Cinquenta anos sem o gênio de Villa-Lobos
16/03/2009 15:35
Carlos Heitor Monteiro / Foto: Ludmila Zorzi / Ilustração: Diogo Maduell

Há 50 anos, depois de ter alcançado projeção e reconhecimento internacionais, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos faleceu, deixando como herança para a humanidade um patrimônio de cerca de mil composições.

 

O maestro austríaco Herbert von Karajan, um dos mais famosos e reconhecidos no meio da música clássica, gravou várias obras dele. Cantores da música popular brasileira, como Ney Matogrosso e Djavan, também interpretaram composições suas. O ponto em comum entre artistas tão diferentes é o maestro e compositor carioca Heitor Villa-Lobos, um dos maiores expoentes da música do século XX. Há 50 anos, depois de ter alcançado projeção e reconhecimento internacionais, Villa-Lobos faleceu, deixando como herança para a humanidade um patrimônio de cerca de mil composições.

 

A formação musical de Villa-Lobos remonta a seus tempos de menino, quando, sob orientação de seu pai, iniciou os estudos de violoncelo, clarinete e percepção musical. Também nessa época, ele teve o primeiro contato com a obra do compositor alemão Johann Sebastian Bach, que, anos depois, lhe serviria de inspiração para um de seus ciclos mais importantes – o das nove Bachianas Brasileiras. “Seu pai era músico, e havia essa tia que tocava Bach para ele ouvir. Isso facilitou muito as coisas, porque, depois que cresceu, ele já tinha uma noção de técnica musical”, avalia o jornalista, crítico musical e membro da Academia Brasileira de Letras Luiz Paulo Horta.

 

Hoje, Villa-Lobos está intrinsecamente associado ao que se denomina “nacionalismo musical”. Em 1905, ainda com 18 anos, ele começou a empreender uma série de viagens pelo interior do Brasil, durante as quais travou contato com o folclore local e com as raízes musicais brasileiras. Posteriormente, todo esse repertório foi aproveitado e universalizado em suas composições.

 

– Grande parte da obra dele traz à tona elementos próprios da nossa cultura. Por exemplo, sua instrumentação ousada e sua maneira muito peculiar de tratar o piano, às vezes orquestral, outras vezes percussiva. Embora tenha feito peças que não têm esse caráter tão nacionalista, a maior parte cultiva essas características. Certamente ele foi fundamental nesse processo da música brasileira adquirir sua própria “cara”, afirma a pianista Maria Teresa Madeira.

 

Para Horta, Villa-Lobos foi o primeiro compositor a introduzir o folclore dentro na música clássica:

 

– Havia bons compositores antes dele, como padre José Maurício, Carlos Gomes, mas todos escreviam em estilo europeu. Villa-Lobos viajou muito, tinha essa inquietação de pesquisador, assim como Bela Bartok, na Hungria. Na obra dele, não há barreiras entre folclore e música de concerto. O nacionalismo musical, que já interessava a outros compositores, como Alberto Nepomuceno, se concretizou plenamente nas mãos de Villa-Lobos, comenta Horta.

 

Em diversas ocasiões, o compositor confirmou a influência da natureza e da brasilidade em sua arte:

 

– Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música, deixo cantar os rios e mares deste grande Brasil. E não ponho breques nem freios, nem mordaça na exuberância tropical das nosas florestas e nossos céus, que transponho instintivamente para tudo que escrevo, afirmou.

 

O cello, de 1779, e o piano do maestro, em exposição no Museu Villa-Lobos

 

Ao vivo e a cores com o maestro

 

Professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, o jornalista Fernando Ferreira conheceu Villa-Lobos pessoalmente no final da década de 1950, quando trabalhava como repórter do jornal O Globo. Mais do que fazer uma simples entrevista, Fernando teve a oportunidade de assistir ao filme O Descobrimento do Brasil em companhia do maestro, que havia composto a trilha sonora do longa-metragem.

 

– Me impressionou muito o fato de ele ter uma noção absoluta da sua singularidade e, ao mesmo tempo, se referir a ela com uma naturalidade absoluta. Ele também tinha um comportamento um tanto quanto irreverente em relação a outros compositores, lembra o professor.

 

De fato, Villa-Lobos lidava com sua genialidade de forma bastante peculiar. No último concerto que deu em vida, em Nova York, ele declarou: “Esse negócio de vir inspiração não existe em mim, eu nasci inspirado já. Ou eu faço uma boa coisa, ou faço uma porcaria.”

