Inteligência Artificial traduzida
04/10/2024 17:44
Marina Kersting

No dia internacional da tradução, os profissionais Jorge Davidson e Daniel Maciel debatem sobre o futuro da carreira em tempos de Inteligência Artificial

Jorge Davidson explica sobre tradução automática

Os tradutores estão com medo. Muitos têm certeza de que vão perder seus empregos para a Inteligência Artificial imediatamente, outros pensam que é questão de tempo. No entanto, para o tradutor e professor do Departamento de Letras Jorge Davidson e o intérprete e tradutor Daniel Pereira Maciel, esse cenário alarmista não corresponde à realidade. Na discussão sobre o “Impacto das inovações tecnológicas sobre o trabalho do tradutor e do intérprete no mundo contemporâneo” eles mostraram que há muito mais do que medo no futuro da profissão. 

Enquadrado pela câmera de transmissão do Zoom, Jorge Davidson apresentou a palestra “Tradução em tempos de IA: desafios, oportunidades e expectativas” na Sala Cleonice Berardinelli. Na exposição, Davidson se preocupou em se distinguir da opinião comum. Para o professor, muitos profissionais estão tratando a inteligência artificial como se fosse o meteorito que extinguiu os dinossauros. Ele ressalta que essa tecnologia não é novidade para os tradutores.

- O que é novo, na verdade, é que agora a gente utiliza a inteligência artificial sem precisar da intermediação de um técnico de informática.

O tradutor relembra que, desde a década de 1950, com Alan Turing e os alunos da Dartmouth College, a capacidade da inteligência artificial de superar os humanos já era discutida. Para Davidson, os problemas enfrentados décadas atrás são praticamente os mesmos de hoje e as soluções parecem improváveis até para o futuro. 

Jorge Davidson sobre Programação Neurolinguística

Segundo o tradutor, as máquinas sempre vão precisar de um humano para consertar seus erros. Inclusive, a prática de editar as traduções da máquina a partir do arquivo traduzido, a pós-edição, já é uma técnica incorporada ao mercado e muitos profissionais fazem por praticidade e facilidade. Davidson destaca um componente muito importante para a tradução que escapa da tecnologia.

 - O modelo não tem bom senso. Eu sei que eu e você temos essa capacidade de julgar, mas não consigo descrever exatamente o que ela é. Se já é difícil para nós humanos definirmos o que é esse bom senso, imagina para uma máquina, imagina tentar treiná-la para isso.

Os profissionais destacam que esse é apenas um dos problemas das tecnologias contemporâneas. Outros problemas comuns que os tradutores enfrentam são a falta de uniformidade necessária em um texto escrito e a má qualidade da tradução, principalmente em línguas que não são inglês ou espanhol. Jorge enfatiza que os problemas dos tradutores passaram há décadas, os intérpretes estão enfrentando nos últimos dois anos. 

- Hoje a gente está vendo quem trabalha com tradução audiovisual, os intérpretes, se desesperando, mas quem trabalha com a tradução escrita já viu como funciona. E o que aconteceu foi uma mudança e uma adaptação, mas não a eliminação dos empregos. 

O outro palestrante do dia, Daniel Maciel, especialista na tradução audiovisual, concorda com o colega. Segundo o intérprete, há uma saturação de diagnósticos pessimistas, muitas vezes precipitados. Para Maciel, há outras possibilidades que precisam ser levadas em consideração.

- Estamos no momento de incertezas. Já tem gente demais falando das coisas ruins das inovações. Os problemas existem, mas neste momento ninguém tem uma solução real para ele. Então o que a gente pode fazer é usar o que tem de bom. 

Na apresentação “Inovações em TI para tecnologias e informações: uma mão na roda ou desastre à espreita”, ele compartilhou que a sua opinião é de que a inteligência artificial é mais uma mão na roda do que um problema. E refletiu:

– Mesmo que a pior profecia seja verdade ainda vai precisar de pessoas. Os profissionais vão ter que acompanhar a mudança e não ter medo dela. Eles vão precisar usar estas novas ferramentas, ignorá-las com medo de que elas vão roubar os empregos só vai fazer com que você seja passado para trás.

Este é mais um ponto em que os profissionais concordam. Davidson complementa:

- Os tradutores que não acompanharem as mudanças vão ficar para trás. Nós temos que nos apropriar das ferramentas, se não as agências e os consumidores vão, e isso vai ser pior para a gente.

Em ambas palestras os profissionais mostraram algumas ferramentas que ajudam no trabalho. O professor Jorge Davidson demonstrou como o software Trados unido ao Chat GPT consegue customizar e otimizar a parte mecânica da atividade.

- A qualidade da tradução vai depender dos prompts (instruções) que você usar. O interessante é refinar para atingir o resultado mais parecido com o que a gente quer. O mesmo texto pode ter um tom profissional ou mais casual.

Na apresentação, Jorge deu o exemplo da frase “I’m here for the tea”. A tradução literal seria “Eu estou aqui pelo chá” e a expressão idiomática é “Eu estou aqui pela fofoca”.

- Saber a melhor forma de utilizar as plataformas permite encontrar o melhor resultado. Eu uso para analisar as opções, ver as possibilidades, mas principalmente tirar boas ideias. - Complementa Jorge. 

Da lista de ferramentas que o intérprete Daniel Maciel apresentou, a plataforma NotebookLM surpreendeu os ouvintes. O programa resume documentos complexos, responde perguntas específicas, sugere possíveis questões e consegue transformar as informações em briefings, guias de estudo ou até em podcasts.  Essa ferramenta não causou espanto somente aos leigos. Para Maciel, além da capacidade de transformar pesquisas extensas e complexas em informações simples e claras, o podcast disponibilizado pelo programa é extremamente realista, o produto parece de fato uma conversa entre duas pessoas reais. Os robôs fazem piadas, anedotas e usam metáforas que ajudam a explicar a questão. Segundo o intérprete, essa é a principal barreira enfrentada pelas inteligências artificiais hoje:

- Os sentimentos, emoções e tonalidade ainda são características que as tecnologias não conseguem acessar e reproduzir. Elas não conseguem entender o que vai além do contexto, qual a emoção e o tom que as pessoas querem passar. 

Se as novas tecnologias encontram dificuldades, as antigas ainda são as mais utilizadas e conceituadas. As plataformas de tradução automática do século passado ainda são consideradas melhores do que a inteligência artificial, principalmente quando elas se uniram com as ferramentas das redes neurais que permitem ao profissional manter uma memória de tradução – exemplo do Google Tradutor:

- Nem toda ferramenta nova é melhor. Além disso, é muito difícil mudar de uma ferramenta que já está consolidada há anos por outra, mesmo se essa for melhor. - Jorge explica.

Mas essa não é a única questão que desacelera a implementação das novas tecnologias. Para Daniel Maciel, o custo necessário para manter o funcionamento e desenvolvimento da Inteligência Artificial é muito alto, sem contar o gasto de energia. Mas Jorge Davidson discorda, para ele, o alto custo econômico e ambiental não são motivos suficientes para impedir que as empresas continuem investindo nas novas tecnologias No entanto, o professor  não é fatalista, por mais que pareça pessimista, ele considera que o futuro não é tão sombrio como a maioria dos profissionais projetam. Para ele, é necessário lidar com a realidade e entender as limitações:

- A gente vai precisar perceber onde podemos fazer a diferença e onde podemos continuar a fazer o que gostamos. Eu acredito que os tradutores e intérpretes têm futuro. Pode não ser o que a gente sonha, nem sequer o que a gente consiga imaginar, mas a gente vai continuar existindo.

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