Como tudo começou
A falta de fiscalização do FED (Banco Central dos Estados Unidos) sobre os bancos, que passaram a oferecer linhas de crédito de forma descontrolada, deu início ao abalo econômico pelo qual o mundo está passando. Para garantir o sonho americano da casa própria, eles financiavam a compra em até 30 anos, mesmo para quem não tinha como comprovar renda, correndo um maior risco de inadimplência (as chamadas hipotecas subprime). Um dos problemas é que ninguém podia garantir que ao longo de todo esse tempo a população teria como pagar suas dívidas. Desemprego, problemas familiares, gastos imprevistos. As pessoas começaram a se dar conta de que não teriam como arcar com o compromisso da hipoteca. Outro fator é que as dívidas contraídas chegavam a até 100% do patrimônio pessoal. No Brasil, por exemplo, o banco só pode realizar um empréstimo de até 30% da renda do recebedor. "A crise aconteceu porque o governo americano não regulou a sua economia de modo correto", afirmou o professor Marcio Scalércio, do Departamento de História da PUC-Rio, na palestra sobre a crise econômica, promovida pelo Departamento de Economia.
Paralelamente, os juros americanos estavam muito baixos, em 2003 eram de apenas 1%, para combater outra crise estourada em 2001: a crise da internet, chamada de "pontocom". Aproveitando os juros baixos, o mercado imobiliário começou a expansão descontrolada. Mesmo vendo que o setor de imóveis crescia fora dos padrões, o Banco Central americano decidiu não intervir, como analisa o economista Eduardo Pegurier, professor de Jornalismo Econômico da PUC-Rio.
– O FED não quis interferir porque a economia, no geral, estava com a inflação controlada. Para não mexer no todo, eles preferiram apostar que a bolha imobiliária fosse diminuir sozinha. Poderia ter reduzido o crescimento, subindo os juros, explica Pegurier.
Para piorar, bancos dos EUA que estavam lotados de subprime começaram a quebrar, por contraírem dívidas maiores do que seu patrimônio líquido. Com isso, ficaram sem dinheiro para pagar os empréstimos que haviam feito com outros bancos, que por sua vez ficaram sem caixa para quitar outras dívidas.
A crise é tamanha que o economista Sergio Besserman, presidente do Instituto Pereira Passos, chegou a dizer que a humanidade entrou em uma nova era: "A pré-história acabou mês passado. Nela existiam dinossauros e liquidez econômica. Daqui em diante, tudo será diferente."
A crise chegou ao BrasilDesde a falência do Lehman Brothers, primeiro banco de investimento que o governo norte-americano deixou falir, há dois meses, a Bolsa de São Paulo (Bovespa) foi a que teve mais perdas com a crise. No primeiro mês, a soma de perdas das bolsas ao redor do mundo foi de U$ 13 trilhões, a brasileira acumulou perda de 38% de sua pontuação em dólares. Analistas explicam que isso se deve ao fato de que a crise afeta, principalmente, empresas relacionadas à matéria-prima, como petróleo, aço e minério de ferro, que têm 47% por cento de participação no Ibovespa. Outro motivo para a forte queda é que, com o medo de recessão mundial, investidores estrangeiros estão tirando capital do país. Só no primeiro mês, mais de um bilhão de reais deixaram o Brasil. Além disso, paradoxalmente, buscando segurança, investidores estão comprando dólar, o que fez a moeda norte-americana subir para mais de R$ 2,60. Com isso, o brasileiro vai sentir menos dinheiro no bolso.
– Perdemos poder aquisitivo. A crise vai acarretar um acréscimo de dois ou três pontos na inflação. O Brasil vai ter que gastar menos. Se o governo continuar gastando dinheiro, o empresariado terá que diminuir seus gastos, com isso os juros vão aumentar. Para o governo tentar segurar a inflação dentro da meta, o Banco Central vai frear o crescimento do ano que vem. Vamos sair de um crescimento de 5% para um entre 2% e 3%, aponta Pegurier.
