Professor João Candido Portinari ministra Aula Inaugural do CTC

João Candido Portinari, 84 anos, filho único do pintor Candido Portinari, andava de um canto a outro pelo auditório do RDC, na PUC-Rio. Já passava das 17h – horário marcado para a Aula Inaugural do Centro de Ciência e Tecnologia (CTC) –, mas João caminhava entre os amigos para cumprimentá-los um a um, a despeito do relógio. Era quinta-feira, 23 de março. Por volta das 17h30, depois de receber e ser recebido pelos colegas, o Professor Emérito do Departamento de Matemática apresentou a vida e obra do pai, autor de quadros como Os Retirantes e Lavrador de Café, além de contar a história do Projeto Portinari.

Dirigido desde o início por João, o Projeto completou 44 anos no dia 2 de abril. Ele foi criado em 1979, seis anos antes do fim da ditadura civil-militar, quando os brasileiros se questionavam mais uma vez sobre a própria identidade. Dezessete anos após a morte de Portinari, cerca de 95% do acervo do artista estava trancafiado em coleções privadas. Como se desconhecia a localização da maioria das obras do "Pintor do Povo", o Projeto Portinari mapeou, documentou e reuniu o legado dele. E a equipe recebeu apoio nacional: a Rede Globo, por exemplo, incentivou a reunião das peças por meio de uma campanha para todo o país.

Hoje, a coleção, disponível no site oficial do Projeto Portinari e distribuída pelo Google Arts & Culture, reúne cerca de 30 mil documentos, entre pinturas, cartas e poemas. Nas últimas décadas, o Projeto organizou exposições físicas pelo mundo: entre maio e junho de 2014, expôs os painéis Guerra e Paz na França — juntos, os quadros de Portinari têm 10 metros de largura e 14 metros de altura, o que equivale a um prédio de cinco andares. Em 1956, o governo brasileiro doou as pinturas à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A exposição de Guerra e Paz no Grand Palais parisiense, em 2014, proporcionou encontros que causaram impacto no filho do artista.

– Uma senhora francesa virou para mim e falou com tanta força, pensei que estivesse brigando comigo: ‘Monsieur! Vou-lhe dizer uma coisa: há 70 anos visito exposições em Paris, mas nunca me senti tão emocionada como aqui’. Depois, uma jornalista francesa que desconhecia meu pai perguntou se poderia dizer que Portinari era o ‘Picasso brasileiro’. Respondi: ‘Claro que pode, contanto que a senhora também diga que Picasso era o ‘Portinari espanhol’. Ela me olhou com espanto.

João sempre sonhou em levar Guerra e Paz à França, onde Portinari expôs e recebeu o Prêmio da Legião de Honra do governo francês em 1946. Antes de viajar ao Velho Mundo, os quadros visitaram cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte; agora estão de novo na sede da ONU.

Em breve, o Projeto Portinari levará os painéis, dedicados pelo pintor à humanidade, para a Itália e para a China, o que empolga João.

– O olhar chinês sobre Guerra e Paz será emocionante. Existem muitos pontos de contato entre a trajetória de Portinari e o povo da China: a origem rural, a família grande, pobre, imigrante, o cuidado com os parentes mais velhos e a fraternidade.

Formado em matemática e engenharia das telecomunicações, João acompanhou e se apropriou das inovações tecnológicas, o que possibilitou criar e expandir o Projeto Portinari. O palestrante se mantém tão atualizado que recorreu ao ChatGPT antes de preparar a aula inaugural do CTC.

Na mistura entre o amor e a técnica, João – um dos fundadores do Departamento de Matemática da PUC-Rio –, representa o encontro dos diferentes saberes na Universidade. Agora, o Projeto Portinari, uma ponte entre a tecnologia e a arte, desenvolve um aplicativo que transformará selfies dos usuários em “pinturas de Portinari” – os quadros serão recriados por uma inteligência artificial a partir de um banco de dados com 600 retratos do pintor.