 

Ao mesmo tempo, Villa-Lobos mantinha com a música uma relação visceral e a considerava um item de primeira necessidade. Basta lembrar algumas de suas máximas, como “A música é tão útil como o pão e a água” ou “A música, eu a considero como um indispensável alimento da alma humana”. A esse respeito, Fernando Ferreira comenta:

 

– Eu não tenho dúvida de que a música é a arte mais refinada. Beethoven, por exemplo, afirmava possuir aquilo que todos os homens, em todas as épocas, desejariam ter tido – a possibilidade de falar diretamente com Deus. O Villa também tinha um certo misticismo, que eu considero de caráter muito latino.

 

Do Brasil para o mundo

 

Em 1923, Villa-Lobos fez sua primeira viagem a Paris, onde se integrou ao ambiente artístico com a ajuda da pintora Tarsila do Amaral e do pianista Arthur Rubinstein, entre outros. A partir daí, aos poucos, ele adquiriu prestígio internacional – músicos consagrados, como o próprio Rubinstein, e maestros de peso, como o celebrado renovador da Philadelphia Orchestra, Leopold Stokowski, fizeram várias primeiras audições de suas obras no exterior.

 

– Ele é o compositor brasileiro que conseguiu mais projeção fora daqui. Além disso, foi uma figura extremamente carismática e ousada em tudo o que fazia, independentemente de se gostar dele ou não. Villa-Lobos foi uma personalidade – acho que isso ultrapassa um pouco a própria obra, afirma Maria Teresa Madeira.

 

Para Horta, é admirável a capacidade que o compositor tinha de fazer sínteses:

 

– Ele esteve em Paris nos anos 1920, quando a música moderna estava em pleno desenvolvimento. Como um grande sintetizador, soube costurar todas as influências e transformar em peças muito características, com um traço próprio muito marcante.

 

Outra grande preocupação de Villa-Lobos girava em torno da educação musical nas escolas. Nas décadas de 1930 e 1940, no governo de Getúlio Vargas, o maestro organizou e dirigiu a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), por meio da qual tornou obrigatório o ensino de música e canto orfeônico em todas as escolas públicas. Nesse período, ele fez apresentações públicas de canto orfeônico monumentais, que chegaram a reunir mais de 40 mil vozes. O professor Fernando Ferreira chegou a participar desses eventos.

 

– A geração na qual eu cresci saiu das escolas conhecendo música, graças a esse projeto do Villa. Eu cantei sob regência dele, num recital que reuniu umas quinze mil pessoas, e o resultado era de uma perfeição inacreditável, recorda.

 

Um oásis villa-lobiano

 

No Rio de Janeiro, funciona o Museu Villa-Lobos, que preserva partituras, fotos, documentos e correspondê Museu Villa-Lobos, que preserva partituras, fotos, documentos e correspondki, entre outros. Desde ents.. e tambbra sacra dele ncias originais do compositor. Atualmente, está em andamento um projeto de digitalização de todas as partituras do acervo, que deve ser finalizado no primeiro semestre de 2009.

 

– O maior ganho é podermos assegurar a preservação de toda essa informação original. O próximo passo será digitalizar nosso arquivo sonoro. Infelizmente, ainda há um preconceito grande em relação à música brasileira. Na Europa, por exemplo, toca-se e grava-se Villa-Lobos muito mais do que aqui, afirma Marcelo Rodolfo, consultor musical do Museu.

 

Em março, o Museu irá inaugurar uma exposição em homenagem ao maestro e, em novembro, será realizada uma edição especial do Festival Villa-Lobos, que acontece anualmente, desde 1961. Chefe do Departamento Técnico do Museu, Luiz Paulo Sampaio conta que estão em negociação uma exposição na Suíça e um ciclo de palestras na Universidade de Salamanca, entre outras iniciativas.

 

– Tenho sentido um interesse mundial em torno de Villa-Lobos. Embora todos os grandes compositores do século XX tenham seus altos e baixos, eu diria que ele continua vivo no mundo todo, afirma Luiz Paulo Sampaio.

 

Ele sempre fora música

 

Cinquenta anos após a partida de Villa-Lobos, vale lembrar as palavras de Carlos Drummond de Andrade, escritas por ocasião de seu falecimento:

 

“Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado o fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então percebia que era música, sempre fora música.”

 

 

Edição 212

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