A falta de integração internacional dos países africanos é um dos grandes desafios para que eles melhorem suas infraestruturas. Isso causa, por exemplo, a falta de acesso à energia elétrica para mais de 600 milhões de pessoas. Esse foi um dos temas “Africa-Led Debate on Infrastructure” (Debate sobre Infraestrutura Liderado pela África, em tradução livre), um evento paralelo do Grupo de Trabalho de Infraestrutura do G20, realizado no dia 1o de outubro.
Na mesa, o Diretor Executivo Adjunto do Banco Mundial, lamentou a falta de estruturas para o sistema de desenvolvimento do continente. Harold Tavares exaltou investimentos do Banco Mundial ao longo dos anos, como os cerca de 5 bilhões de dólares (mais de 27 milhões de reais) voltados para o setor de energia em 2014.
Tavares reforçou a importância da Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), o braço do Banco Mundial responsável por financiar projetos de crescimento econômico, redução da desigualdade e melhora nas condições de vida nos países mais pobres do mundo. Para solucionar o déficit na infraestrutura do continente, seriam necessários mais de 120 milhões de dólares (mais de 655 milhões de reais). Além do dinheiro, os países africanos deveriam estar na liderança dos projetos, com resiliência a longo prazo no planejamento.
— São prioridades que estão conectadas à missão em parceria com o Banco de Desenvolvimento Africano. Temos que buscar crescimento econômico e, quando falamos de infraestrutura, isso também envolve criação de empregos, oportunidades para os jovens, estruturas sustentáveis e adequadas. É necessário construir resiliência e eliminar os motivos que causam imigração. Precisamos trabalhar para que as pessoas não busquem refúgio e tenham condições de desenvolvimento aqui.
A CEO da consultora de desenvolvimento internacional Development Reimagined, Hannah Ryder, fez um panorama das lacunas no financiamento de projetos. Segundo a especialista, um dos principais problemas é que a infraestrutura, concentrada nas fronteiras, favorece apenas a exportação de matérias primas, em detrimento da importação de produtos para o desenvolvimento das sociedade. A ex-diplomata e economista ressaltou que falta esforço internacional para organizar uma cooperação pensada para a infraestrutura africana.
— O modelo financeiro internacional não funciona para os países africanos e os estudos não levam em consideração os efeitos de crescimento que esses locais podem ter. Precisamos de mais financiamento, mais capital, mais modelos de economia e de um sistema internacional mais flexível.
Para ela, é uma necessidade que não pode ser paga apenas pelos governos locais e o resto do mundo ainda não entendeu isso. Hannah apontou que o G20 constantemente subestima a necessidade de investimento e apresentou como o índice do Global Infrastructure Group (iniciativa do G20) se difere, em cerca de 70 milhões de dólares (380 milhões de reais), dos coletados pela empresa que dirige.
O economista Boitumelo Mashilo, do Tesouro Nacional da África do Sul, ressaltou a importância do financiamento estrangeiro no continente africano, seja de instituições globais como o Banco Mundial, seja de empresas privadas. O palestrante indicou que “infelizmente”, em muitos países, vêm dos governos o capital para construir infraestrutura, mesmo que o custo seja muito alto e além do que os locais conseguem sustentar.
— Quando vemos os projetos entre os países, temos um grande problema a resolver. É preciso aprimorar os nossos fundamentos em termos macro, se não, não conseguiremos arrecadar o capital necessário. E também fortalecer nossas governanças, um relatório do Fundo Monetário Internacional diz que um terço da capacidade de desenvolvimento foi perdido por elas. Precisamos de parcerias e apoio em questões que já estamos muito pra trás. A gente não consegue conquistar nossas ambições de infraestrutura sozinhos.
O diretor de Infraestruturas, Cidades e Desenvolvimento Urbano do Banco Africano de Desenvolvimento, Mike Salawou, foi questionado sobre como a instituição pode lidar com a lacuna explorada por Hannah. Em resposta, indicou que as infraestruturas atuais são ineficientes e que é preciso usar a expertise local para a aplicar soluções sustentáveis e inovadores desenvolvidas ao redor do mundo.
Por meio do apoio aos programas como o Consórcio de Infraestrutura para África, o African Cities Program e o Sub-Saharan Africa Transport Policy Program (SSATP), o banco promove compartilhamento de conhecimento e capacidade entre países. O economista também disse que as mudanças climáticas aumentam o valor necessário de investimento, visto que buscar um desenvolvimento de qualidade significa preparar estruturas que perdurem aos desafios climáticos que podem ser enfrentados no continente africano.
O Chefe da Divisão de Transportes e Mobilidade da Comissão da União Africana, Eric Ntagengerwa, explicou que um dos desafios é a pouca integração inter-regional, que se expressa desde a falta de padrão nas moedas até a desconexão física entre os países. O engenheiro defendeu o investimento em modelos de transporte inteligente que diminuam o tempo de levar bens e serviços de um país a outro e reduzam a emissão de carbono.
A mesa foi mediada por Mariana Davi Ferreira, da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, e teve na abertura discursos de boas-vindas do coordenador da Trilha Financeira do G20 pela Presidência Brasileira, Jéser Abilio de Souza, do subsecretário de Finanças Internacionais e Cooperação Econômica do Ministério da Fazenda do Brasil, Antonio Freitas e da diretora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (IRI PUC-Rio), Isabel Rocha Siqueira.
A professora da Universidade realçou a importância da presidência brasileira, pela Trilha das Finanças estar cumprindo com o que prega. Pela primeira vez na história, a União Africana participou do G20 e, segundo Isabel, ter um debate com o recorte da perspectiva africana da política, economia e infraestrutura é muito necessário. A pesquisadora do BRICS Policy Center, iniciativa do IRI PUC-Rio, evidenciou o que significa para a universidade e, principalmente, para os estudantes, ter acesso a uma discussão do G20.
— Trazer esse debate de qualidade para dentro da universidade enquanto ele está acontecendo, no calor do momento, enquanto os temas estão novos e recentes é super marcante, significa muito para a gente. É fundamental que os alunos vejam quem está circulando por esses ambientes, tenham acesso físico e possam conversar com essas pessoas. Para além disso, é essencial que vejam a circulação das ideias. Isso acabou sendo muito rico para a cidade do Rio de Janeiro, que vários desses eventos estejam acontecendo aqui, na cozinha de casa.
As considerações finais foram feitas pelo coordenador do Grupo de Trabalho sobre Infraestrutura do G20, Marden Barboza, que agradeceu aos convidados e à PUC-Rio pelo debate e afirmou que as lideranças brasileiras estão comprometidas a abrir e manter relações próximas com o continente africano.
— A discussão destacou os desafios africanos e é evidente a similaridade com os desafios da América Latina. Isso só aponta mais ainda a necessidade de parceria com organizações e bancos para melhorar a infraestrutura dos países, levando em consideração as necessidades locais. Estamos confiantes que os eventos vão produzir soluções e ideias para todos.