Mais de 16 mil km separam a China do Brasil. Os idiomas, os continentes e as formas de governo evidenciam diferenças entre os dois países. No entanto, foram as semelhanças que trouxeram o engenheiro ambiental Yangbo Chen para ministrar uma aula na PUC-Rio. No encontro do dia 19 de setembro, o professor e pesquisador explicou o que é o modelo Liuxihe, criado por ele para simular e prever processos de cheias na área da Grande Baía de Guandong-Hong Kong-Macau.
A palestra “Impact of Land Use/Cover Change on watershed flood response: a case study in the Guangdong-Hong Kong-Macao Greater Bay Area of China” (tradução livre: Impacto das alterações no uso e ocupação do solo na resposta às inundações das bacias hidrográficas: um estudo de caso na Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, na China) ocorreu no Auditório Junito Brandão. O coordenador de Engenharia Ambiental da PUC-Rio, José Tavares Araruna, explicou que o local não foi escolhido por acaso. O auditório fica ao lado do Rio Rainha, que encheu e inundou a Universidade em 2019 devido às chuvas torrenciais. O episódio levou funcionários e alunos a dormir no campus.
Assim como no Brasil, a região do sul da China tem um clima com alta umidade e chuvas abundantes, o que propicia as catástrofes naturais causadas por enchentes e inundações. O aumento no regime de chuvas e no nível médio do mar, decorrente das mudanças climáticas, alteram o ciclo hidrológico. Além disso, os dois países tiveram uma rápida urbanização, considerada um dos principais fatores para o aumento das enchentes no mundo. No desenvolvimento das cidades, a ocupação inadequada do terreno reduz a capacidade de infiltração de água da chuva. Essa condição, junto à falta de manutenção e ao dimensionamento indevido das estruturas hidráulicas dos sistemas de drenagem, aumentam o escoamento superficial.
Mais do que criar o modelo, Yangbo Chen conseguiu medir os efeitos hidrológicos do rápido desenvolvimento urbano a partir de um método de avaliação quantitativa. Com dados sobre o uso e a ocupação dos terrenos, a pesquisa revelou como a urbanização influencia nas inundações da bacia. O professor descobriu que o pico de vazão ficou dez vezes maior em alguns corpos d’água (rios, lagos, baías) na região do Delta do Rio das Pérolas – o que não foi observado em outros. Esta foi a primeira vez que uma pesquisa mostrou a relação entre o pico de vazão, o coeficiente de escoamento e a taxa de urbanização nas inundações do sul da China.
O modelo permite antecipar alagamentos para que pontos chave do sistema de drenagem consigam dar vazão à água. Isso permite que o Estado Chinês tome medidas preventivas para mitigar os danos e recuperar o terreno depois dos desastres. A pesquisa possibilitou a construção do primeiro método de alerta precoce para inundações urbanas da China.
— Nos anos 90, o governo percebeu que era importante investir nesse tipo de pesquisa. A partir de 1996, a China começou a colocar anualmente muito dinheiro na prevenção de inundações. Hoje em dia, rios maiores são preparados para que os alagamentos não sejam um grande problema - concluiu Yangbo Chen.
No Brasil, a situação é diferente. De acordo com o professor da PUC-Rio José Tavares Araruna, em locais de alta densidade populacional como a Rocinha, onde há mais de 48 mil habitantes por quilômetro quadrado, o cálculo se torna mais complexo. Não só isto, a cultura de descarte em canais dos rios, por indústrias ou indivíduos, faz com que as partículas sólidas se sedimentem no fundo e diminuam a área de escoamento. O sistema de águas pluviais e de coleta de esgoto também são precários.
— A China tem um governo central, quando toma uma decisão, ela é realizada. No Brasil, a gente tem uma democracia. Não se pode impor nada, só a imposição através do voto. Na China, em caso de inundação, retira-se toda a população, realoca e resolve o problema. Aqui, a gente tem boas resoluções, o que nós não temos são as ferramentas. Existem normas e leis que não são cumpridas.
Na PUC-Rio, pesquisas como a do modelo Liuxihe têm sido feitas. O Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio tem empregado estas ferramentas com ênfase nas bacias hidrográficas do Rio Piabanha (Petrópolis), da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Rocinha. O projeto liderado pelo professor da PUC-Rio Antonio Krishnamurti Beleño de Oliveira está sendo validado em Petrópolis, no Rio de Janeiro. O objetivo é diagnosticar os principais problemas do sistema de drenagem urbana e desenvolver soluções que reduzam os impactos das inundações e alagamentos.