Rita Luquini ex-coordenadora administrativa do Comunicar
É impossível falar de Fernando Ferreira sem citar o Comunicar. Ele, então coordenador do curso de jornalismo do Departamento de Comunicação, atendendo à demanda da Reitoria da PUC-Rio, foi um dos seus idealizadores e fundadores, nos idos de 1987, juntamente com o professor Cesar Romero, então Diretor do Departamento, e o professor Miguel Pereira. Foi aí que nossos caminhos se cruzaram. Cheguei ao Comunicar quase juntinho do seu nascimento, levada pelas mãos do professor Augusto Sampaio, que me apresentou aos professores que estavam na coordenação do iniciante Projeto e fui recebida com um “bem-vinda minha filha”, pelo professor Fernando Ferreira, Ele, logo percebendo e entendendo minha timidez, tratou de deixar-me à vontade e mais segura. Quanta delicadeza e gentileza!!! Nem parecia que seria o meu chefe, mas, sim, mais parecido com um pai!! Conversamos longamente e ele foi me explicando do que se tratava o setor e como funcionava. Eu, completamente tosca na área administração, tentando e ensaiando meus primeiros passos na vida profissional, jamais imaginei que começava ali a mais maravilhosa jornada de aventura profissional que alguém poderia imaginar viver a cada dia de trabalho. E toda essa memória afetiva que trago do meu início e progresso profissional, credito, em grande parte, à acolhida e amparo que tive por parte dessa pessoa maravilhosa, Fernando Ferreira!
Professor Fernando me ensinou cada passo a ser seguido, cada gesto e atitude que se deveria tomar em cada situação que nos deparássemos. Parecia até que ele já estava habituado a esse tipo de ensinamento administração. O que não é de admirar, considerando toda sua experiência e bagagem profissional, tendo atuado em várias outras áreas no mercado de trabalho antes de ingressar na PUC-Rio. Daí vinha todo seu traquejo para orientar um adm. Ele falava com tanta propriedade, que lhe sempre foi peculiar, que a gente dificilmente esquecia o que ele ensinava. Os anos foram se passando e nós seguíamos em nossa jornada nesse maravilhoso setor de trabalho, o Comunicar! Quanto orgulho a cada conquista, não importando a relevância frente aos outros, pois para nós cada conquista, por menor que fosse, era importante!!!! Nossa redação vibrava e fervilhava com o entusiasmo dos nossos estagiários! E cada um deles era incentivado e orientado pelo Fernando com extremo zelo, carinho e respeito. Eu adorava quando ele chamava cada estagiário, na hora de fazer os títulos das matérias, tanto do jornal quanto do PUC Urgente. Era um momento mágico e de constante aprendizado.
No início do Comunicar, em 1987, as ferramentas ainda eram limitadas e fazer o Jornal da PUC, por exemplo, envolvia dedicar-se verdadeiramente. Hoje, em pleno ano de 2024, se olharmos a inserção de nossos ex-estagiários nas muitas e diversificadas empresas de comunicação, não só do Rio de Janeiro como de outros estados do país e fora dele, lá está representado o Comunicar, mas, indiscutivelmente, o legado de Fernando Ferreira! Todos que passaram pelas suas mãos, cresceram! E eu, particularmente, ascendi profissionalmente sob sua liderança. E, mesmo após sua saída do Comunicar, fiz dos seus ensinamentos meu norte em cada desafio enfrentado. Conseguem captar aonde quero chegar com essa narrativa toda? Perceberam o tanto que aprendi e vivi no decorrer do meu trabalho com Fernando? Eu, que chaguei sem qualquer experiência, fui tão bem conduzida pela competência profissional que, quando dei por mim, já estava colaborando também na finalização das edições do Jornal da PUC e do PUC Urgente. Certamente, sem ele não teria conseguido avançar numa área diversa da minha. Fê costumava brincar me dizendo: “Ritíssima, minha filha (era assim que me chamava, por eu ser de baixa estatura, porém, uma grande pessoa aos olhos dele), você vai acabar sendo uma jornalista! Eu me enchia de orgulho e satisfação por ter ajudado. Fenando era assim como nosso chefe: nos envolvia e se envolvia de tal maneira que todos nós sentíamos mais do que gratificados, orgulhosos. Fazíamos questão e tínhamos prazer de integrar uma equipe tão pulsante, vibrante, viva e palpitante que Fernando comandava no Comunicar.
