O documentário “Black Rio! Black Power!” mostra o surgimento de um movimento cultural e identitário que transformou a realidade da juventude negra carioca. Escrito e dirigido por Emílio Domingos, professor do departamento de comunicação da PUC-Rio, o filme resgata memórias da cidade do Rio de Janeiro na década de 1970, período o qual a juventude negra utilizou-se do cenário musical como ferramenta de resistência em meio à repressão do governo militar. “Black Rio!, Black power!” conta com depoimentos de artistas dos bailes de música soul e jovens que participaram do movimento de valorização da cultura negra.
O movimento Black Rio se caracterizou como resistência política e afirmação social, que uniu milhares de jovens em busca de divertimento e expressão de suas culturas e anseios.
Uma das figuras de relevância no movimento, Dom Filó - criador da equipe de som Soul Grand Prix - tem participação no documentário e destaca que a criação do movimento estava ligado a uma carência da juventude negra da época, com escassas referências dentro da comunidade. A relevância dos bailes Black foram como um rastilho de pólvora para a sociedade, se espalhando rapidamente pelos subúrbios cariocas. Posterior ao sucesso dos bailes que tinham como ponto central o divertimento e orgulho negro, houve a tentativa de repressão por parte da ditadura militar para frear a influência da mobilização.
No ano de 1975, o regime militar direcionou suas forças para o silenciamento do grupo. De acordo com Dom Filó, a teoria dos militares era de que o movimento cultural estivesse formando “um grupo de jovens negros de nível intelectual acima da média, com pretensões de criar no Brasil um clima de luta racial”. O filme mostra um documento do Exército para órgãos como o Departamento da Ordem Política e Social (Dops). Essa perseguição com denúncias baseadas em teorias conspiratórias resultou na caça de líderes e integrantes dos bailes soul. Entre os perseguidos, estava Dom Filó, preso no ano de 1976 na saída do Renascença Clube, local onde as festas black eram realizadas. O artista e organizador do movimento foi encapuzado, jogado dentro de um carro, e levado para um interrogatório. Depois de horas de tortura psicológica, o artista foi deixado no bairro de Lins de Vasconcelos.
— A polícia chegou e eu senti que poderia acontecer um desastre, então cheguei para a massa e disse: “Queremos agradecer a presença da força policial que vem trazer a segurança para todos nós." Disse Dom Filó.
No meio de um mar de cabelos afro, rodas de dança, estilo próprio e um sapato alto para demonstrar o tamanho da autoestima da comunidade, o movimento Black era visto de forma negativa por setores políticos. Mesmo que o movimento estivesse estritamente relacionado ao divertimento e valorização da cultura negra, para setores à direita, era visto como se estivesse chegando movimentos “radicais” no Brasil, como os Panteras Negras. À esquerda, dizia-se que o Black representava o imperialismo americano querendo acabar com a cultura tradicional do samba.
No fim, o Black Rio estabelece um olhar de pertencimento e reconhecimento de pessoas negras em um contexto social repleto de preconceitos. A influência cultural do movimento se estende até os dias atuais, com a popularização dos bailes funk e rodas de hip-hop.
— É a partir do momento que a sociedade começa a se reconhecer, né o Brasil pois que tem 54% da população que é negra, a maioria do país é negra, né? Eu acho muito natural que as pessoas brancas reconheçam isso e respeitem e tentem viver harmoniosamente. O problema é que o racismo ainda é muito presente. É um país que viveu uma escravidão longa (...) E isso é extremamente violento, então é essa mudança, eu acho que vem com a mudança da sociedade nesse sentido de educação, de que essas pessoas racistas realmente sejam punidas, que as leis sejam rigorosas, destacou o diretor do filme, Emílio Domingos.