-----------------------------------------------------------------------------------Por dentro do 'economês'
Liquidez – Capacidade de determinado bem ou aplicação ser convertido rapidamente em dinheiro. É a quantidade de crédito em circulação. As últimas semanas foram marcadas por uma crise de liquidez: a troca de recursos entre bancos (é comum os bancos fazerem empréstimos entre eles) e entre bancos e seus clientes diminuiu muito.
Hedge Funds
– São os fundos de proteção, onde o investidor aplica o dinheiro para diminuir o risco de sua aplicação. Os Hedge Funds aplicam em qualquer tipo de ativos e derivativos. Acabaram virando instrumento de especulação nos Estados Unidos.Superávit primário
– Criada na década de 80 (quando o Brasil não conseguia manter saldo positivo da receita, por conta da inflação e da dívida externa), é uma denominação que representa o superávit que o governo teria, caso não tivesse dívidas. Se um governo ganha R$ 1 bilhão, gasta R$ 800 milhões e tem uma dívida de juros de R$ 500 milhões, ele tem um superávit primário de R$ 200 milhões, apesar de um déficit real de R$ 300 milhões.FDIC
– O Federal Deposit Insurance Corporation é a agência que supervisiona o sistema bancário, que pode assumir o controle das instituições bancárias e revendê-lo a outras empresas. Ela tem um fundo de reserva para garantir os depósitos em caso de quebra de um banco.Derivativos
– Operações financeiras com o objetivo de limitar ou transferir o risco dos investidores. Fixam o preço de compra e venda de um contrato em uma data futura. Ao longo do tempo, nos EUA, esses mecanismos foram se sofisticando a tal ponto que perderam o controle de volume das operações.Circuit Breaker
– É o mecanismo de controle que interrompe as negociações da bolsa quando a variação dos índices atinge alta ou baixa muito grande. No caso da Bolsa de Valores de São Paulo, o pregão pára quando o Ibovespa atinge os 10%. A primeira paralisação dura trinta minutos, mas se a queda continuar e atingir a barreira dos 15% há nova interrupção, desta vez durante uma hora.SEC – Sigla de Securities and Exchange Comissions. Equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Brasil. É quem fiscaliza e regulamenta o mercado de capitais norte-americano.
Alavancagem – É a relação entre os empréstimos que um banco faz e o patrimônio que o banco possui. Por exemplo, se o patrimônio de um banco é de R$ 1 bilhão e ele faz aplicações de R$ 12 bilhões, sua alavancagem é de 12 para 1. Uma das causas da crise foi que os bancos norte-americanos chegaram a fazer alavancagem muito altas, de mais de 30 para 1.Securitização –
É quando alguém tem uma quantia em dinheiro a receber e vende essa garantia de pagamento em forma de título, por um valor inferior, com o objetivo de receber a quantia mais rapidamente. Quem compra este título, se dispõe a receber o valor total do pagamento no prazo original, mas está sujeito a um risco maior de calote.Duplicata
– É uma espécie de título de crédito (comprova que há um devedor e um credor) que constitui o instrumento de prova do contrato de compra e venda, onde é necessária a assinatura do documento. Em geral, o vendedor negocia a duplicata com um estabelecimento bancário e este encarrega-se de cobrá-la do comprador.Banco de investimento
– Instituições financeiras voltadas para captação e financiamento de médio e longo prazo. Também administra recursos de outros bancos e tem participações societárias em empresas de sociedade anônima. Com a crise americana, os cinco maiores bancos de investimentos dos Estados Unidos quebraram: Lehman Brothers, Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stanley e Bear Stearns.Bailout –
É a ajuda financeira que o governo oferece à empresas falidas.Ativos
– Conjunto de bens e créditos que formam o patrimônio líquido de um sujeito econômico (conta em banco, aplicações, ações, imóveis).Hipotecas Subprime
– São os financiamentos imobiliários concedidos a quem não tem boa avaliação de crédito no mercado. São as chamadas hipotecas de alto risco nos Estados Unidos. As hipotecas prime são as de baixo risco, dadas a quem tem mais condição de pagar os empréstimos. Hipotecas servem para financiar a compra de casas, tendo o próprio imóvel como garantia do empréstimo.
Edição 208