A professora Maria da Glória Gohn, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmou que a esquerda e a direita inverteram suas posições na sociedade. Segundo ela, houve o esgotamento e o esvaziamento das políticas participativas entre 2016 e 2022. A direita passou a ter uma face mais popular, enquanto a esquerda ficou presa a questões que a afastaram do povo. Desta forma, Gohn avaliou que surgiram “contramovimentos sociais”, que passaram a defender a adoção de regimes antidemocráticos.
— Eles atuam nas redes sociais com mensagens apelativas, se apropriando de temas do cotidiano, como segurança, saúde, moradia e trabalho, e valores morais, como a questão LGBTQIA+, e assim vão conquistando bases populares. Observa-se assim uma inversão: sem falar de classes sociais, esses conservadores centram foco nas massas populares, enquanto os progressistas, a esquerda, focam em um identitarismo que se afastou das massas. É necessário parar e refletir sobre o que está acontecendo.
Maria da Glória Gohn ressaltou a necessidade de “narrativas agregadoras” para superar o clima de ódio que se instaurou na sociedade brasileira nos últimos anos.
— Mas o diálogo não se constrói em condições desiguais: é preciso equalizar os termos. O valor da democracia não está na existência de berreiro e xingamentos entre lados opostos, mas sim na preservação de uma vida social e cultural saudável para todos — concluiu.
A mesa “Desigualdade, Cidadania e Direitos” aconteceu no último dia do seminário que comemora as sete décadas de fundação do Departamento de Ciências Sociais por Fernando Bastos de Ávila S.J., padre jesuíta e membro da Academia Brasileira de Letras falecido em 2012. Também participaram da mesa as pesquisadoras Mariana Cavalcanti e Celina Souza, que discutiram a crise atual da democracia representativa e a necessidade de repensar algumas questões urbanas no contexto do século XXI.
Segundo a professora Celina Souza, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA), uma das principais questões da atualidade é a aparente contradição presente no fato de que, cada vez mais, eleitores têm optado por votar em candidatos autoritários, que atacam os valores democráticos.
— Não é meramente uma questão de alternância de poder. O Trump voltar à Casa Branca é algo que aconteceu dentro das regras, e para a Ciência Política o importante é que elas sejam cumpridas. Nesse caso, o que precisa ser entendido é por que esses eleitores optam por votar nele, e essa é uma questão que apenas há pouco começou a ser estudada mais profundamente.
Para Souza, não se pode ignorar o fato de que parte dos eleitores tem uma alta rejeição às instituições da democracia representativa, o que, à primeira vista, é um contrassenso.
— Cabe a nós, os cientistas sociais, nos debruçarmos sobre esta questão, para entender o desencantamento com o sistema representativo. Todos nós estamos perplexos, mas precisamos superar a nossa perplexidade e olhar cientificamente para os fatos.
Mariana Cavalcanti, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), falou sobre a necessidade de repensar a relação da cidade com a natureza. A professora enfatizou que o aumento do nível do mar e o derretimento de geleiras são fenômenos que demonstram a urgência de refletir sobre o modo de planejamento das cidades.
— Ainda temos a linguagem dos arquitetos e dos engenheiros do século XX para pensar as histórias urbanas, como a retificação de rios, a derrubada de morros e aterramentos — criticou.
Formada em Comunicação, a convidada produziu o documentário “Favela Febril” (2014), em que aborda a desigualdade e as questões urbanas, que, segundo ela, são atreladas.
— Quando a gente sai na rua, quando a gente conversa com as pessoas, a gente vê que a cidade é um espaço de disputa. A política, a vida cotidiana se emaranham dentro dessa disputa por esses espaços, pela transformação desses espaços e pela tentativa de conseguir alcançar o direito à moradia.