Obrigada Fernando pelo presente para a vida que ninguém tira, que é o saber!!
Até breve!
Rita de Cassia Seghetto Luquini (Ritíssima)
Jorge Paulo - Cinegrafista
Mesmo sabendo que cada um de nós temos uma missão nesse mundo, não é fácil aceitar que o ciclo se fecha e nessa hora não há quaisquer palavra que possa consolar a família, amigos...
Esse momento, é difícil para qualquer ser humano, e mais difícil ainda, é falar de uma pessoa que ao longo dos quase cinquenta anos da minha vida, ter esse inestimável ser humano a quem eu desconfio que entrou no meu caminho como um vagalume e iluminou o meu trajeto, onde contribuiu fortemente na minha formação como um todo.
Falar do eterno Fernando Antônio Ferreira da Silva, a quem eu tenho uma eterna gratidão por tudo, quando eu falo mestre, não é apenas por ser um lecionador nato e sim por ser um sábio em fazer tudo certo até nos momentos mais difíceis, ele foi atemporal, foi o GPS na nossa vida.
Como é difícil falar do Professor Fernando, que não só a mim, como a tantos ao longo desse anos, nos ensinou a ser pessoas melhores, quanta falta faz às reuniões regrada do guaraná milagroso como ele costumava dizer, almoços de natal, as nossa comemorações nas datas festivas que o Projeto Comunicar fazia para confraternização dos funcionários e estagiários, que bom termos boas lembranças para nos alentar a todos nesse momento difícil, mas Deus sabe do que ele foi capaz de fazer com a vida que lhe foi concedida.
Será que eu posso considerá-lo como um pai, um mestre, um amigo... seja lá o que for, só sei que a minha gratidão a esse ser iluminado nunca terá adjetivo.
Renata Ratton (Foi estagiária do Comunicar e primeira subeditora)
Muito mais do que professor, orientador, chefe, mestre, Fernando foi como um pai pra mim. Sei que muitos o consideram assim, mas no meu coração, nosso afeto era especial. Nossas brincadeiras, farras, nossas apostas de quem fazia o melhor título, e mais rápido, quando o "número de paicas" era desafiador. Como esquecer dele berrando rato e cantando o lundu "Rato, Rato", com sua voz rouquinha inconfundível, pra me provocar?
Profissionalmente, tudo o que sei sobre jornalismo aprendi com ele. Foi ele quem, como professor, descobriu minha veia para escrever e me deu a honra de ser a primeira estagiária contratada do Projeto Comunicar, como subeditora do Jornal da PUC. Mais do que honra, me deu a alegria de trabalhar com ele. Alegria é a melhor palavra porque, ao lado dele, podíamos ter dias difíceis, mas nunca dias ruins.
Exemplo de Homem, de erudição, de caráter, de humor, de sabedoria, de jornalismo. Nunca o esquecerei, Nandinho querido. Seu lugar no meu coração será eterno, como você.
Lilian Saback - (Professora do Departamento de Comunicação - com passagens por diversas áreas do Comunicar)
Fernando Ferreira foi responsável pela minha escolha definitiva pelo jornalismo e, depois, pela minha volta à PUC-Rio. Suas aulas na graduação me enchiam de paixão pela profissão e seus ensinamentos como chefe no Comunicar me prepararam para todas as funções que ocupei na universidade, principalmente, a de professora. Fernando era um ser iluminado que iluminava seus discípulos com muita cultura compartilhada em conversas informais e, também, muita firmeza quando era necessário. Mas, tudo, tudo sempre com muito carinho.
Carla Russo, jornalista e diretora da Corcovado Comunicação Estratégica. Aluna da PUC de 1999 a 2003 e do Projeto Comunicar de entre 2000 e 2002.
"Carla, o que você pensa sobre jornalistas que inventam fatos na matéria?", perguntou em tom sério Fernando Ferreira.
Eu gaguejei. Fiquei nervosa e achei que minha chance de ser estagiária do Comunicar tinha ido para o espaço.
