No dia 29 de junho, festividade de São Pedro e São Paulo, o Papa Bento XVI publicou uma nova encíclica, com o título Caritas in veritate, ou seja, A Caridade na Verdade. Essas palavras aludem a uma frase de São Paulo, na Carta aos Efésios (4,15), em que o Apóstolo fala da prática da verdade na caridade. Facilmente se vê que o Papa vira do avesso a frase paulina, que poderia ser invocada como um programa contra a intolerância religiosa. Segundo Paulo, é necessário que a verdade seja apresentada aos outros no amor. Somente assim, ela conseguirá convencer.
Essa mudança do texto paulino não é um simples jogo de palavras. O próprio Papa o explica do seguinte modo: É necesário "conjugar a caridade com a verdade, não só na direção assinalada por S. Paulo da «veritas in caritate» (Ef 4, 15), mas também na direção inversa e complementar da «caritas in veritate». A verdade há de ser procurada, encontrada e expressa na "economia" da caridade, mas esta por sua vez há de ser compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo, teremos não apenas prestado um serviço à caridade, iluminada pela verdade, mas também contribuído para acreditar a verdade, mostrando o seu poder de autenticação e persuasão na vida social concreta".
A encíclica é uma espécie de releitura de uma outra, a Populorum Progressio, de Paulo VI, de cuja publicação já se passaram mais de quarenta anos. Foi um tempo de profundas mudanças, onde passamos do desenvolvimentismo à globalização e à crise econômica mundial. Com esse panorama como pano de fundo, Bento XVI não se limitou ao tema clássico da "justiça social". Volta-se antes para o que poderíamos chamas de "caridade social", ou seja, o amor operante em todas as dimensões da vida humana. É exatamente porque focaliza a pessoa humana, que o Papa insiste na verdade como moldura onde se deve enquadrar a caridade. Ele afirma: "Pela sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como expressão autêntica de humanidade e como elemento de importância fundamental nas relações humanas, nomeadamente de natureza pública. Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida". Mas, de que verdade se trata? Pura e simplesmente, da verdade integral do homem, ou seja, do reconhecimento explícito da origem, da destinação e do sentido da vida humana. Frente a um cientificismo social, que se limita ao estudo dos fenômenos sociais, sem perceber o seu significado mais profundo, e frente a uma pretensa caridade que também se limita a perceber o fenômeno das carências humanas, sem analisar as suas causas, o Papa adverte para o risco fatal de uma cultura sem verdade, onde o amor "acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente".
Daí se deriva a conclusão lúcida desta encíclica: "a maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus. A disponibilidade para Deus abre à disponibilidade para os irmãos e para uma vida entendida como tarefa solidária e jubilosa. Pelo contrário, o fechamento ideológico a Deus e o ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de esquecer também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao desenvolvimento. O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil — no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos — preservando-nos do risco de cairmos prisioneiros das modas do momento".
Pe. Jesús Hortal Sánchez, S. J.
Reitor da PUC-Rio
Edição 219