Professores discutem aprendizagem além da escola
11/12/2024 14:24
Lucca Penante, Irene Buarque, Victoria Kuper e Camila Cunha Guanabara

Seminário Etnografias da Aprendizagem organiza dois dias de palestras na PUC

Professora Mylene Mizrahi abre o evento “Etnografias da Aprendizagem” (Foto: Matheus Santos)

Não é porque certas aprendizagens não ocorrem no meio escolar, que elas não devem ter espaço para serem difundidas. O grupo de pesquisa da PUC-Rio Estetipop, Laboratório de Pesquisa Antropológica em Estéticas, Aprendizagens e Cultura Pop/Popular, que investiga a interface entre antropologia, arte e educação, com ênfase na dimensão sensível e sensorial da vida social, realizou o seminário ‘’Etnografias da Aprendizagem - Estéticas e poéticas do aprender’’. Quando questionada sobre a importância das mesas trazidas, a co-organizadora do evento e professora da PUC-Rio Mylene Mizrahi disse que, em geral, a gente pensa que a escola é o lugar de aprender.

— Aqui, é pensar ou aprender de um modo não escolar, mas muitas vezes permanecendo ainda formal. Por exemplo, como você vai aprender a trançar? Não é totalmente aleatório, não é intuitivo, tem uma uma pedagogia. Tem um conhecimento que é tradicional e que é transmitido, mas ele não é dado num espaço da escola.

O evento, que também foi organizado pelo professor Guillermo Vega Sanabria, da UFBA, contou com a participação de pesquisadores do Rio de Janeiro, de outros estados brasileiros, e até do exterior. Em dois dias, ocorreram cinco mesas de debates e uma conferência de encerramento, tendo como tema central as aprendizagens não escolares com foco nos afazeres artesanais e artísticos, no engajamento do corpo e na dimensão sensível da vida social.

A primeira mesa, com o tema “Etnografia com estilo: práticas artísticas e aprendizagem da cultura”, recebeu Igor Rodrigues, professor do bacharelado em Arqueologia da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará). O docente expôs uma síntese de sua pesquisa acerca da aprendizagem dos trançados entre os povos do Mapuera, também chamados de povos Wai Wai, e contou a sua experiência no processo de elaboração da sua análise.

— Eu acompanhei a cadeia de produção de trinta e quatro tipos de trançados, além de me engajar na manufatura de seis tipos deles. Eu senti na pele as provocações de vegetais, experimentei algumas dores no corpo. Interagi, ainda, com alguns seres específicos para facilitar o meu aprendizado, adquirindo parte da habilidade e destreza deles.

Professor Igor Rodrigues na Mesa 1 - Etnografia com estilo: práticas artísticas e aprendizagem da cultura (Foto: Matheus Santos)

Além de Rodrigues, Ana Maria Gomes, professora da UFMG, apresentou o seu estudo de campo no qual era abordada a materialidade de documentos e a aprendizagem da etnografia a partir de uma pesquisa em comum com Joel Oliveira Xakriabá, Nei Leite Xakriabá e Matheus Machado Vaz.

— Os Xakriabá são um dos pouquíssimos povos e raríssimos exemplos de documentação escrita em relação à posse da terra. (...) Em algumas das exposições que eles estão montando, o cacique pediu justamente que não precisava dizer nada sobre a disputa de território da região no sul do território indígena Xakriabá, ele falou: “pega o documento de 1728, manda uma foto dele e a nossa posição é só isso.” Percebem a ideia da materialidade da escrita, do documento, e da disputa da relação?

A segunda mesa do primeiro dia, “Estilo na veia: estética, moda e tradições”, foi moderada pela professora Mylene Mizrahi e contou com três palestrantes. Denise Ferreira da Costa Cruz, professora na UNILAB-CE, antropóloga e escritora ensaísta, trouxe pequenos recortes sobre sua pesquisa “Pelas mãos masculinas: cuidados dos cabelos em Redenção e Acarape”, na qual ela observa a estética do afeto em homens negros, que cuidam dos cabelos uns dos outros, e apresenta uma masculinidade que não tem medo do toque. O cabelo é trazido não apenas como estética, mas como política. Cruz ainda considera o tensionamento de questões raciais em seu trabalho.