Eu havia feito a prova para entrar no concorrido estágio no projeto inovador da PUC-Rio, que une jovens alunos aspirantes a jornalistas com profissionais de ponta que lecionam na universidade. Na pressa, não prestei atenção no enunciado da questão. "Escreva uma reportagem sobre o jogo da seleção brasileira". A partida seria no fim de semana seguinte. Achei estranho ter que escrever sobre um jogo que ainda não havia acontecido, mas não pensei nem por 5 segundos. Imaginei uma bela vitória do Brasil com direito a gol de cabeça do Júnior Baiano.
Apesar do grave erro, fui chamada para a entrevista. E a pergunta assertiva foi antes do "boa tarde". Pedi desculpas, tentei me explicar… E Fernando sentenciou: "A sua sorte é que estava bem escrito e eu te conheço o suficiente para saber que você nunca mais vai fazer isso."
Foi assim que eu entrei no Comunicar no fim do ano 2000. Eu já havia sido aluna do Fernando e também da Renata Cantanhede, subeditora do Jornal da PUC. Mas a convivência diária naquela redação elevou a experiência.
Adorava o fechamento do jornal, a diagramação com a Barbara Assumpção e todas as etapas até segurar o papel impresso. O caderno especial do PUC Urgente Matrícula, que fiz com o André Boaventura, foi meu primeiro grande desafio. A PUC passaria a ter matrícula totalmente online - uma novidade e tanto na época.
Com uma visão romântica do jornalismo achava que o meu destino seria a redação de um grande jornal, como O Globo. Aí o Fernando me convenceu a ir para a TV PUC. Apanhei bastante nos primeiros meses, queria voltar para o jornal. Ele não deixou. Quis o destino que nesse período de dúvida eu fizesse a entrevista do Estagiar da TV Globo. Com a confiança no que o chefe Fernando tinha me dado, decretei: "Descobri na TV PUC que quero trabalhar em televisão." E pronto. Deixei o Comunicar para um estágio na GloboNews, onde fiquei por 16 anos e construí uma carreira de sucesso.
Fernando ainda me acompanhou até minha formatura como orientador da monografia.
Entre as tantas lições que ele ensinou, destaco o compromisso com o jornalismo e com a verdade. Obrigada, Fernando.
Paula Autran - Jornalista (estagiária do Comunicar entre 1990 e 1992)
Fernando Ferreira está no lead da minha vida profissional. Da minha vida. Como ter me tornado jornalista sem ele como professor, "tutor" no Projeto Comunicar, onde comecei como repórter estagiária e passei à redatora sob sua monitoria, além de orientador da minha monografia? Mais que tudo, como me formar sem seu carinho e afeto em cada lição. Fernando está e sempre estará na minha vida cotidiana nos menores detalhes, nas entrelinhas, no copidesque. "Instituto Médico-Legal sem hífen é um instituto de doutores bacanas". "Maiores informações por que, se elas não ficam maiores: mais informações". Escrevo e ouço sua voz me lembrando. Para sempre. Obrigada, mestre!
Carmem Petit (Professora do Departamento de Comunicação - Foi estagiária e já passou por diversas áreas do Comunicar)
A primeira vez que vi o Fernando eu estava no início da faculdade e fazia a prova para meu primeiro estágio no Comunicar. Lembro que, para uma das questões, ele entrou na sala e exibiu um trecho do clássico “A montanha dos sete abutres”, de Billy Wilder. Fui aprovada e ali começou uma história que já tem mais de trinta anos.
Com o Fê, aprendi a fazer jornalismo. Lembro, com nostalgia, da redação no quinto andar, onde batíamos as matérias para o Jornal da PUC e as notinhas do PUC Urgente em pesadas máquinas de escrever, sempre com duas folhas entremeadas por carbono.
Fernando era um grande contador de causos, de humor ácido. Qualquer conversa com ele era uma delícia, o papo podia ser sobre cinema, jornalismo, política ou amenidades. Ainda consigo ouvir sua sonora gargalhada ecoando naquele espaço. Imaginava se um dia poderia usar as palavras de maneira tão elegante quanto ele. Admirava também sua caligrafia perfeita, letras que desenhavam suavemente o papel.
