Brincar com mentiras e mentir com verdades
02/04/2009 17:30
Aline Veloso / Ilustração: Diogo Maduell

Com mais de 160 anos de "histórias mentirosas", o dia Primeiro de Abril no Brasil traz à tona a discussão dos limites da mentira: como identificar uma brincadeira e um sintoma de transtorno patológico?

A notícia da morte de Dom Pedro II, em 1848, foi a primeira mentira do dia Primeiro de Abril no Brasil. O jornal A Mentira, de Pernambuco, antecipou a morte do imperador em 43 anos. Em 2009, com mais de 160 anos de mentiras, o Brasil foi surpreendido com o caso Paula Oliveira, no qual, tudo indica, a mentira ultrapassou os limites inofensivos de uma brincadeira e se transformou num escândalo internacional.

 

Moradora de Dübendorf, no norte da Suíça, a brasileira teria forjado gravidez e a perda dos bebês devido a uma suposta agressão neonazista. Paulo Oliveira, pai da jovem, admitiu que a filha sofre de lúpus, doença que ataca o sistema imunológico e pode provocar distúrbios psicológicos. O caso foi investigado pela polícia local e gerou desconforto entre as nações envolvidas. Segundo Guilherme Gutman, professor de Psicopatologia da PUC-Rio, a mentira não é particular de nenhum transtorno patológico, ela é caracterizada como sintoma.

 

— Não há diagnóstico ou teoria classificatória para a mentira. Quando ela é inocente, como numa desculpa para não ir ao cinema, é aceita pelo senso comum. Como quando as crianças mentem, já que elas estão sendo introduzidas a uma cultura, nas “regras” do mundo. A surpresa é maior quando a mentira vem de um adulto, que se supõe já ser são, e quando a mentira é regular, grave ou insistente. Os mentirosos seriam como os perversos, que sabem sobre a lei e fingem que desconhecem ou acreditam que eles podem legislar paralelamente, afirma Gutman.

  

No artigo As pistas da mentira, Mônica Portella, pós-doutora pela PUC-Rio, e Maurício Bastos, Diretor Técnico do Centro de Psicologia Aplicada e Formação do Rio de Janeiro (CPAF-RJ), escrevem como a mentira facilita a compreensão do comportamento humano. “Comportamentos não-verbais podem indicar contradições entre aquilo que o paciente diz e o que se manifesta em seu comportamento”, afirmam.

 

A mentira é definida como o ato deliberado de enganar alguém, sem antes notificá-lo de tal intenção. Por isso, omitir em jogos, como o pôquer, não é mentir, pois o blefe é um recurso do bom jogador. Ainda no artigo, Mônica e Bastos escrevem: “Mentimos com mais facilidade com as palavras do que com nossas gesticulações ou posturas corporais.” Os mentirosos podem ainda ser falsos nas suas ações, mas apenas quando sabem mais ou menos o que estão fazendo. Eles enumeram apenas algumas pistas não-verbais da mentira, já que não há como desvendada-la por uma “receita de bolo”.

 

Pesquisas e estudos sobre a mentira requerem contextualização e análise total de comportamento. O alemão Wilhelm Wundt é considerado um dos fundadores da psicologia experimental, por ter procurado provar, em 1903, as teorias psicológicas em laboratório e colaborado para o reconhecimento da Psicologia como ciência. Avanços neste âmbito possibilitam uma maior compreensão sobre as razões que mobilizam o homem a mentir.

 

— Temos que evitar considerar a mentira somente como um meio de aceitação, esta é uma possibilidade entre muitas outras. Não podemos esquecer que o mentiroso corre riscos e se expõe, não é de todo agradável mentir. Só mente quem tem esperança de ser escutado. A mentira é uma espécie de pedido, um aviso de que alguma coisa não está certa, já que em muitos casos ela é inconsciente, alerta Gutman.

 

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Enganar no Primeiro de Abril: tradição que vem da Europa

 

Mentir no dia Primeiro de Abril tem procedência francesa. Em 1564, o rei Carlos IX trocou o primeiro dia do ano para corresponder ao calendário juliano, que já fora adotado por vários países. Foi o imperador Júlio César que mudou o início do ano de 25 de março (as festas duravam uma semana e terminavam no dia 1 de abril) para 1 de janeiro. Porém, a ordem só começou a ser cumprida em 1567, devido à lenta e fraca comunicação. Mentir no dia Primeiro de Abril era fazer de conta que a data ainda marcava a passagem do Ano Novo. O novo calendário, o gregoriano, em homenagem ao papa Gregório XIII, foi adotado em 1582.

 

 

Edição 213

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