De atividade marginal, que chegou ao Rio nos anos 80, surgida da pichação, o grafite se tornou uma linguagem artística reconhecida, com direito a exibições em galerias, shows e mostras de decoração. A presença do spray nestes espaços, porém, não mudou seu caráter de forma de expressão livre e contestadora. "A essência do grafite é a rua", diz a grafiteira e estudante Maíra Botelho, do 1° período de Design da PUC-Rio.
A presença de meninas é outra mudança. Daniele Mattos, Marcela Zaroni, Vanessa Hannah, Beatriz Pimentel, também aluna de Design da Universidade, e Maíra criaram o primeiro grupo de grafite feminino do Rio de Janeiro, a TPM Crew, em 2002. Para quem não é do meio, uma crew é um grupo que costuma pintar junto e assinar o nome nos trabalhos.
A TPM Crew surgiu durante uma oficina de grafite do grupo Nação, no Centro Interativo de Circo (CIC), ONG sediada na Fundição Progresso. A sigla significa oficialmente Transgressão pelas Mulheres, mas pode adquirir outros sentidos, como "tinta para mim" ou "to p* mesmo". Em agosto passado, as meninas realizaram uma oficina no próprio CIC, em que receberam mais de vinte alunos, entre eles, quatro mulheres.
Segundo Maíra, o ambiente do grafite ainda é majoritariamente masculino, mas, o machismo existe como em toda a sociedade e a maior vantagem da crew feminina está na identificação e no tipo de amizade que existe entre as mulheres.
Os temas e estilos das pinturas também costumam ser diferentes nos trabalhos femininos. Em agosto, a TPM Crew realizou com os meninos da Nação, a exposição Lapajato, em que grafitaram sobre roupas, móveis e outras superfícies. "As meninas pintaram em calças da Gang e vestidos da Animale", conta Daniele. A mostra ocorreu no espaço cultural Severo 172, na Glória, a primeira galeria de arte grafite da cidade.
A valorização do grafite como arte é um fenômeno que vem ganhando importância. Segundo Maíra, até mesmo policiais, que antes davam "duras" em grafiteiros como se fossem pichadores, agora param ao lado da pintura para elogiar o trabalho. Esta, aliás, é outra particularidade do grafite. "As pessoas sempre comentam. É um lugar público e elas não têm medo de falar com você. Não é como um ateliê, onde só um amigo vai ver", diz Maíra.
Por outro lado, o grafiteiro se expõe a riscos. Maíra conta que, certa vez, pintava um muro com uma amiga quando começou um tiroteio e elas se viram em meio a uma perseguição policial. Isso sem contar as latas de spray roubadas.
Mas estes contratempos não desanimam os novos grafiteiros. A estudante de belas artes da UFRJ Rosana Araújo, de 26 anos, que participou da oficina da TPM, diz que se interessou pelo grafite por sua capacidade de comunicação. "É uma linguagem de muito fácil acesso, está na rua para todo mundo ver", explica ela.
Outro ponto de vista é o da jovem Odaraya Mello, de 13 anos. "Acho interessante porque a cidade não fica tão cinza. Grafite na rua é como um quadro que você coloca na sua casa", diz a menina, que não vê nenhum problema em ser uma grafiteira. "Hoje em dia, grafite é coisa de todo mundo, não importa se é homem, mulher, gay ou hetero", completa.
Edição 175