Fui sua aluna e monitora mais de uma vez. Anos depois de formada, retornei ao Comunicar para trabalhar na TV PUC. Nossa convivência diária em outra fase da vida só aumentou minha admiração. Fê foi um chefe inigualável, atencioso, divertido, sensível e exigente. A gente sabia que a coisa era séria quando vinha a convocação para ir à salinha no final do corredor e ele começava: “Minha filha, temos que ...”.
Fernando foi inspiração para muitas gerações, não apenas profissionalmente. Um ser humano lindo e generoso. Ele e sua fiel escudeira Ritinha me estenderam as mãos em muitos momentos difíceis.
A esse grande mestre, dedico todo meu carinho. Fê, tenha certeza de que sua jornada deixou muitas sementes pelo caminho e que continuam a germinar. Obrigada.
Martha Batalha - Jornalista e escritora - (Ex-estagiária)
Meu convívio com o professor Fernando Ferreira foi breve e aconteceu há décadas – dois ou três semestres de faculdade, ali no início dos anos 1990. E no entanto, quando eu soube do falecimento, eu me dei conta de como ele me marcou. Eu aprendi a escrever uma reportagem datilografando laudas numa máquina pesada e levando para ele corrigir. Fernando riscava tudo, explicava pela vigésima vez que eu tinha que me livrar do nariz de cera, me devolvia com um sorriso. Eu me lembro dele principalmente com esse sorriso, ele gostava de estar entre os estudantes. Era terno, competente e dotado de uma paciência infinita. Foi assim com a turma competente que fez o Comunicar comigo, e certamente com as que vieram depois. Um super legado, esse de passar breves semestres com a garotada, e de marcá-las para o resto da vida. O que fica é carinho, respeito e a cumplicidade e afeto pelos que fizeram o Comunicar comigo. A gente sabe o privilégio que foi ter o Fernando sorrindo por perto.
Fernando Ferreira e a integridade de um mestre
Nós não devíamos fazer elegias depois que alguém morre. Devíamos fazer, sempre, o elogio em vida. Como escreveu Gilberto Gil, “fazer a louvação do que deve ser louvado” para aquela pessoa ter dimensão do quanto ela foi e é importante para cada um de nós. Com pessoas no nosso círculo, é mais fácil. Com pessoas que marcam a nossa vida mesmo tendo convivido conosco por um período restrito de tempo, muitas vezes isso é silenciado. Fernando Ferreira é, para mim, uma dessas pessoas. Os meses de convivência quase diária que tive com ele, quando fui sua aluna e estagiária, são mera fração da presença dele em meu cotidiano nas décadas seguintes.
Fernando foi meu professor de Técnicas de Redação, no início dos anos 1990, no quinto período da habilitação em Jornalismo. Pouco depois de as aulas terem terminado, passei na prova de seleção para estágio no Projeto Comunicar e ele se tornou meu chefe. Embora eu já tivesse aprendido muito com ele em sala de aula, o que já seria suficiente para ele entrar na minha galeria de professores inesquecíveis, a passagem pelo Comunicar multiplicou sua importância na minha trajetória pessoal.
Seu jeito brincalhão se fazia em um território afetivo pelo qual eu sabia navegar. Lembro, por exemplo, ele bronqueando, sorrindo, por causa da deselegância de meu texto todo rabiscado, pelos vacilos de expressão em tempos que não tínhamos a facilidade do computador para eliminar os traços de nossas dúvidas. E se eu dissesse que ia passar o texto a limpo, me negava. Estava só me ensinando como se deve apresentar um trabalho para um chefe.
O sorriso é uma marca do Fernando. Sempre que penso nele, vejo ele sorrindo. No entanto, para elogiar, o sorriso se dissolvia. Não sei se era intencional, mas, percebo, hoje, a delicadeza desse gesto: quando ele ficava sério, prestávamos mais atenção... e um elogio tem que ser, de fato, ouvido. O mesmo acontecia quando dava um conselho, assumia uma seriedade solene e partilhava, como um paizão, sua experiência, dizendo aquilo que devia ser feito. Ele se preocupava com cada um de nós. Nunca foi só uma relação de trabalho ou de ensino-aprendizagem.
