zimbábue).
- A gente já sabia que havia algum reconhecimento no Brasil, mas se você for ver a lista, há quatro produtores que são meus ídolos. É muito gratificante estar ali, ao lado deles. Isto consolida o trabalho, chama atenção para a causa, e o que a gente mais gostaria de fazer é multiplicar essa iniciativa.