Em um segundo momento da mesa, Lidyane Souza Querino, mestranda em antropologia na UFMG, promoveu uma conversa sobre seu estudo “Do que nos vestimos? As entre costuras da criação de moda afro-brasileira”. A pesquisadora foca seu trabalho no vestuário como revestimento do corpo, não sendo algo superficial, mas sim uma prática incorporada que é usada para construção de identidades pessoais e coletivas negras. Ressalta a moda afro-brasileira como uma estética criada por pessoas negras que pensam sua origem, identidade, vivência diaspórica e lugar não-colonial, que deve ser valorizada no contexto nacional e global.

Sérgio González Varela, professor da Universidade de Varsóvia, finalizou a mesa em uma conversa sobre a importância e a cultura da tatuagem. Em sua palestra “Convertirse en artista: Aprendizaje y transmisión del conocimiento en la cultura del tatuaje”, Sérgio afirma a existência de uma cultura global de tatuagem, que consiste na sensação de pertencimento a uma comunidade imaginária. Ela é vista por tatuadores e tatuados como um processo ritual, e o estúdio como um lugar semi-sagrado.

– O significado das tatuagens muda com o tempo, e a interpretação das tatuagens também muda com a idade.

A terceira mesa, “Aprender com a terra”, levou os presentes a debateram novas formas de aprendizagem em conjunto com o meio ambiente, a palestra foi moderada pelo professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio Valter Sinder e finalizou o primeiro dia do evento.

Leonardo Dupin (USP), Pós-doutorando em Antropologia, apresentou a importância da produção artesanal do queijo na região da Serra da Canastra em Minas Gerais. A abordagem de Dupin sobre o tema está em sua pesquisa “Queimadores do campo e fazedores de queijo: reflexões sobre micro biopolítica e piropolítica na produção de queijos artesanais na Serra da Canastra, Minas Gerais”. Para ele, a produção desse patrimônio imaterial brasileiro é ancestral, político e místico. Além disso, o seu modo de fazer é complexo e inviabilizado, e é um trabalho em conjunto, passado de geração em geração.

Isabel Cristina de Moura Carvalho (UFMG), psicóloga e professora do Programa de Pós Graduação em Educação da UFMG, também estava presente na terceira mesa e apresentou seu trabalho “Aprendizagem e ambiente: aportes para uma ecologia da aprendizagem”. Nele ela aborda sobre a aprendizagem ecológica, termo que compreende um entendimento ampliado do que é aprendizagem, e o papel ativo do ambiente nesse processo de aprender.

“O corpo sabe: técnica e moralidade na aprendizagem” foi o tema da primeira mesa do segundo dia, moderada pelo professor Ralph Bannell da PUC-Rio, que foi introduzida com a fala de Lucas Maroto Moreira, Bacharel em Ciências Sociais pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). O pesquisador expôs a pesquisa de campo que executou de 2018 a fevereiro de 2020 a partir do convívio com praticantes jovens de modalidades esportivas amadoras de treino físico em espaços públicos. Moreira contou que o seu objetivo era fazer um recorte com a questão do corpo, da estética corporal, da aprendizagem e do vínculo com a gramática moral do “fitness”, cuja base é o autocontrole, a disciplina, o sacrifício e a resiliência.

Mesa 4 - O corpo sabe: técnica e moralidade na aprendizagem (Foto: Matheus Santos)

Carlos Eduardo Machado, Doutor em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Mestre e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), produziu uma análise acerca do mundo do rodeio no Brasil, com foco na cidade de Barretos, em São Paulo. Machado explorou a relação do homem com o touro e com os processos de aprendizagem das habilidades de montaria. Posteriormente, Gabriel Guarino, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), explorou a aprendizagem da cultura na diáspora chinesa da cidade paulista.

A conferência de encerramento “New Craft? Research agenda for crafting futures” com Cristina Grasseni, professora da Universidade de Leiden, finalizou o evento. O foco da palestra foi a questão do “craft”, termo utilizado na antropologia e que não tem tradução para o português. Essa palavra  traz em sua concepção a ideia de fazer algo a mão, sem longas cadeias de produção e em oposição a padronização dos procedimentos. Para Grasseni isso é um ato de revolução em um mundo onde o imediatismo e a produção em larga escala afeta todos os âmbitos da sociedade, como a grande produção de lixo e a emissão de poluentes.

O seminário mostrou a importância das aprendizagens não escolares no mundo atual, e principalmente no Brasil, demonstrando a necessidade de pesquisa e investigação dessas maneiras alternativas de aprendizado, muitas vezes desvalorizadas pelos campos tradicionais de ensino.

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