Esses meses de Comunicar foram mais do que um treinamento profissional. Tanto pelo que me foi dito, quando pelo exemplo diário que ele nos dava, tive, aos vinte e poucos anos, lições de ética, de compromisso, de responsabilidade, de generosidade, de gratidão, de lealdade e de fé. E, ainda, um aprendizado sobre a amizade, pela observação da parceria entre ele e Miguel Pereira, polos complementares.
Fernando está impresso em mim, em minha escrita, em minhas leituras. Ele, que fora aluno de português do meu avô, me dizia, na galhofa: “não é possível que uma neta do Gladstone cometa esse erro, tudo o que eu aprendi de português foi com ele”. E eu respondia sorrindo, em minha defesa, que eu só era neta dele, nunca tinha sido sua aluna.
Hoje, trinta anos depois de ter sido aluna e estagiária de Fernando Ferreira, posso dizer que quase tudo que eu sei de português eu aprendi com ele. Sim, quase tudo, porque também aprendi com meu avô: tanto Fernando falou dele que eu (pedi e) cheguei a fazer umas aulas com Gladstone, na casa do Cosme Velho, antes de ele morrer, momentos em que pude conhecer o grande professor que ele foi e a alegria que tinha em ensinar – até isso, Fernando, você fez por mim.
Conto essa história pessoal para acentuar a beleza do ciclo: se ele afirmava meu avô como mestre, o meu mestre foi o Fernando.
Quantas vezes e quantas vezes, falei em sala de aula para meus alunos, ou em casa para meus filhos: “aprendi com Fernando Ferreira que...”
E ficam as aspas em aberto, pelo tanto que foi.
Obrigada, Fernando.
Para Fernando, com uma lágrima - Caio Barretto Briso (ex-estagiário do Comunicar)
Bati na porta da sala do Fernando para me desculpar. Sentia vergonha por ter atrasado a entrega de uma reportagem, principalmente porque isso fez com que o título saísse errado. O erro não foi meu, mas o atraso que o provocou, sim. Estava lá, na última página do Jornal da PUC: “Em busca de matérias e tempos perdidos” em vez de “Em busca de mistérios e tempos perdidos”. Fernando sempre foi minucioso, um jornalista da palavra exata. Era um texto sobre a viagem que eu havia acabado de fazer, quando saí pela primeira vez do Brasil, sozinho, em uma volta pela América do Sul durante as férias. Embora o Jornal se restringisse, com raras exceções, ao dia a dia da universidade, eventos acadêmicos e entrevistas com professores, Fernando me incentivou a escrever um texto em primeira pessoa, o que até hoje é algo pouco comum no jornalismo profissional. Eu não queria decepcionar aquele homem. Ele me ouviu em silêncio, contou que o jornal seria impresso novamente – milhares de exemplares iriam para o lixo por aquele engano – e prestou atenção quando propus não receber meu salário de estagiário até quitar minha “dívida” com o Projeto Comunicar. Sem cerimônia, sugeriu que eu enfiasse o dinheiro em um lugar, digamos, impublicável, e tudo acabou em riso. Mas ficou uma lição, sempre ficava.
Fernando Ferreira foi o professor mais importante que tive na PUC-Rio, meu orientador de monografia, meu mestre. Ele nos dava seu tempo, seu conhecimento e, posso dizer, sua amizade. Passei horas intermináveis em sua sala no Comunicar em conversas sobre cinema e literatura. Algumas vezes fomos embora com a universidade quase fechando, muito depois do meu horário de estagiário e do dele de professor. Eu ouvia com entusiasmo sobre sua entrevista com o escritor Graham Greene, seu encontro com o cineasta Werner Herzog, seus muitos anos como crítico de cinema do jornal O Globo, sua piada com o censor da ditadura ao deixar a velha redação da Rua Irineu Marinho, 35, onde trabalhei anos depois. A piada: cansado da censura e da estupidez humana, disse que sairia para tocar oboé. Embora fosse amigo e amante da música erudita, nunca tocou oboé, mas sabia que o milico, com seu conhecimento de baixo calibre, nem imaginava o que era isso. À época, já tinha alunos devotos e havia escolhido outro caminho: ensinar. E como ensinava bem. Um dia ele entrou na redação e leu o início das notas do PUC Urgente. Todas começavam do mesmo jeito modorrento, com artigo definido. Concluiu: “O que seria do Ancelmo Gois se ele começasse cada nota da mesma forma? Morreria de fome”. Reparem: a maioria dos textos e parágrafos jornalísticos começa com “o”, “a”, “os” e “as”. É vício de linguagem, saída fácil para um problema difícil. Pode parecer simples, mas ele nos deu um ensinamento para a vida inteira – mais um.
Uma vez fui à casa do Fernando. Eu já conhecia Mara, sua companheira da vida inteira – 62 anos de amor –, e naquele dia conheci Elisa, filha tão querida. Comemos, bebemos, conversamos e assistimos ao filme O Homem que Matou o Facínora. Fernando tinha devoção por John Ford, rei do western e único diretor a vencer quatro Oscars. Talvez Federico Fellini fosse seu segundo predileto, mas não havia ninguém, para ele, que chegasse perto do americano. Influenciado por Fernando, vi muitos filmes de Ford, como As Vinhas da Ira, Como era Verde o meu Vale, Rastros de Ódio, O Céu Mandou Alguém. Cada filme assistido rendia uma semana de conversa. E eu amava cada conversa com Fernando, saía maior do que entrava em todas elas.
Quando soube, pela professora Carmem Petit, que ele estava internado e que sua morte se aproximava, era noite de sexta-feira, dia 12 de julho. Demorei a dormir, revendo um filme dos últimos 20 anos, história que começa nos corredores da Ala Kennedy e que tem seu plot twist quando Fernando me acolhe como um dos novos repórteres do Jornal da PUC, no dia 1º de setembro de 2006, iniciando muito mais que minha vida profissional. Foi no Comunicar que passei a conviver com Clarice, meu amor, mãe do meu filho. Foi lá que conheci um grupo de amigos que se mantém unido mesmo quando está distante. E Fernando… Acordei no dia seguinte e dirigi até o Hospital São Vicente de Paulo, na Tijuca. Não estava no horário de visita da unidade semi-intensiva, mas autorizaram minha entrada. Lilia, uma de suas três fiéis escudeiras, estava lá. Embora parecesse inconsciente, eu o sentia presente. São coisas que não se explicam. Quando segurei na sua mão, ele apertou a minha. Comentei no seu ouvido que João já completaria sete anos, que não tenho visto bons filmes recentemente, que estava com saudade dele. Coloquei Clair de Lune, de Debussy, para ele ouvir um pouco de boa música. Depois, algumas trilhas sonoras de filmes do Ford. Seu batimento cardíaco subiu de 55 para 75. Abracei-o. Agradeci por tudo. Beijei sua testa e, sem querer, fui embora. A pedido do médico de plantão, prometi que só ficaria dez minutos, por estar fora do horário de visita. Acabei ficando 50. Foi a conversa mais rápida que tivemos.
Fernando morreu sete dias depois, em 20 de julho – curiosamente, o Dia do Amigo, como observou Adriana, sua filha e também uma das responsáveis pelo Comunicar ter se tornado uma escola de jornalismo dentro da graduação. No velório antes da cremação, na capela 7 do Memorial do Carmo, havia amigos com idades entre 6 anos, considerando meu João, e quase 90. Mara estava forte, mesmo sabendo que saudade é faca afiada. Bernardo, também professor e único filho que eu só conhecia de vista, e Alice, neta de Fernando, projetaram trechos de filmes de Fellini e, claro, Ford. A última cena foi a de encerramento de Rastros de Ódio, com o ator preferido do Fernando, John Wayne, afastando-se no velho oeste após seu personagem resgatar a sobrinha que fora raptada. A canção final, de Max Steiner, que faz referência ao título original (The Searchers), não poderia ser mais tocante para o momento: “Um homem irá procurar seu coração e alma / Irá procurar muito longe / Sim, paz de espírito ele sabe que vai encontrar / Mas onde, oh Senhor, onde? / Vá embora, vá embora, vá embora”.